Brasil: infância em risco, futuro ameaçado

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Por Moisés Pérez Mok - 14/11/2018

Brasília, (PL) Sem serem vistos ainda pelo poder público como sujeito de direito, crianças e adolescente ficam expostos hoje no Brasil a riscos desde a pobreza extrema à exploração infantil, ou a ameaça crescente de uma morte prematura.

'Faltam políticas públicas para garantir os direitos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente', (ECA, por suas siglas em português), lamentou durante uma recente audiência pública na Câmara de Deputados à representante do Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra menores, Glícia Salmerón.

Fundado em julho de 1990, o ECA estabelece como dever da família, a sociedade e o Estado assegurar a crianças e adolescentes, 'com absoluta prioridade', os direitos referentes à vida, a saúde e alimentação, educação, esporte e cultura, à dignidade, ao respeito, a liberdade e a convivência familiar e comunitária.

Entretanto, depois de 28 anos de vigência do Estatuto, os menores 'ainda não são vistos pelo poder público como sujeito de direito', lamentou Salmerón, citada pela Agência Câmara Notícias.

A opinião da especialista guarda relação, sem dúvidas, com o alarmante panorama deste grupo populacional, descrito num relatório apresentado este ano pela Fundação Abrinq, uma organização sem fins lucrativos cuja missão é promover a defesa dos direitos e o exercício da cidadania de crianças e adolescentes.

No Brasil 40 por cento das crianças e adolescentes de até 14 anos de idade, vivem em lares pobres o que representa uma população de 17 milhões 300 mil pessoas. Deles, cinco milhões 800 mil, 13,5 por cento, vivem em situação de pobreza extrema, pormenoriza o documento.

A realidade resulta pior ainda se conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), um por cento da população do país (889 mil cidadãos) têm 36,26 vezes mais ganhos que a metade dos 208 milhões de brasileiros que povoam o país.

De outro lado, o compromisso contraído no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU) de erradicar o trabalho escravo e infantil está longe de for cumprido.

No país, e de acordo com o próprio IBGE, perto de 2,7 milhões de menores são explorados precozmente e dia-a-dia e ao menos sete deles sofrem acidentes graves.

Conforme estatísticas do Ministério Público do Trabalho, entre os anos 2012 e 2017 mais de 15 mil e 600 crianças e adolescentes foram vítimas de ocorrências perigosas, gerando 187 mortes e mais de 500 amputações.

As cifras, entretanto, pudessem ser muito maiores, pois segundo o próprio Ministério Público do Trabalho as estatísticas não consideram as vítimas do narcotráfico e de outras atividades ilícitas e não sadias.

Além disso, que existe uma tolerância social em torno da questão do trabalho infantil, pois a sociedade brasileira tem o discurso de que é melhor o menor trabalhar antes que estiver a roubar ou envolvido com as drogas, denunciou a procuradora Patricia Sanfelici.

SOCIEDADE VIOLENTA 

Um estudo realizado no ano passado em 14 países pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) revelou que há ao menos quatro questões que preocupam aos menores: a violência, o terrorismo, a pobreza e a baixa qualidade da educação.

No caso do Brasil, o principal temor dos pesquisados (82 por cento) é precisamente a violência. E a preocupação tem sólidos fundamentos.

A mais recente edição do Atlas da Violência, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, por suas siglas em português) e pelo Fórum Brasileiro de Previdência Pública, revela que em 2016 o Brasil registrou uma cifra recorde de 62 mil e 517 mortes violentas, 71,1 por cento destas causadas por armas de fogo.

Do total de assassinatos ocorridos esse ano, 71,5 por cento foi de cidadãos negros e as regiões onde se produziram crescimentos mais significativos no número de vítimas foram o Norte e o Nordeste, o qual -segundo peritos- demonstra que 'a violência letal não está distribuída de forma homogênea na malha social brasileira'.

Esta calamidade está sujeita à interferência de fatores demográficos, socioeconômicos e também à atuação do próprio Estado, responsável pelas políticas públicas de previdência, disse ao jornal 

'Brasil do Fato' o especialista do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, David Marques.

Na última década analisada (2006-2016), 553 mil pessoas morreram no país como conseqüência de atos violentos; com uma taxa de 30 assassinatos por cada 100 mil cidadãos em 2016, a que é 30 vezes superior a da Europa, afirmou.

Acrescentou, aliás, que entre 2006 e 2016, a taxa de homicídios entre a população negra aumentou 23,1 por cento, enquanto entre os não negros 6,8 por cento.

A mesma coisa acontece entre as mulheres negras, pois nesse período o índice de assassinatos cresceu 15,4 por cento e teve uma redução de oito por cento entre as não negras.

De outro lado, mais de 18 por cento dos homicídios perpetrados tiveram como vítimas a pessoas que tinham menos de 19 anos de idade, em sua grande maioria jovens pobres, negros e que vivem nas periferias das grandes cidades.

Também piora a violência contra as mulheres, meninos e meninas. Conforme dados do Atlas, 68 por cento das violações têm como vítimas a menores de 18 anos e quase um terço dos menores de até 13 anos são agredidos por amigos e conhecidos da família.

Para completar o dramático palco, logo depois de 13 anos de contínua redução, as taxas de mortalidade infantil (antes de completar um ano de vida) e de meninos dentre um mês e quatro anos de idade voltaram a crescer em 2017, como conseqüência da redução dos investimentos em programas sociais decretada pelo governo do Michel Temer.

Além de recortar os recursos para planos como a 'Rede Cegonha', destinado a qualificar o atendimento pre-natal e do parto, reduziu-se o alcance do programa 'Mais Médicos' sobre tudo na área mais crítica, que é o sertão do Nordeste brasileiro, explicou o ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha.

Outro fator importante que incide no aumento do número de óbitos de crianças e adolescentes é a desnutrição infantil, que conforme o Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional cresceu entre menores de cinco anos de 12,6 a 13,1 por cento no periodo 2016 - 2017.

Isso, sem esquecer que, conforme advertiu o deputado federal do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) Glauber Braga ao comentar o relatório da Fundação Abrinq, o Brasil 'está andando com pasos compridos' de regreso ao Mapa Mundial da Fome, do que tinha saido no ano 2014 após reduzir até três por cento a população que ingerir menos calorias que o recomendado pela FAO (cinco por cento).

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