Pepe Escobar: UE afinal se levanta contra as sanções-‘bullying’ de EUA contra o Irã
30/9/2018, Pepe Escobar, Asia Times
Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu
Postado por Dario Alok
Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu
Postado por Dario Alok
Bruxelas instituiu um ‘veículo para finalidades especiais’ para contornar o EUA-dólar, de modo que as transações financeiras com Teerã continuem.
A história talvez decida algum dia, que esse foi o fatídico momento geopolítico no qual a União Europeia (EU) obteve o mestrado em política exterior.
Semana passada, a ministra de Relações Exteriores da EU, Federica Mogherini, e o ministro de Relações Exteriores do Irã, Mohammad Javad Zarif, anunciaram na ONU a criação de um “veículo para finalidades especiais” (VFE, ing. “special purpose vehicle”, SPV) como ferramenta para lidar com as sanções que o governo Trump impôs ao Irã, depois que os EUA retiraram-se unilateralmente do JCPOA [“acordo nuclear iraniano”].
Mogherini enfatizou, crucialmente importante que “em termos práticos, significa que os estados-membros da EU constituirão uma entidade legal para facilitar as legítimas transações comerciais com o Irã, e isso permitirá que empresas europeias continuem a comerciar com o Irã sem transgredir a legislação da União Europeia, e possam ser abertas para outros parceiros no mundo.”
O VFE, o qual, segundo Mogherini “visa a manter o fluxo de comércio com Teerã, enquanto as sanções impostas pelos EUA permanecerem vigentes”, pode entrar em vigência antes de que comecem a ter efeito as sanções do “segundo estágio” impostas por EUA, no início de novembro.
Essa tentativa mostra que Bruxelas tenta posicionar-se como player geopolítico sério, em aberto desafio contra os EUA e, na essência, esvaziando completamente a campanha de demonização do Irã lançada pela Casa Branca, CIA e Departamento de Estado.
Nunca é demais lembrar que o chamado ‘acordo nuclear iraniano’ [ing. JCPOA] é acordo multilateral endossado pela ONU, resultado de anos de trabalhosas e dolorosas negociações. Além de Irã e EUA, outros signatários daquele acordo, Rússia, China e os UE-3 (França, Grã-Bretanha e Alemanha) – sempre mostraram total empenho em manter vivo o acordo, ao mesmo tempo em que apoiam o Irã no campo do uso da energia nuclear para finalidades civis.
Demorou um pouco, alguns meses, mas afinal os UE-3 entenderam o que Moscou e Pequim já sabiam: que qualquer negócio com o Irã – uma relação que muito interessa a todos os players preservar – tem de deixar de lado o EUA-dólar.
Assim, chegamos agora a uma situação na qual os UE-3 estabelecerão um mecanismo financeiro, multinacional, com apoio estatal, para ajudar as empresas europeias a manter seus negócios com o Irã em euros – com o que se afastam dos agentes financeiros norte-americanos.
Paralelamente, teremos Rússia e China fazendo negócios com o Irã em rublos e em yuan.
Corretores de energia espertos sabiam que Moscou e Pequim, dos (B)RICS,* continuariam a negociar petróleo e gás com Teerã. A Índia, dos (B)RICS, contudo, dobrou-se sob a pressão norte-americana [com o que se vê que os ex-BRICS, já estão hoje reduzidos a (B)R(I)CS (NTs)].
O VFE permitirá ao Irã manter pelo menos os 40% de suas exportações de petróleo que vão para o mercado da EU, e também permite investimentos na infraestrutura do Irã, a serem feitos pelas gigantes europeias de energia. Também abre uma linha de fuga pela qual poderão escapar consumidores de energia mais facilmente assustáveis, como a Índia.
E de modo perfeitamente simbiótico, o VFE abre outro caminho também para Rússia e China. Afinal de contas, o mecanismo VFE deixa de lado também a rede financeira de compensações internacionais SWIFT, com sede na Bélgica, e sobre a qual os EUA interferem o quanto queiram, como queiram.
O “Veículo para Finalidades Especiais” pode vir a ser o mecanismo preferencial post-SWIFT, que permitirá mais e mais contatos comerciais transfronteiras por toda a Eurásia, expandindo o Sul Global.
EUA-dólar: arma desarmada?
Diplomatas da UE manifestaram a Asia Times seu estado de absoluta exasperação, em Bruxelas, com o governo Trump. Um daqueles diplomata resume o sentimento: “Não nos deixaremos abusar nunca mais, por interferência extraterritorial. O acordo nuclear iraniano foi o primeiro sucesso de política exterior da União Europeia. Trabalhamos muito duro para chegar àquele acordo, e agora estamos decididos a impedir, não importa sob que circunstâncias, que o acordo seja desmontado.”
Por outro lado, o conselheiro de segurança nacional dos EUA John Bolton – figura não exatamente popular em Bruxelas – jurou que continuará a aplicar “pressão máxima” contra Teerã, e está ameaçando a EU, se o VFE for implementado.
Para Bruxelas, a preservação do acordo nuclear iraniano é missão sacrossanta. Está diretamente conectada à credibilidade das instituições de Bruxelas, que vivem permanentemente sob ataque. Se cederem agora, deve-se esperar, com alto grau de probabilidade, que as próximas eleições parlamentares europeias sejam completa catástrofe.
O jogo revela sua complexidade quando se considera que o Irã atuou como catalisador para que a UE afinal se levantasse contra os EUA – e potencialmente se aproxime de Rússia e China. Veem-se emergir, isso sim, os contornos de uma possível aliança transeurasiana, em vários fronts, entre Rússia-China-Irã – os três nodos chaves da integração da Eurásia – e os UE-3.
É jogo digno do talento de um mestre persa de xadrez: envolve guerras por energia; equilíbrio de poder no Sudoeste da Ásia; o poder absoluto do sistema financeiro global controlado pelos EUA; e o status do EUA-dólar – baseado no petrodólar – como a moeda global de reserva.
Todos esses temas já circulam há anos pelos corredores em Bruxelas – com comissários e diplomatas sempre pressionando por um euro mais decisivo no comércio global (como se vê em Pequim, em relação ao yuan).
Pode-se dizer que uma ofensiva bem articulada, puxada pelo VFE levará o euro, o yuan e o rublo a se estabelecerem como moedas de reserva de alta credibilidade. EUA-dólares manobrados como arma, abram o olho!*******
* NOTA DOS TRADUTORES: Nessa tradução escreveremos "(B)RICS" (o Brasil entre parênteses), para fazer lembrar que desde 2/12/2015 o Brasil vive sob golpe. Ninguém deve pressupor que, por estarem presentes a reuniões dos (B)RICS, as autoridades brasileiras que lá apareçam tenham qualquer legítima representação democrática.
Entreouvido na Vila Mandinga:
Mais uma notícia que demonstra, em poucos parágrafos, a importância dramática que tem hoje o Brasil, para os EUA – que naufragam feito Titanic em todo o mundo. Não há derrota maior para os EUA, que se verem descartados por União Europeia e Irã, depois de já terem perdido o Oriente Médio.
EUA praticamente já estão condenados a ter viver de Brasil, Argentina, Equador, México, Venezuela... [pano rápido]
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Mais uma notícia que demonstra, em poucos parágrafos, a importância dramática que tem hoje o Brasil, para os EUA – que naufragam feito Titanic em todo o mundo. Não há derrota maior para os EUA, que se verem descartados por União Europeia e Irã, depois de já terem perdido o Oriente Médio.
EUA praticamente já estão condenados a ter viver de Brasil, Argentina, Equador, México, Venezuela... [pano rápido]
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