Diogo Fagundes: Como derrotar o fascista inominável

VIOMUNDO - 03 de outubro de 2018 às 01h18


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COMO DERROTAR O FASCISTA INOMINÁVEL: O ANTISSISTEMA QUE TAMBÉM É ULTRASSISTEMA OU POPULISMO DE DIREITA SÓ PODE SER DERROTADO COM POPULISMO DE ESQUERDA

por Diogo Fagundes*, via Julian Rodrigues
Virou moda associar esta nova ultra-direita “populista” global, no qual se insere o troglodita líder das pesquisas nas eleições brasileiras, à temática “antissistema”.

Frente ao politicamente correto do mundo liberal-democrático, Trump, Le Pen, os chauvinistas ingleses do Ukip ( lideraram a campanha do Brexit e influenciaram  a composição interna dos Tories, com uma crescente tendência anti-liberal, representada principalmente por Boris Johnson), assim como outras lideranças histriônicas do gênero, representariam a rebeldia anti-establishment.
Ou seja:
*a Ordem versus o relativismo cultural pós-moderno;
*o retorno aos valores tradicionais, seguros e estáveis frente à bagunça hedonista e niilista de sociedades cada vez mais diversificadas e multiculturais;
* os preconceitos tradicionais contra tendências feministas, anti-racistas, pró-LGBT, ambientalistas;
*a segurança repressiva e castradora do Pai autoritário sobrepondo-se à libertinagem do mundo pós-68.
O ersatz de Hitler tropical tem este apelo, claro, mas lhe falta algo que é FUNDAMENTAL na ultra-direita do outro lado do Atlântico: ser antissistema também na temática econômico-social!
Le Pen, ao contrário de Bolsonaro, não se restringia apenas ao moralismo e à cultura, deixando o resto para algum sociopata das finanças “posto Ipiranga”.
Grande parte do seu eleitorado popular vinha de antigos redutos da esquerda francesa, pauperizados pelo neoliberalismo e pelas políticas de austeridade fiscal da Troika, nostálgicos do antigo Estado de bem-estar social (claro que este era restrito apenas aos “verdadeiros” franceses, na visão racista do lepenismo).
Toda esta direita chauvinista anti-liberal europeia cresce com o discurso anti-austeridade fiscal e anti-Zona do Euro.
Trump, da mesma forma, usou e abusou da retórica anti-globalização, com a promessa de “trazer os empregos de volta”, associando Hillary Clinton com os grandes tratados de livre-comércio que levavam embora as fábricas norte-americanas para China e México.
Não à toa, muitos analistas concluíram que seria mais fácil derrotar o magnata narcisista com a candidatura de Bernie Sanders, que também apontava para um discurso de superação dos problemas econômicos e sociais.
Ora, aqui, neste terreno, Bolsonaro é justamente o oposto: defende o liberalismo mais agressivo e violento, sendo, na verdade, “ultrassistêmico”.
Isto não é estranho na história da América Latina.
Pinochet aliou liberalismo econômico (os economistas de Chicago utilizaram o Chile como laboratório) com homicídio em massa, assim como Jorge Videla e sua junta de militares gorilas na Argentina.
Trata-se de uma oportunidade única para a esquerda, que está sendo muito mal explorada até aqui.
Em vez de continuarmos jogando no terreno do inimigo, onde infelizmente ele é hegemônico – infelizmente boa parte da população brasileira, inclusive a mais pobre, concorda com ideias conservadoras sobre drogas, sexualidade e segurança pública, por exemplo – devemos centrar fogo na seara em que nós representamos a alternativa antissistêmica em contraposição direta ao seu projeto.
Ou  seja, a continuidade e o aprofundamento do sistema (governo Temer/PSDB), odiado pelo povo:
*corte de gastos sociais;
*fim do 13º salário;
*obrigar o povo a escolher entre “menos direitos ou desemprego”;
*apoio à reforma trabalhista, inclusive com uma proposta de uma carteira de trabalho “alternativa” para legalizar de vez alternativas informais e precárias de ocupação;
*educação à distância desde o fundamental;
*privatização do SUS;
*igualdade de alíquotas do imposto de renda, etc.
Apesar de ser importante continuarmos apostando no senso civilizatório da parcela das pessoas que não se identificam com a esquerda mas que possuem apreço à democracia, não devemos ter ilusão com a disposição democrática do liberalismo tupiniquim.
Alguns deles já preparam o discurso para apoiar de modo envergonhado à extrema-direita no segundo turno, igualando o extremismo de gente que elogia torturador com quem denuncia a prisão de Lula (!!!).
Sabemos que há democratas autênticos que podem ainda ser acordados para a ameaça grave à espreita, mas nosso principal alvo é a galvanização de setores populares, descrentes com o sistema político, que estão comprando gato por lebre por não perceberem ainda o profundo conteúdo anti-popular das propostas de Bolsonaro, escamoteadas sob uma neblina de discurso de “lei e ordem”.
Esta é a única forma segura de derrotar o fascismo: uma esquerda POLARIZADA forte, “populista”, justamente na acepção que a mídia mainstream tem da palavra: retórica para os grandes anseios das massas populares, contra as oligarquias financeiras, e não muito bem comportada.
Os colunistas da Folha de SP vão dar piti, os apresentadores da Globo News farão caras e bocas, mas isto não importa – ganharemos o “centro” (o legítimo, não o fake, aquela maquiagem com a qual a Globo esconde seu direitismo), se tivermos força social e nitidez ideológica para exercer poder gravitacional sobre ele.
Ah, e nada de esperar a iniciativa do lado das lideranças dos partidos de centro, centro-direita e da grande imprensa.
São profundamente vacilantes na luta anti-fascista, como atestam o histórico de colaboração com as atrocidades da ditadura militar, seus fracassos recentes pelo mundo em conter a onda de conservadorismo anti-globalização, pra não falar da postura amistosa para com o nazi-fascismo em sua vertente original no início do século passado.
*Diogo Fagundes é militante do PT e membro do DCE da USP.


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