The Saker: Réplica para a questão crucial levantada por Paul Craig Roberts

07.09.2018, The Saker, The Vineyard of The SakerThe Unz Review


Tradução por btpsilveira

Postado por 

Em um artigo recente, Paul Craig Roberts coloca uma questão bastante importante dirigida diretamente a mim. Cito a seguir uma parte relevante desse artigo (mas por favor, esteja certo de ler o artigo completo onde Paul Craig Roberts coloca a questão e porque ele o faz – leia a tradução do artigo de Paul Craig Roberts nos blogs “mberublue – pensar sem enlouquecer” ou no “Blog do Alok” – NT):
Andrei Martyanov, cujo livro analisei recentemente em meu site, há pouco defendeu Putin, assim como The Saker e eu fizemos no passado, das acusações de que Putin é muito passivo face a essas agressões ocidentais. https://russia-insider.com/en/russia-playing-long-game-no-room-instant-gratification-strategies-super-patriots/ri24561 Como já defendi as mesmas opiniões, só posso aplaudir Martyanov e The Saker. Onde diferimos nas opiniões é no reconhecimento de que aceitar indefinidamente insultos e provocações encoraja seu crescimento até chegar uma hora em que não restará alternativa a não ser rendição ou guerra. Assim, aqui estão as questões para Martyanov, The Saker, Putin e o governo russo: Até quando vocês acham que oferecer a outra face funcionará? Vocês vão oferecer a outra face até permitir que seu oponente neutralize a vantagem que vocês tem agora em um confronto? Oferecerão vocês a outra face até perder o apoio de sua população patriótica pela falha em defender a honra do país? Até que vocês sejam eventualmente forçados à guerra ou à submissão? Ou até que isso resulte em uma guerra nuclear?

Acredito que tanto The Saker quanto Martyanov considerarão meu questionamento válido.
Em primeiro lugar quero afirmar que a questão é perfeitamente válida, até mesmo crucial, e que é um questionamento com o qual tenho batalhado já por anos e que ainda me deixa acordado à noite. Penso que esta matéria deveria ser ainda mais esmiuçada, especialmente por quem se preocupa com a paz no mundo e se opõe ao imperialismo em todas as suas formas. Por isso, sou grato a Paul Craig Roberts por levantar o item mais uma vez.

A seguir, considerando a indecência inerente de grande parte da blogosfera pró Rússia e a assim chamada “mídia alternativa”, gostaria que ficasse consignado que tenho uma grande admiração e respeito por Paul Craig Roberts, especialmente por sua grande coragem e honestidade intelectual. Posso até não concordar com tudo o que ele escreve, mas jamais esqueço que antes de qualquer coisa ele é um verdadeiro patriota (norte)americano e um amigo real da Rússia. Considero-o um precioso aliado em minhas lutas.
Tendo deixado esse assunto bem esclarecido, vamos voltar aos questionamentos de Paul.
Inicialmente, começarei questionando a premissa da questão e investigando se é verdade que a Rússia tem uma política de “oferecer a outra face”.
Trata-se de uma conclusão equivocada, em minha opinião. A Rússia não tem “uma” política externa, mas várias políticas externas diferentes relacionadas a diferentes países e situações. Não vou listá-las todas aqui, mas mencionarei duas que são as mais citadas neste contexto: Síria e Ucrânia.
São conflitos dramaticamente diferentes com características extremamente diversas:

Rússia e Estados Unidos



NA SÍRIA
NA UCRÂNIA
Risco de enfrentamento direto entre RÚSSIA e EUA
SIM
NÃO (APENAS INDIRETAMENTE)
Risco de acontecer um incidente local que possa escalar para uma guerra total e até nuclear
SIM
MUITO BAIXO
Proximidade da fronteira russa
NÃO
SIM
Vantagem esmagadora de forças
US-CENTCOM-OTAN
Exército russo
Forte presença de população russa
NÃO
SIM
Apoio da população russa (um espécie de mandato) para o uso da força se necessário
Há um apoio cauteloso, mas não um cheque em branco
Forte (em caso de contra ataque russo para salvar a Novorrúsia)
Risco de um tiro pela culatra político se a Rússia for forçada a escalar ou intervir
Limitado (a U.Europeia e até EUA e Israel aceitaram que a Rússia está na Síria para ficar)
Muito alto (na U.Europeia)
Russian intervention justifiable under international law
Evidentemente sim
Sim, mas não tão claramente
Haverá grandes consequências econômicas e sociais (para a Rússia) como resultado do conflito?
NÃO
SIM
A Rússia está sob pressão para resolver o conflito?
NÃO
NÃO

Como se percebe, das 10 características do conflito na Ucrânia e na Síria, só existe uma coisa em comum: a Rússia não está sob pressão para resolvê-los. Na realidade, eu poderia argumentar que o tempo está do lado russo nos dois conflitos (claro que se deve ressaltar que as populações da Ucrânia e da Síria não estão em posição assim confortável – cada dia é um pesadelo a ser enfrentado).
Por comparação, as duas características mais importantes são o risco de uma escalação para um conflito total e um enfrentamento direto entre duas superpotências que pode derivar facilmente para uma guerra nuclear. Isso é muito improvável na Ucrânia e bem possível na Síria.
Por que?
Pense no atual estado de impasse nos dois países: na Ucrânia os novorrusos estão alertando para uma concentração de blindados nas cercanias de Mariupol; na Síria a Marinha russa e suas Forças Aeroespaciais estão posicionados para afundar navios da marinha (norte)americana se receberam a ordem. Deu para perceber a diferença em qualidade e magnitude?!
Por essas razões, creio que precisamos ver a posição russa nos dois conflitos de forma separada.
Síria
Tenho escrito muito sobre a posição russa na Síria e portanto aqui mostrarei apenas um resumo com o que considero pontos-chave:
·         O conflito na Síria coloca as forças russas e (norte)americanas muito próximas uma da outra. Além disso, a força tarefa do exército russo na Síria e nas proximidades do país são bem pequenas e não podem resistir a um ataque determinado de EUA/CENTCOM/OTAN. Caso atacada na Síria, a Rússia rapidamente evoluirá para o uso de seus mísseis de cruzeiro de longo alcance os quais estão baseados na Rússia ou em seus portos. Que fará o exército dos EUA se isso vier a acontecer?
·         Não há razão para acreditar que os EUA reagirão de forma razoável (ou mesmo proporcional) se suas bases ou navios forem destruídos em um contra ataque russo: a pressão política para “dar uma lição aos russos”, para mostrar que os Estados Unidos tem “o maior e melhor exército da história” e todo o resto das típicas besteiras usuais nesses casos acabarão por forçar Trump a mostrar que ele é o presidente MAGA (Make America Great Again – NT). As atuais elites dos EUA não são “capazes para acordos”, e além disso são ignorantes, estúpidas, arrogantes e têm um senso imenso de falso moralismo, uma ideologia messiânica e uma crença religiosa em impunidade total. Assumir que os Estados Unidos possam agir como uma “entidade racional” pode ser ilógico e, no caso de possibilidade de guerra nuclear, completamente irresponsável.
Vladimir Putin foi eleito pelo povo russo para preservar e proteger seus interesses, não os interesses dos povos da Ucrânia e da Síria. Antes de qualquer coisa, sua principal obrigação é a proteção do povo russo e isso, por sua vez, significa que ele deve fazer o seu melhor e tudo o que for possível para evitar um confronto contra uma superpotência que trará imenso sofrimento ao povo russo.
Pessoalmente, apoio decisivamente a decisão russa de intervir na Síria, mas desde o primeiro dia fico preocupado com os perigos inerentes a essa operação. Creio que os russos estão fazendo um trabalho soberbo, pelo menos até agora: têm preservado o povo sírio contra o pesadelo takfiri, tornaram possível ao governo do país sobreviver e liberar a maioria da população, e frustraram totalmente os planos A, B, C, D, etc., de já duas (indecentes, para não dizer apenas incompetentes) administrações dos Estados Unidos.
A intervenção russa tem sido até agora um sucesso espantoso. Por isso mesmo os (norte)americanos estão desesperados para achar algo que ao menos possa se parecer com uma “vitória” para a “maior nação do planeta”, “terra da liberdade, lar dos valentes” e cousa e lousa e a asa da maripousa...
Mesmo assim, para que a operação russa se torne um sucesso completo, a Rússia deve ao mesmo tempo fazer aumentar os custos de uma potencial intervenção para os anglo/sionistas enquanto impede que tenham qualquer ganho político a partir de um ataque combinado EUA/Israel. Eu não chamaria isso de “dar a outra face”, e sim de “encaixar um golpe após o outro” (especialmente quando esses “golpes” não tem efetividade, a ponto de se tornar apenas simbólicos!) fazendo seu oponente ir perdendo as forças enquanto muda a realidade no ringue. Apenas compare a situação da Síria dois anos atrás e agora, e me diga: quem está vencendo?
A única conclusão possível é que ao menos até agora, as políticas russas na Síria tem sido coroadas com um imenso sucesso.
Passemos agora para o conflito na Ucrânia.
Ucrânia
Aqui devo confessar que tenho minhas dúvidas. Primeiro, entendo que se tratou de uma coisa bem difícil, mas tenho que admitir que à vezes me pego perguntando se foi feita a coisa certa ao reconhecer a Junta  Ucronazista que chegou ao poder em Kiev. Por que deveria o Kremlin concordar em lidar com esse povo quando é mais do que claro que chegaram ao poder como resultado de um golpe neo/nazi violento, executado por um pequeno número de extremistas radicais e em violação direta de um acordo internacional assinado apenas dias antes? Se as suásticas estão banidas da União Europeia e até mesmo “livros revisionistas” (colocando na cadeia quem os escreve!), como é que um regime reconhecidamente nazista chega ao poder pela violência e é instantaneamente reconhecido? Claro que sabemos que o Império Anglo/Sionista chegou nos pináculos da hipocrisia, mas o reconhecimento pela Rússia dessa gang de bandidos corruptos cheios de ódio faz vir à tona um monte de questões perturbadoras. Finalmente, quão difícil foi para os russos ver que o único resultado possível de um golpe nazista em Kiev era a guerra civil? Afinal de contas, se eu, usando apenas algumas poucas fontes de livre acesso pude predizer a guerra civil na Ucrânia já em 30 de novembro de 2013, com certeza a imensa e extremamente competente comunidade de inteligência russa chegou às mesmas conclusões meses ou mesmo anos antes! Assim, por que o Kremlin reconheceu um regime que deveria começar imediatamente uma guerra civil sangrenta? Mais uma vez, questões inquietantes.
Mais uma vez, não quero duvidar das razões do Kremlin, desde que o presidente e seus conselheiros tinham muito mais informações para tomar suas decisões que eu, ainda que em perspectiva. Fico muito mais incomodado pela falta de sanções econômicas russas contra a Ucrânia, especialmente levando-se em conta uma sequência quase interminável de atrocidades, provocações e atos hostis. Parece que na sequência dos atos de pirataria dos ucronazistas no Mar de Azov os russos finalmente decidiram que chega e que os ucronazistas tem que pagar um prelo alto (em termos econômicos) por seus atos de pirataria. Mas já é um pouco tarde. O que fará a Rússia reagir com seriedade? Talvez um ataque terrorista sangrento na Rússia?
Agora, na sequência do assassinato de Alexandr Zakharchenko, um número cada vez maior de políticos russos e do público em geral estão pedido o reconhecimento das repúblicas de Donetsk e Lugansk. Francamente, só posso concordar. Basta, especialmente desde que não há com quem negociar em Kiev e não haverá pelos menos em um futuro previsível. Além do mais, a junta tem que pagar por suas provocações constantes e creio que a Rússia deve deslanchar algumas sanções econômicas severas contra os líderes ucronazistas e contra a própria Ucrânia. Mas dê uma olhada nestes dois acontecimentos e me diga se você também vê um problema aqui:
O FSB russo (cujos investigadores estão em Donetsk) declarou que o SBU ucraniano está por trás do assassinato de Zakharchenko
A Rússia é o maior investidor econômico estrangeiro na Ucrânia.
Faz algum sentido para você?
Quanto ao Acordo de Minsk, o qual de qualquer forma já nasceu morto, os ucronazistas já provaram por palavras e atos que não tem a menor intenção de implementá-lo. Creio que os tomadores de decisão no Kremlin também já entenderam e que seu atual objetivo não é esperar na esperança de que os ucronazistas comecem a implementar o acordo, e sim usá-lo como “isca no anzol” para enfraquecer o regime em Kiev pouco a pouco. Nesse caso, vejo a vantagem do não reconhecimento das Repúblicas de Donetsk e Lugansk: da mesma forma que os Estados Unidos criaram uma Ucrânia contra a Rússia, os russos criaram um sentimento contra a Ucrânia no Donbass. No entanto, penso que essa estratégia hoje está perdendo sua utilidade e que a proteção do povo do Donbass deve ser considerada mais importante que o enfraquecimento do regime nazista em Kiev. Ainda assim, o porta voz de Vladimir Putin declarou (mais uma vez) que:
 “Depois desse ataque terrorista é muito difícil discutir qualquer coisa com o lado ucraniano, mas isso não significa que a Rússia está abandonando o processo de Minsk”
Faz sentido para você?
Se/quando o exército russo resolver intervir abertamente no Donbass (como fez na Crimeia) não há absolutamente nada que os ucronazistas, OTAN, União Europeia ou Estados Unidos possam fazer. Não se trata da Síria e aqui os russos tem uma grande e abrangente vantagem militar.
É por isso que em termos militares, todo esse “cerco” da Rússia pela OTAN/EUA militarmente não tem o menor sentido. Da mesma forma o uso dos países bálticos e da Polônia como bases da OTAN/EUA em seus territórios.

Conflitos hodiernos entre superpotências na realidade não tem fronteiras e linhas de frente ou recuo, e sim são lutados principalmente em profundidade no teatro de guerra. Ao colocar bases da OTAN/EUA tão perto da Rússia o Império só faz a lista de sistemas de armas russas que podem atacá-lo cada vez maior, resultando em poder de fogo redundante para um eventual ataque russo.

Todo esse negócio de “cerco” não passa de mais um nonsense tipicamente Neocon. Meu favorito? Acontece quando a Marinha dos Estados Unidos coloca navios no Mar Negro, onde a sobrevivência de qualquer navio é contada em minutos, uma vez que os russos resolverem afundá-los. A mesma coisa para o Golfo Pérsico, o qual, aliás, é um lugar terrível para o qual mandar navios dos EUA.

Caso o Império resolva ordenar um ataque contra o Irã, a primeira coisa que certamente fará é sair imediatamente com seus navios do Golfo Pérsico (a menos que o Pentágono queira um estopim para o conflito ou a repetição de uma operação de falsa bandeira tipo “Liberty” como pretexto para o ataque)

Não só o exército da Ucrânia cessará de existir como força de luta em cerca de 24 a 36 horas (a maioria dos homens sobreviverá, mas como unidades e subunidades de combate o exército ucronazistas deixará de existir), como a OTAN não está em posição de intervir seja como for. Não há perigo de escalação no Donbass, especialmente não nuclear. No entanto, diferente da Síria, qualquer intervenção aberta dos russos no Donbass acarretará consequências políticas imensas na Europa: todos os passos tímidos tomados pelos supostos líderes europeus para ter pelo menos algum tipo de independência em política externa (penso explicitamente no Nord Stream 2 como exemplo) serão imediatamente esmagados pelo desvairado coro de histeria russofóbica que virá dos regimes títeres dos anglo/sionistas no leste europeu.
Verdade seja dita, até agora a política russa de mandar equipamento (o Voenterg) e especialistas (o Vento Norte) tem sido muito bem sucedida. Os russos conseguiram derrotar os ucronazistas sem intervenção direta (com pequenas exceções como poucas operações especiais, pequeno uso de artilharia e ajuda para criar uma zone de exclusão aérea de fatosobre o Donbass. O problema é que sendo Poroshenko tão impopular e com a Ucrânia aos poucos se tornando um estado falido (como já se observa há algum tempo) a junta pode muito bem decidir por atacar novamente com uma força militar melhorada, reorganizada, mais treinada e reequipada (pelo menos no papel). Caso percam para os novorrussos – que é o que provavelmente acontecerá – sempre podem culpar uma suposta intervenção russa pelos desastres que infligem a si mesmos.
Finalmente, como já escrevi no passado, o grande problema é que os anglo/sionistas não arriscam muito ao aconselhar os ucronazistas a atacarem a Novorrusia. É claro que um monte de ucronazistas morrerão, mas também é evidente que os anglo/sionistas não se importam, e no caso do exército ucronazista conseguir  forçar uma intervenção do exército russo, o império terá conseguido vencer politicamente. O único cenário ruim para o Império seria uma vitória incontestável das forças das repúblicas de Donetsk e Lugansk pela terceira vez, e novamente sem intervenção aberta da Rússia, possibilidade que não pode ser excluída.
Do ponto de vista russo, entendo que uma intervenção aberta no Donbass teria um custo político e econômico altíssimo. No entanto, acredito que não se trata de uma situação de “tudo ou nada”. A Rússia não tem que escolher entre ou não fazer nada ou mandar seus tanques até Kiev. A Rússia tem a opção de apertar os parafusos contra Kiev sem passar dos limites. No mínimo, pode deslanchar contra a Ucrânia sanções econômicas dolorosas. O Kremlin também pode avisar ao regime em Kiev que há linhas vermelhas (as quais podem incluir ataques terroristas na Novorrusia, Crimeia ou em qualquer lugar da Rússia), que não podem ser cruzadas e que a Rússia não vai ficar parada ante as provocações ucronazistas.
Para concluir esta seção, devo dizer que as políticas russas em relação à Ucrânia tem sido um balaio onde se misturam grandes sucessos com respostas não tão ideais assim. Acredito que o Kremlin deve considerar meios políticos e econômicos para retaliar contra as políticas ucronazistas enquanto evita o quanto pode uma operação militar aberta (quer dizer, isso a menos que os ucronazistas ameacem arrasar com a Novorrussia).
Com a comparação e contraste entre estes dois conflitos, passaremos antão para uma visão mais ampla do quadro. Afinal de contas, Paul Craig Roberts está falando sobre o futuro do planeta com a sua questão: “Ainda é possível evitar a guerra e salvar o planeta?”. Ele está absolutamente correto: o que está em jogo neste momento não é apenas o resultado de um conflito local ou regional, mas o futuro do planeta Terra.
O quadro estendido: guerra existencial entre a Rússia e o Império
O Estados Unidos e a Rússia já estão em guerra há vários anos. Esta guerra e quase 80% informacional, 15% econômica e apenas 5% cinética. Mas tal estado de coisas pode mudar rapidamente. As principais razões dessa guerra não é a usual mistura de rivalidades entre grandes poderes, conflitos econômicos e financeiros, o desejo de controlar fontes de matéria prima ou lugares geograficamente estratégicos. Claro que tudo isso está presente, mas a razão mais profunda para esta guerra é que a Rússia e os Estados Unidos representam dois modelos civilizacionais mutuamente exclusivos. Sucintamente, a Rússia quer um mundo multipolar onde cada país seria livre para se desenvolver da maneira que seu povo achar melhor e no qual a Lei Internacional regula as relações entre as nações. O Império permaneceria, claro, mas por sua própria conta e risco, significando que quer um mundo onde o Império governado pela entidade Anglo/Sionista seria hegemônico. Além disso, a Rússia representa e defende a moral tradicional e valores espirituais enquanto por sua vez o Império representa a ganância, o globalismo e a destruição de todas as tradições e valores morais. Evidentemente esses dois sistemas não podem coexistir. Cada um representa uma ameaça existencial contra o outro. A Rússia deverá ou se tornar soberana ou escravizada. O Império ou controlará todo o planeta ou se transformará em ruínas. Tertium non datur.
Os russos sabem disso muito bem, da mesma forma que os líderes do Império Anglo/Sionista transnacional. Pensam que estou exagerando? Bem, veja por você mesmo o que Kirstjen Nielsen, Secretário de Segurança Nacional tinha a dizer sobre este assunto: (grifo adicionado)

Estamos testemunhando mudanças históricas através de um cenário sob ameaça... o equilíbrio de poder que era característico do sistema internacional por décadas está sofrendo uma corrosão. O momento unipolar dos Estados Unidos está em risco. Vácuos de poder surgem por todo o mundo e são rapidamente preenchidos por nações-estados hostis, terroristas e criminosos transnacionais. Eles têm um objetivo comum: querem destruir nosso modo de vida – e muitos estão incitando o caos, instabilidade e violência
Com exceção do comentário final sobre “caos, instabilidade e violência” (que são, de longe o maior produto de exportação dos Estados Unidos), ele foi no ponto. Daí as tensões que vemos atualmente.

Há uma possibilidade real de que a guerra atual subitamente se transforme em 100% cinética. Os russos também entendem isso e não por outro motivo estão se preparando para a Terceira Guerra Mundial já há vários anos. Como já mencionei várias vezes, os Estados Unidos não tem como vencer uma guerra convencional contra a Rússia, e os recentes avanços russos em tecnologia militar acabaram por tornar a Marinha dos Estados Unidos e sua Força Aérea mais ou menos inúteis. No entanto, a tríade nuclear dos EUA ainda está inteiramente funcional e é mais que suficiente para destruir a Rússia.
Também por esse motivo, a Rússia melhorou dramaticamente sua capacidade estratégica de dissuasão e com efeito, tornou todos os ABM dos Estados Unidos inúteis. Seguindo à risca o ditado “si vis pacem, para bellum” (se queres a paz, prepara-te para a guerra – NT) a Rússia também desenvolveu toda uma família de novos sistemas de armas destinados a deter qualquer ataque dos Estados Unidos. O plano de Putin é bem evidente: ele espera ser capaz de convencer os líderes dos Estados Unidos de que um ataque contra a Rússia pode ser suicida. Agora, tudo o que a Rússia pode fazer é tentar tudo em seu poder para evitar um conflito desse tipo.
Paul Craig Roberts nos apresenta um quadro muito sombrio quando afirma que:
O povo ocidental com o qual ele (Putin) está lidando são idiotas que não apreciam suas posições de estadista. Consequentemente, a cada vez que Putin oferece a outra face, por assim dizer, os insultos e provocações só fazem aumentar (...) A razão pela qual penso que Putin precisa fazer melhor que isso ao lidar com Washington é que, baseado em fatos históricos, penso que cada tentativa de apaziguamento encoraja ainda mais provocações, até chegar a um ponto em que você tem que escolher entre a luta e a rendição.
Infelizmente, só posso concordar totalmente com Paul Craig Roberts, e já expliquei isso em meu artigo “Cada click nos aproxima mais do bang!” o qual concluo com as seguintes palavras:
Não posso ignorar o fato de que cada “click” nos traz para mais perto do “bang!”. E isso me faz pensar que a única solução real para essa situação tão perigosa é encontrar um meio de remover o dedo que está aos poucos pressionando o gatilho, ou, melhor ainda, tomar a arma do maluco que ameaça o mundo inteiro.
Penso que este é o núcleo da política da Rússia em relação aos Estados Unidos: tentar encontrar uma maneira de tirar o dedo anglo/sionista do gatilho nuclear. É tarefa difícil e complicada que só pode ser executada com muito cuidado, um passo por vez. E sim, essa tarefa implica em que, por algumas vezes, você pareça estar docilmente “oferecendo a outra face” quando na realidade se está tentando não dar uma razão aos malucos para fazer uma loucura total.
Pense da seguinte forma: qual é o maior erro que os EUA estão cometendo atualmente? Os líderes dos EUA não entendem (ou ainda pior, não se importam) que as ações dos Estados Unidos estão empurrando a Rússia para um canto do qual ela não pode escapar. Eles estão forçando a Rússia ao ponto em que ela terá que defender seu território, se necessário até por meios militares. Qual seria o objetivo dos russos se fossem eles que estivessem empurrando os neocons para um canto de onde não poderiam escapar? Tenha em mente, por favor, que entender o que é inaceitável para seu inimigo (até alcançar um “ponto de ruptura”, na teoria das negociações) não quer dizer que você concorda com os pontos de vista ou valores de seu inimigo. Não temos que considerar a ideologia messiânica e a visão de mundo dos Anglo/Sionistas como nada além de um amontoado repugnante para entender o fato de que se provocados direta e abertamente, eles vão atacar, muito provavelmente de uma maneira completamente irresponsável e suicida. Dessa forma, a única estratégia possível é enfraquecer o Império pouco a pouco, sem dar a seus líderes um sinal claro de que o que a Rússia está querendo mesmo é sua queda total.Mais uma vez: se isso significa lhes dar a ilusão de que a Rússia está “oferecendo a outra face”, nesse caso, esse é o preço a pagar para comprar mais tempo e enfraquecer ainda mais o Império.
No entanto, esta estratégia não pode ser sustentada indefinidamente, ainda que apenas por que apaziguar significa convidar para futuros abusos. Cada vez que a Rússia evita com sucesso a Terceira Guerra Mundial os imbecis em Washington DC interpretam como mais um sinal de que a “Rússia é fraca e nós somos fortes, somos os melhores, somos invencíveis!” E tornam a planejar a escalada de tensões e hostilidades.
É por isso que penso que cada conflito precisa ser examinado caso a caso. Na Síria, agir como se estivesse “oferecendo a outra face” para evitar a Terceira Guerra Mundial faz sentido. Já na Ucrânia, onde esse risco não existe, tal estratégia precisa ser reavaliada. Na Síria, as forças dos EUA e da Rússia estão muito próximas, quase encarando uma à outra; já na Ucrânia as forças ucronazistas são jagunços da OTAN, e acabam agindo como um tampão que reduz o risco de uma escalada rápida e incontrolável. A Rússia pode usar isso para tirar vantagem.
Quero acrescentar o seguinte: caso a Rússia decida reagir de maneira mais enérgica, não o fará de forma generalizada, mas apenas em determinadas situações, e em conflitos específicos. Uma reação forte na Síria não quereria dizer que haveria uma reação tão forte quanto na Ucrânia, e vice-versa. A estratégia militar russa coloca muita importância na concentração de forças e em um eixo de ataque principal, e não através de toda a área de combate, e os políticos russos agem da mesma forma. Toda essa noção de “ser durão contra” (crime, drogas, terror, etc) é coisa bem (norte)americana). Russos não pensam dessa maneira. Eles estudarão as posições e disposições do inimigo e baterão onde um (contra)ataque faça mais sentido. Assim, não esperem que Putin subitamente pare de “oferecer a outra face” e comece a “ser durão com os (norte)americanos”. Simplesmente não acontecerá dessa maneira. Em certos pontos os russos parecerão ceder, enquanto em outros deverão aumentar a pressão. É assim que as guerras são vencidas.
Fator interno: a quinta coluna
Como já mencionei várias vezes no passado, Vladimir Putin também tem que lidar com uma Quinta Coluna favorável ao ocidente e ao sionismo, dentro do Kremlin e mais generalizadamente, dentro do aparato governamental.
Chamo essa Quinta Coluna de Atlantistas Integracionistas (em oposição aos eurasianos pró soberania), mas poderiam também ser chamados de Consenso de Washington/FMI/OMC/Banco Mundial/etc ou, seguindo o exemplo de Gary Littlejohn, chamá-los de “apoiadores das instituições financeiras internacionais” (a não ser o fato de que em vez de chamá-los de “apoiadores” eu os chamaria de “agentes”).
Mas não importa como se lhes denomine, é crucial ter sempre em mente que esta 5ª Coluna permanece sendo a maior ameaça que Putin e a Rússia enfrentam e que Putin tem que levá-los em consideração em cada decisão que tome. Até agora, estes traidores estão focados principalmente naquilo que é objeto de seu desejo – assuntos financeiros e política interna – e deixam de lado o exército e segurança que então podem lidar com o que lhes é caro: A proteção da soberania russa e a política externa. Mas você pode estar certo de que se Putin cometer qualquer erro (ou mesmo se não o fizer, mas apenas aparentar ter feito) eles o atacarão como abutres, para derrubá-lo, ou ao menos forçá-lo (juntamente com seus apoiadores) a concordar com sua agenda traiçoeira: retornar ao pesadelo dos anos 90: uma entrega total da Rússia aos Anglo/Sionistas.
Conclusão: percepções simples versus uma realidade complexa
Então, estaria a Rússia agindo como um provocador de pátio de colégio (como fazem os EUA) ou respondendo adequadamente quando necessário (como a maioria dos apoiadores de Putin acreditam) ou estará ainda humildemente oferecendo a outra face (como conclui Paul Craig Roberts)? Devo afirmar que nenhuma dessas assertivas está correta e que a realidade é muito mais complexa.
Por um lado, os exemplos da Ossétia do Sul e da Crimeia mostram que Putin está disposto, quando necessário, a tomar ações militares fortes. Mas em outros casos, prefere adiar uma confrontação. No caso da Síria, isso faz sentido. No caso da Ucrânia, nem tanto. Por outro lado, a Rússia ainda é um país apenas parcialmente independente, onde o poder da Quinta Coluna ainda influencia fortemente as decisões tomadas pela Rússia, especialmente em casos onde o tempo não é fator crítico (sendo a Ossétia do Sul e a Crimeia exemplos perfeitos de situações onde o tempo é fator crítico). É por isso que as ações russas sempre parecem acontecer em zig-zag (até mesmo quando não é o caso). Os russos têm ainda uma capacidade muito fraca no que tange a Relações Públicas.
Essa dificuldade de percepção é agravada pelo fato lamentável de que muito da blogosfera de língua inglesa focada na Rússia está quase totalmente dividida:
·         De um lado, temos os torcedores fanáticos que negam até a existência de problemas, sejam quais forem.
·         Do outro lado, temos os derrotistas “tudo está perdido” ou “Putin é um vendido” e comentários desse tipo que só servem para aumentar ainda mais a confusão em qualquer assunto.
Ambos estão errados. Pior: ambos prejudicam a Rússia em geral e Putin em particular (infelizmente, a maioria deles está vendida para seus financiadores e estão mais interessados  em agradar a este ou aquele oligarca do que em ser sincero e falar a verdade).
As políticas russas devem ser vistas de maneira dialética: como um processo evolucionário que traz em si mesmo os princípios da própria contradição, mas que no final acaba por ser tremendamente bem sucedido, pelo menos até agora. Em vez de esperar que Putin seja nada menos que perfeito, devemos dar a ele nosso apoio crítico e condicional. De fato, poder-se-ia dizer que tanto Putin quanto os Eurasianos pró soberania podem ser muito beneficiados por um apoio crítico, já que este lhes dá a justificação para tomar uma ação corretiva (por exemplo, Putin já emendou, mesmo que minimamente, o projeto de reforma da aposentadoria, como resultado do enorme protesto público contra a proposta). Você também pode colocar dessa forma: a cada vez que a opinião pública russa fica ultrajada pelas ações dos ucronazistas, ou pela percepção de que a Rússia está obedientemente oferecendo a outra face, traz mais para perto o dia em que a Rússia finalmente reconhecerá as duas Repúblicas da NovoRússia.
Neste mesmo instante, ouço um monte de veículos da mídia russa (incluindo a estatal) com expressões de frustração enorme, desgosto e raiva, com pedidos ao Kremlin para adotar uma linha muito mais dura contra os ucronazistas de Kiev. A raiva popular é uma arma poderosa que Putin pode usar contra seus inimigos, tanto internos quanto externos.
Portanto, vamos seguir o exemplo de Paul Craig Roberts e continuar a colocar questões duras, permanecendo críticos em relação às políticas russas.
The Saker

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