Pepe Escobar: Eurásia Expandida toma forma no Extremo Oriente da Rússia

12/8/2018, Pepe Escobar, Asia Times

Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu - Postado por 


O Fórum Econômico Oriental em Vladivostok tornou-se parte crucial da integração estratégica de China, Rússia e outros países do nordeste asiático, uma assimilação gradual que deve transformar o atual sistema mundial


Xi Jinping e Vladimir Putin foram vistos numa joint venture culinária. Panquecas com caviar (blin, em russo) [bacias de blin! NTs], empurrados com um shot de vodca. Aconteceu agora mesmo, no Fórum Econômico Oriental em Vladivostok. É metáfora desenhada (e comestível) para selar a sempre crescente 'parceria estratégica abrangente russo-chinesa'.

Já há alguns anos, o Fórum de Vladivostok vem oferecendo um mapa inigualável do caminho, a quem se interesse por rastrear o progresso da integração da Eurásia.

Ano passado, às margens do Fórum, Moscou e Seul fizeram o lançamento bombástico de uma plataforma comercial trilateral, a qual, crucialmente, integrou Pyongyang, girando em torno de um corredor de conectividade de toda a península coreana com o Extremo Oriente da Rússia.

Tópicos de discussão em mesa redonda, esse ano, incluíram a integração do Extremo Oriente da Rússia em conexões logísticas; mais uma vez, a conexão entre Rússia e as Coreias – com o objetivo de construir uma Ferrovia Trans-Coreana conectada à Trans-Siberiana e um ramo do "Oleogasodutostão" que se conecta com a Coreia do Sul via China. Outros tópicos foram a parceria Rússia-Japão em termos de aumentar o trânsito eurasiano, centrado na conexão da Trans-Siberiana com a Linha Principal [ing. Baikal-Amur Mainline (BAM)], já ampliado para uma ferrovia projetada até a ilha de Sakhalin, e dali direto até a ilha de Hokkaido.

O futuro: de Tóquio a Londres, direto, por trem.

E há também a integração de Rússia e Associação de Nações do Sudeste Asiático, ANSA [ing. ASEAN] – ampliando projetos atuais de infraestrutura, agrícolas e de construção de navios, para energia, setor agroindustrial e de florestas, como delineado por Ivan Polyakov, presidente do Conselho de Negócios Rússia-ANSA.

Essencialmente aí se trata de construir simultaneamente um eixo crescente Oriente-Ocidente e também um eixo Norte-Sul. Rússia, China, Japão, as Coreias e o Vietnã, avançam, lentamente, mas com firmeza, rumo a sólida integração geoeconômica.

A mesa de discussão talvez mais fascinante em Vladivostok foi Crossroads on the Silk Road  [Cruzamentos na Rota da Seda], que reuniu, dentre outros, Sergey Gorkov, vice-ministro de Desenvolvimento Econômico da Rússia; Wang Yilin, presidente da gigante chinesa do petróleoCNPC, e Zhou Xiaochun, vice-presidente do grupo de diretores do essencial Boao Forum.

O ímpeto de Moscou é unir as Novas Rotas da Seda, ou Iniciativa Cinturão e Estrada (ICE) com a União Econômica Eurasiana (UEE). Mas o objetivo geoeconômico final é ainda mais ambicioso: uma "parceria Eurasiana Expandida", na qual a ICE converge na direção da UEE, da Organização de Cooperação de Xangai, OCX, e ANSA. No coração desse gigante está a parceria estratégica Rússia-China.

O mapa do caminho adiante, é claro, envolve tocar as cordas certas de um acorde complexo de equilíbrio entre interesses políticos e práticas gerenciais em múltiplos projetos Oriente-Ocidente. A simbiose cultural tem de entrar nesse quadro. A parceria Rússia-China tende cada vez mais a pensar em termos de Go (weiqi, o jogo), visão partilhada, baseada em princípios estratégicos universais.

Outra mesa de discussão chave em Vladivostok reuniu Fyodor Lukyanov, diretor de pesquisa no sempre essencial Clube de Discussão Valdai, e Lanxin Xiang, diretor do Centro de Estudos de Um Cinturão, Uma Estrada, no Instituto Nacional Chinês para Colaboração Internacional da OCX. A discussão aí se centrou na interação geopolítica asiática, envolvendo Rússia, China e Índia, países-chaves dos (B)RICS*, e em como a Rússia pode capitalizar sobre essa interação, ao mesmo tempo em que navega pelo pântano da guerra comercial de sanções cada vez mais violentas.

Toda a energia vem da Sibéria 

Tudo volta sempre ao básico e à parceria estratégica Rússia-China sempre em evolução. Xi e Putin autoenvolveram-se nela até o âmago. Xi define a parceria como o melhor mecanismo para que "se neutralizem conjuntamente os riscos e desafios externos". Para Putin, "nossas relações são cruciais, não só para nossos países, mas também para o mundo." É a primeira vez que um líder chinês participa nas discussões de Vladivostok.

A China está progressivamente se interconectando com o Extremo Oriente da Rússia. Corredores internacionais de transporte – Primorye 1 e Primorye 2 – darão novo impulso ao trânsito de cargas entre Vladivostok e o nordeste da China. A empresa Gazprom está próxima de completar o trecho russo do gigantesco gasoduto "Energia [poder] da Sibéria" até a China, em parceria com a CNPC. Mais de 2 mil quilômetros de dutos já foram instalados de Yakutia até a fronteira russo-chinesa. O gasoduto Energia [poder] da Sibéria começará a operar em dezembro de 2019.

Segundo o Fundo Russo de Investimento Direto, FRID [ing. Russian Direct Investment Fund (RDIF)], a parceria está avaliando 73 projetos de investimento no valor total de mais de $100 bilhões. A Comissão Comercial Russo-Chinesa de Aconselhamento faz a supervisão, incluindo mais de 150 executivos das maiores empresas russas e chinesas. O CEO do FRID, Kirill Dmitriev, está convencido de que "haverá transações particularmente promissoras nos acordos bilaterais que serão resultado do relacionamento produtivo entre Rússia e China."

Em Vladivostok, Putin e Xi mais uma vez concordaram em manter crescente comércio bilateral em yuan e rublos, deixando de lado o EUA-dólar – já efeito da decisão tomada por ambos em junho, de aumentar o número de contratos denominados em yuan-rublo. Paralelamente, o ministro do Desenvolvimento Econômico Maksim Oreshkin aconselhou os russos a vender EUA-dólares e comprar rublos.

Moscou espera apreciação do rublo para cerca de 64 por EUA-dólar, no próximo ano. Atualmente é comercializado em cerca de 70 rublos /dólar, puxado para baixo pelas sanções EUA e pelo estrago que o dólar-arma-política está causando no Brasil, Índia e África do Sul, e também em estados aspirantes a ser (B)RICS, chamados "BRICS Plus", como Turquia e Indonésia.

Putin e Xi mais uma vez reafirmaram que continuarão a trabalhar coordenadamente em seu mapa do caminho intercoreano baseado em um "duplo esfriamento" – a Coreia do Norte suspende os testes nucleares e lançamentos de mísseis balísticos, e os EUA suspendem os exercícios militares com Seul.

Mas o que parece estar realmente capturando a imaginação das duas Coreias é a ferrovia Transcoreana. Kim Chang-sik, presidente do desenvolvimento de ferrovias em Pyongyang disse: "Desenvolveremos ainda mais esse projeto a partir de negociações entre Rússia, Coreia do Norte e Coreia do Sul, de modo que os proprietários do projeto serão os países da Península Coreana."
Isso se conecta ao que disse o presidente sul-coreano Moon Jae-in há apenas três meses: "Tão logo a linha principal Trans-Coreana esteja construída, poderá ser conectada à Ferrovia Trans-Siberiana. Com isso, será possível entregar produtos da Coreia do Sul à Europa, o que será economicamente benéfico não só para as Coreias, do Sul e do Norte, mas também para a Rússia."

Compreenda a matryoshka

Ao contrário do que reza a histeria ocidental mal informada ou manipulada, os jogos de guerra em Vostok, na Trans-Baikal do Extremo Oriente da Rússia, incluindo 3 mil soldados chineses, são apenas uma parte da muito mais profunda complexa parceria estratégica Rússia-China. É feito uma matryoshka: o jogo de guerra é uma boneca dentro do jogo geoeconômico.

Em ‘China and Rússia: The New Rapprochement’ [China e Rússia: a nova reaproximação], Alexander Lukin, da Escola Superior de Economia da Universidade Nacional em Moscou, expõe em detalhes todo o mapa do caminho; a ampla parceria ainda em construção para toda a Eurásia, é parte de um conceito muito mais amplo e abrangente de "Eurásia Expandida" [ing. "Greater Eurasia"]. Esse é o âmago da ententeRússia-China, levando a o que o cientista político Sergey Karaganov chamou de "um espaço comum para cooperação econômica, logística e de informação, paz e segurança, de Xangai a Lisboa e de Nova Delhi a Murmansk."

Sem compreender o Grande Quadro que envolve debates como a reunião anual em Vladivostok, é impossível compreender o modo como a integração progressiva de ICE, UEE, OCX, ANSA, (B)RICS e (B)RICS Plus está orientada para mudar irreversivelmente o atual sistema-mundo.



* NOTA DOS TRADUTORES: Nessa tradução escreveremos "(B)RICS" – o Brasil entre parênteses –, para fazer lembrar que desde 2/12/2015 o Brasil vive sob golpe. Ninguém deve pressupor que, por estarem presentes a alguma reunião dos (B)RICS, autoridades brasileiras que lá apareçam tenham qualquer legítima representação democrática.
** Para conhecer o modo como a Índia, o 3º país (B)RICS, além de Rússia e China, reagiu CONTRA as agressões dos EUA à sua soberania, ver "Por que os EUA tanto insistem em se intrometer no relacionamento Índia-China?!", 4/9/2018, MK Bhadrakumar, Strategic Culture Foundation, traduzido no Blog do Alok. Artigo importante para compreender a extensão da vergonha à qual o golpe-2016 está expondo o Brasil [NTs].

COMENTÁRIO dos tradutores brasileiros:

Se se vê que

(1) nenhum grande país dos envolvidos nos grupamentos geopolíticos acima listados [ICE, UEE, OCX, ANSA, (B)RICS e (B)RICS Plus] aceitou, aceita, aceitaria ou aceitará sem qualquer resistência ou protesto ceder a própria soberania e ser convertido em estado vassalo subjugado dos EUA;** e que 

(2) o Brasil-do-golpe não apenas aceita o jugo, como parece suplicar por ele...

ENTENDE-SE MAIS FACILMENTE que:

(3) o golpe no Brasil tenha acontecido nesse momento; e que

(4) o golpe no Brasil esteja incluído – talvez, mesmo, seja o seu núcleo mais duro, hoje – no GGcDO (Grande Golpe contra a Democracia no Ocidente) que, a partir do 'Estado Profundo' dos EUA (complexo industrial militar dos EUA imperialistas, plus nazistas sionistas israelenses), está desgraçando o planeta nesse início do século 21.

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