Método Lava Jato se espalha pela América Latina contra governos progressistas

Especialistas apontam que o fenômeno, que marca a Argentina e o Brasil, traz prejuízos para a democracia e a cidadania


Ex-presidenta e atual senadora, Cristina Kirchner é alvo de investigações no caso que foi chamado pela imprensa de "Cadernos de Corrupção" - Créditos: Presidência da Argentina
Ex-presidenta e atual senadora, Cristina Kirchner é alvo de investigações no caso que foi chamado pela imprensa de "Cadernos de Corrupção" / Presidência da Argentina
Muito em voga nos últimos tempos, a judicialização da política, trazida à tona por meio da Operação Lava Jato, é tema corrente na mídia e gera inquietações na sociedade. Além disso, tem provocado intensas reflexões por parte de juristas e outros especialistas que acompanham os movimentos dos diferentes atores do chamado “sistema de Justiça”.
A expressão engloba membros do Ministério Público, da Defensoria Pública, advogados públicos e particulares, além dos magistrados nos diferentes níveis da Justiça. De forma mais ampla, policiais federais também podem ser considerados atores desse sistema.

Em suma, o processo de judicialização da política é caracterizado pela atuação do Poder Judiciário na decisão de grandes questões políticas, e essa questão não é uma exclusividade brasileira, como destaca o pesquisador Fábio Kerche, da Fundação Casa de Rui Barbosa. “Muitos países passam por isso. É que, na Lava Jato, a gente vê isso de uma maneira exacerbada. É uma hipertrofia do sistema de Justiça como um todo”, afirma.
O fenômeno tem se alastrado por países latino-americanos, como Argentina e Equador. Tomando como exemplo o caso argentino, recentemente, a ex-presidenta Cristina Kirchner, que atualmente é senadora, foi acusada de ter chefiado uma rede de propinas. A ex-mandatária foi alvo de mandados de busca e apreensão em alguns dos seus imóveis. A defesa nega as acusações e aponta a ocorrência de ilegalidades no processo jurídico. Todo o caso parte de anotações em um caderno feitas por um ex-motorista do governo, no que foi chamado de "Cadernos de Corrupção", nos quais estariam descritos supostos pagamentos de subornos.
Para analisar esse caso, bem como o do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, juristas e outros especialistas têm utilizado o termo lawfare. Isso quer dizer o uso abusivo das leis com o objetivo de atingir um personagem político. Para a pesquisadora Silvina Romano, do Centro Estratégico Latino-americano de Geopolítica (Celag), de Buenos Aires, tanto Lula quanto Cristina são exemplos emblemáticos dessa questão.
“Há uma similaridade com o desenvolvimento do caso de Lula, no sentido de que um setor do Poder Judiciário junto com os meios de comunicação se ocupa de tergiversar ou utilizar mal as ferramentas do Estado de direito para atuar contra uma pessoa para lhe denegrir e lhe tirar a popularidade, a presença pública”, relaciona Silvina Romano.
A professora destaca ainda que a perseguição política por via judicial teria objetivos que vão além da destruição da imagem de líderes progressistas. A iniciativa estaria voltada também às novas gerações. “É [para] amedrontar ou desencorajar os jovens de participarem da política. E, mais ainda, desencorajar os jovens de participarem da política em projetos que estejam dispostos a lutar contra o neoliberalismo”, aponta.
Ela ressalta que o problema tem graves consequências não só para a cidadania, já que distancia da política os setores da juventude, mas também, como efeito em cadeia, para o fortalecimento do sistema democrático. “Se os jovens são desencorajados para se projetarem como sujeitos, capazes de se envolverem em projetos comunitários, que mudem o sistema, quais serão os nossos líderes do futuro? Bom, serão os filhos de uma elite que não está disposta a nenhum tipo de mudança. Isso me parece muito grave”, afirma.
Brasil
Retomando o caso brasileiro, Fábio Kerche, da Fundação Casa de Rui Barbosa, aponta que o problema não é recente e começou a germinar nas últimas décadas. Ele explica que os motivos estariam relacionados, especialmente, à formatação da Constituição Federal de 1988. Entre outras coisas, a Carta Magna desvinculou o Ministério Público (MP) do Poder Executivo e deu autonomia ao órgão, que tem a atribuição de fiscalizar o cumprimento das leis.
A novidade veio atrelada à carência de instrumentos consistentes para fiscalizar a atuação dos membros do MP, representados por promotores e procuradores de Justiça.
Kerche analisa que, com pouco controle, tais atores adquiriram maior empoderamento durante os governos do PT, sob a justificativa de dar autonomia ao órgão. O período foi marcado por uma ampliação dos instrumentos de atuação do MP – e também da Polícia Federal –, além do aumento do poder de decisão desses órgãos.
O especialista destaca que o novo cenário fortaleceu ainda mais os atores do sistema de Justiça e teve como ápice a prisão do ex-presidente Lula (PT). “Quando você dá autonomia e discricionariedade pra atores que não prestam contas a ninguém, a gente fica um pouco à  mercê da decisão pessoal deles, que podem impor sua visão de mundo sem consultar ninguém e não são punidos por isso, o que é muito estranho do ponto de vista da democracia”, afirma.  
Edição: Vivian Fernandes

Comentários