Marcos Coimbra: Oferta e procura

O tempo de tevê e uma suposta capilaridade regional a partir das alianças partidárias há muito tempo não decidem eleições

por Marcos Coimbra - na Carta Capital - publicado 01/08/2018

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De que vale o tempo de tevê nas regras atuais?
Como aconteceu em momento semelhante de eleições passadas, a mídia anda cheia de notícias a respeito de um assunto que pouco interessa aos cidadãos comuns. Começaram as convenções partidárias e as cúpulas entraram em campo para finalizar as articulações para a eleição.
É um período que provoca efervescência nos profissionais do ramo e tédio no eleitorado, pois as espertezas, traições e tiradas de algibeira, típicas desta fase que termina em 5 de agosto, só atraem os políticos.
A semana foi pródiga em avaliações dos primeiros lances. Na mídia, Geraldo Alckmin, a opção predileta de 9 em cada 10 conservadores “sérios”, foi apresentado como seu principal beneficiário. Mas houve comentários do tipo “quem perdeu, quem ganhou”, tratando de todos os candidatos.

Em nosso sistema político, com regras esdrúxulas de organização partidária e acesso a recursos de campanha, é inevitável o vai e vem a que assistimos, especialmente no caso do Centrão, uma das evidências do monstrengo institucional criado no Brasil. Fabricado a várias mãos por Executivo, Legislativo e Judiciário, seu apogeu atual decorre da barafunda instalada com a deposição de Dilma Rousseff.
A adesão do Centrão a Alckmin quer dizer alguma coisa? Ciro Gomes perdeu para o tucano? Jair Bolsonaro, destino até há pouco imaginado desse apoio, foi derrotado? Marina Silva diminuiu? O PT está “isolado”?
A resposta mais provável a essas perguntas é igual: não. Nem Alckmin lucrou nada de significativo, nem Ciro, Bolsonaro ou Marina ficaram menores, nem o PT está sozinho.
Segundo o raciocínio de vários políticos e muitos jornalistas, essas movimentações afetam o quadro eleitoral por alterar as condições de oferta das candidaturas. Elas implicam maior ou menor acesso a tempo de propaganda eleitoral gratuita e a algo mal definido, mas em que muita gente parece acreditar, uma hipotética capilaridade, que asseguraria a presença física das campanhas perto dos eleitores, em especial nos “grotões” urbanos e rurais.
Alckmin, por esse raciocínio, teria agora mais tempo de televisão que os outros e se beneficiaria da influência de postulantes aos demais cargos filiados aos partidos que integram o Centrão, bem como de seus prefeitos e vereadores, que supostamente entrariam em campo para elegê-lo. Vice-versa, Ciro, Bolsonaro e Marina estariam mais frágeis.
Ninguém conseguiu, no entanto, comprovar que essa capilaridade tenha alguma vez sido relevante para eleger presidentes no Brasil moderno, como talvez fosse na época dos velhos coronéis. Nenhum dos candidatos vitoriosos em nossas eleições desde 1989 contou com ela ou precisou tê-la. Fernando Collor não dispunha de um exército de prefeitos e venceu uma eleição solteira.
Lula ganhou suas duas em coligações nas quais o PT era, a bem dizer, o único partido que contava. Naquelas de Fernando Henrique Cardoso e Dilma Rousseff, a eleição se resolveu por fatores que nada tinham a ver com a disponibilidade de cabos eleitorais locais. Sem o Plano Real ou o apoio de Lula, nenhum dos dois teria sido presidente.
Quanto ao caráter decisivo da televisão, talvez só restem dois grupos que insistem na tecla de que é nela que as eleições ainda são vencidas ou perdidas: os marqueteiros e os donos de emissoras, pela razão óbvia de que ganham com isso.
Tudo o que vimos nas últimas e estamos vendo nesta de 2018 sugere, ao contrário, que a influência da propaganda eleitoral propriamente dita (ou da manipulação de noticiário e programação para favorecer ou prejudicar candidatos) diminui a passos largos.
A mexida nas regras do jogo feita em 2017 só acelerou o processo. Com o encurtamento da campanha e a diminuição do horário gratuito, brigar por alguns segundos é perder tempo no enfrentamento do verdadeiro desafio: criar novos modos de comunicação com os eleitores, a maioria com identidades políticas consolidadas e vacinada contra a “marquetagem”.
Subjacente a esses equívocos está a suposição de que o problema de Alckmin, a inanição de sua candidatura, é de oferta, algo que se resolveria à medida que se tornasse mais conhecido. Dá-se o caso que não é. Nas pesquisas, o que se vê é que, entre quem diz conhecê-lo “bem” ou “mais ou menos”, o ex-governador paulista não chega a 10% das intenções de voto, atrás de Bolsonaro, Marina e Ciro, em lista sem Lula. Com Lula, permanece no mesmo quinto lugar que ocupa no conjunto do eleitorado.
A questão é de procura: Alckmin está mal nas pesquisas porque os eleitores não estão motivados por sua candidatura. Provavelmente, por razões conhecidas, entre elas a derrocada do PSDB iniciada no dia seguinte à eleição de 2014, confirmada por seu papel no golpe contra Dilma Rousseff e no apoio a Michel Temer e completada nos escândalos a envolver suas lideranças.
Se a vitória de Alckmin nas articulações recentes é duvidosa, também as derrotas de Ciro, Bolsonaro e Marina são questionáveis. É possível que os três possam assim se posicionar de maneira mais clara nos nichos do eleitorado propensos a apoiá-los, sem a incômoda companhia da turma do Centrão. Pelo modo como são percebidos pela população, essa perda talvez os fortaleça em nitidez e atratividade.
Cômicos, como sempre, foram os comentários acerca do “isolamento” do PT a esta altura das negociações interpartidárias. É claro que é bom para ele e para qualquer partido estar aliado a outros com densidade eleitoral e respeitabilidade. Mas, se há uma sigla que pode dispensar a convivência com ajuntamentos políticos como os que estão no mercado à cata de “arranjos”, é o PT. 

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