Nassif: Os cabeças de planilha e a proposta de tributação do spread bancário

.
por Luis Nassif - no GGN - 31/07/2018

Nos ilustres, a arrogância e a carteirada incomodam. Nos deslustrados, soam ridículas.
É o caso de Ana Carla Abrão, colunista do Estadão e sócia de uma consultoria, que resolveu discutir o tema da tributação dos spreads – que consta na carta de intenções do PT, divulgada na semana passada – com adjetivos fortes e raciocínio débil. É mais um caso exemplar da série “dê-me uma coluna que eu mudarei o mundo”, dessa nova enxurrada analistas de papel que ganham espaço pela mediocridade – ou seja, pela capacidade de atingir o leitor médio -, não pela excelência.
A famosíssima Ana Quem trata a proposta, exposta em uma entrevista de Fernando Haddad, como “Desconhecimento ou Desonestidade”. Assim, na bucha! Depois, faz questão de informar que Haddad tem mestrado em economia e ela tem doutorado. Alvíssaras!

 “Spread é tema complexo. Afirmo isso com base em experiência. Fiz meu doutorado em Economia com foco no assunto, pesquisei e trabalhei com o tema no Banco Central (BC) e atuei por mais de uma década – e em distintas posições – nas discussões e agendas de redução do spread bancário no Brasil. Mas não é necessário tanto para entender que a proposta petista erra duas vezes. Bastam bom senso e alguma pesquisa sobre o tema”.
Depois, recita os manuais do tema para lembrar que a análise do spread é sobre “questões vinculadas à avaliação de risco; à probabilidade de inadimplência; à qualidade da garantia e à capacidade de recuperação do crédito que definem se o spread de uma operação será maior ou menor do que da outra”.
E conclui que “o resultado desse discurso envernizado será, necessariamente, a redução da oferta de crédito, penalizando principalmente as pequenas empresas e a população de baixa renda, onde a assimetria de informação – e também o risco, são maiores”.
Louve-se a enorme sensibilidade social da especialista, em pensar nas pequenas empresas e na população de baixa renda. Mas é inacreditável uma pessoa que dedicou todo um doutorado ao tema exponha raciocínios tão primários.
O primeiro passo, para uma avaliação honesta, é identificar os diversos spreads cobrados pelo sistema bancário. No cálculo do spread médio entram os clientes prime, que sempre pagam um spread menor. Vamos ao último balanço do Banco Central analisando as taxas do Banco Itaú para pequenas empresas e população de baixa renda, que são alvo da benevolência de Ana Quem:
  • Cheque especial pré-fixado: 266,21% ao ano
  • Crédito pessoal: 72,7%
  • Cartão de crédito rotativo: 153%
É evidente que taxas nesses níveis são fatores centrais de inadimplência. E são cobradas de quem mais necessita.
Mas o que interessa é analisar a lógica do artigo.

O negócio do spread

A lógica precede o cálculo. Se parto de uma lógica torta, os resultados serão tortos.
Na lógica de Ana Quem entram apenas spread e avaliação de risco. Segundo ela, com mais tributação, haverá mais spread, mais risco e, por consequência, menos oferta de crédito.
Os fatores centrais de análise de uma carteira de crédito são os seguintes:
Resultado = (Carteira – Inadimplência) x Spread – IR
A redução do spread traz as seguintes como consequência redução da inadimplência e aumento da demanda.
- Spread -> - inadimplência, + demanda
Por outro lado, o aumento da oferta traz também um aumento dos resultados, mas, ao mesmo tempo, um aumento da inadimplência, já que a oferta se estenderá a clientes de maior risco.
+ Oferta -> + inadimplência; + resultado
Na fórmula campeã de Ana Quem, se o governo aumentar a tributação, os bancos aumentarão os spreads e reduzirão a oferta. Ou seja, terão que compensar nos spreads e redução da escala, a nova tributação e o aumento da inadimplência. Para onde iriam os spreads?
Na primeira e última tentativa de redução de spread, no governo Dilma, os bancos saíram desesperados atrás de clientes, para compensar na escala a perda de resultados. O oposto do que Ana Quem sugere.
Vamos a um pequeno exemplo numérico, sem pretensão de refletir os grandes números do setor bancário. Apenas para exemplificar os efeitos de cada estratégia no resultado final.

Situação de normalidade

Situação normal com tributação especial

Suponha que o novo governo introduza uma tributação de 35% sobre spreads mais altos. O resultado líquido cai de 13,9 para 9,0.
O banco tratará de compensar de alguma maneira.

Estratégia 1 – mesmo volume e mais spread.

Suponha que ele tente compensar no spread, mantendo o mesmo volume. Aumentando o spread, haverá um aumento na inadimplência. No meu exemplo, supus, moderadamente, um fator de 0,5. Ou seja, para cada ponto de aumento no spread, há um aumento de 0,5 ponto na inadimplência.
Para manter o mesmo lucro, em uma situação de normalidade o spread precisaria saltar para 24,3%, com a inadimplência pulando para 12,2%. A douta Ana Quem não incluiu na sua lógica as implicações políticas e econômicas desse salto no spread, ainda mais em um quadro de amplo endividamento como o atual.

Estratégia 2 – mais spread e menos oferta

Esse é o caminho que Ana Quem considera mais provável. Com menos oferta, o lucro terá que ser perseguido com mais spread ainda e, consequentemente, com mais inadimplência, que teria que ser compensada com mais spread. Para onde iria? No nosso exemplo, saltaria para 28%, com a inadimplência batendo em 13,8%.

Estratégia 3 – mesmo spread e mais oferta

Nesse caso, a oferta teria que aumentar em 54% para manter a mesma rentabilidade.

Estratégia 4 – mais oferta e menos spread.

Com o spread caindo para 10%, e fugindo da tributação adicional, a inadimplência cairia para 5%, não haveria a tributação adicional. Nesse caso, a manutenção do mesmo resultado seria alcançada com um aumento de 46% na oferta de crédito.

Os estudos sérios

A proposta apresentada pelo PT exigirá análises sérias, tanto do Banco Central quanto da banca, levando em conta todas as correlações e variáveis. Mais ainda, levando em conta os aspectos econômicos. Crédito é atividade regulada pelo Banco Central é o ponto central, em torno do qual as demais variáveis – emprego, nível de atividade, inadimplência – tem que se ajustar.
Não se faz discussão série com adjetivos fortes e raciocínios débeis.

Comentários