As explosões de Ciro Gomes e o direito à indignação, por Luis Nassif
Foto: Leo Canabarro |
O mínimo que se pode dizer de Ciro Gomes é que não tem papas na língua. Mas aos
que se escandalizam com alguns rompantes seus, é bom que se indaguem a razão de
não se escandalizarem com os motivos que provocaram as explosões.
Uma delas foi em uma entrevista que me concedeu, quando afirmou que se a Polícia
Federal invadisse sua casa, ele sendo inocente, seria recebida à bala.
Uma opinião midiática amorfa, bestificada, incapaz de enfrentar o monstro que criou,
escandalizou-se com a explosão, e se mantem impassível ante os abusos cometidos
por juízes, procuradores e policiais, invadindo os lares das pessoas, sob qualquer
pretexto.
XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem
consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou
para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial; (Vide Lei nº
13.105, de 2015) (Vigência)
Ora, determinação judicial não é um ato neutro, acima de qualquer julgamento. Há
que ser bem fundamentada. Ao poder absoluto de ordenar a invasão de um lar, tem
que se contrapor a exigência absoluta de que a medida seja bem fundamentada.
No direito penal, é considerado crime o mero fato de uma pessoa invadir o lar de
outra, nem que de lá nada leve. E para o juiz que autoriza invasões de domicílio sem
justa causa, nada acontece. Há uma banalização do arbítrio.
É o que vem ocorrendo com juízes abusando de suas prerrogativas, exagerando no
recurso da prisão cautelar, na autorização para a invasão de casas, sem que haja
razões fundamentadas para tal. Ou havia razão para se invadir a residência do reitor da
Universidade Federal de Santa Catarina ou da Universidade Federal de Minas Gerais e
humilhá-los, como foi feito?
Os tribunais superiores nada fazem. O Conselho Nacional de Justiça e o Conselho
Nacional do Ministério Público menos ainda. No Congresso, um grupo de
parlamentares suspeitos e atemorizados não permite avançar uma lei que puna
abusos de autoridade.
Restam o quê? As explosões de indignação, ainda que retóricas.
Essa é a pior consequência da falta de respeito aos direitos, de limites à atuação
individual dos juízes, procuradores e delegados de polícia.
As Associações de Classe pouco se importam com os abusos individuais, que afetam
toda a corporação. Só sabem se manifestar burocraticamente em solidariedade aos
membros que incorrem nesses abusos.
O mesmo ocorre nesse segundo episódio, em que uma procuradora estadual de São
Paulo denunciou Ciro por “ofensa racial”, por ter taxado de “capitão do mato” um
vereador presunçoso, que nada faz em defesa das pessoas da sua cor.
É evidente quem a decisão da procuradora teve intuito meramente político. Interfere
nas eleições, ao criminalizar uma crítica que não é racista, participa indevidamente do
jogo político – e o MP, hoje em dia, está coalhado de seguidores do MBL – e nada
acontece. Se nada acontece, a não ser a defesa corporativa do MPE de São Paulo,
quem irá conter os abusos?
Ao afirmar que ninguém pode se considerar acima da Constituição, o que Ciro
anunciou foi a intenção de, eleito presidente, aprovar leis que coíbam os abusos.
Será uma medida benvinda, em defesa do futuro da autonomia de juízes,
procuradores e delegados, cujas corporações não conseguem sequer exigir dos seus
membros o básico: respeito ao poder do qual foram investidor.
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