Todos os golpes da CIA são o mesmo golpe “Por que não nos agradecem?”

ORIENTE mídia - 16/06/2018

Ver a imagem de origem21/6/2012, Pankaj Mishra, London Review of Books, vol. 34, n.12, pp. 19-20 (traduzido em 15/6/2018)

Resenha de
Christopher DE BELLAIGUE, Patriot of Persia: Muhammad Mossadegh and a Very British Coup, [Patriota da Pérsia: Muhammad Mossadegh e um golpe muito britânico], Bodley Head, 310 pp, fev.2012, ISBN 978 1 84792 108 6
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“O crescente sentimento antibritânico finalmente levou o xá Muhammad Reza a nomear Mossadegh primeiro-ministro no início de 1951. (…) Mossadegh (…) tratou rapidamente de nacionalizar a indústria do petróleo. Dezenas de milhares ocuparam as ruas para saudar os funcionários mandados de Teerã para assumir o comando das instalações britânicas de petróleo em Abadan, beijando os carros cobertos de poeira (…). O embaixador dos EUA relatou que Mossadegh tinha o apoio de 95% da população(…)”
[Três anos depois] Ao festejar a visita oficial do xá aos EUA em 1954, o Times exultava: ‘Hoje Mossadegh está onde tem de estar – na cadeia. E o petróleo volta a correr para os livres mercados do mundo’.”
“‘Não somos liberais como Allende e Mossadegh [dentre taaaaaantos outros & outras, né-não?! (NTs)], que a CIA derruba quando quer’ – disse o aiatolá Ali Khamenei, hoje supremo líder do Irã, durante a crise dos reféns em 1979. Até hoje [o artigo é de 2012, mas vale para junho de 2018] a história mostra que Khamenei sabe do que fala.”

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Em 1890, um ativista muçulmano itinerante de nome Jamal al-din al-Afghani estava no Irã, quando o então governante Naser al-Din Shah Qajar, entregou uma concessão de tabaco a um empresário britânico, G.F. Talbot, que, na prática, lhe garantia um monopólio de compra, venda e exportação. Al-Afghani chamou a atenção, sob um coro de aprovação de intelectuais seculares e também de comerciantes conservadores, que os plantadores de tabaco ficariam à mercê de infiéis, e a sobrevivência dos pequenos distribuidores, destruída. Organizou grupos de pressão em Teerã – inovação política até então desconhecida no país – que enviaram cartas anônimas a funcionários e distribuíram panfletos e cartazes conclamando os iranianos a se revoltarem. Na primavera seguinte, eclodiram protestos furiosos nas principais cidades. Ajudados pelo telégrafo, então recém introduzido no país, os manifestantes reunidos no Protesto do Tabaco – como se tornou conhecido – foram tão cuidadosamente coordenados como novamente o seriam na Revolução Islâmica de Khomeini cem anos depois, quando fitas-cassetes fizeram o papel do telégrafo e as mulheres participaram em grande número.
Al-Afghani também escreveu ao Aiatolá Mirza Hassan Shirazi em Najaf, dando ao clérigo xiita e imensamente influente embora apolítico, uma precoce lição sobre os ‘ajustes estruturais’ que os financistas ocidentais viriam a aplicar aos países pobres: ‘O que os fará compreender o que é o Banco?’ – perguntava ele. – ‘Significa entregar completamente as rédeas do governo ao inimigo do Islã, a escravização do povo àquele inimigo, a rendição do povo e de todo domínio e autoridade, entregue ao inimigo estrangeiro” É possível que Al-Afghani tenha exagerado. Mas ele sabia, de suas experiências na Índia e no Egito, o quão rapidamente comerciantes e banqueiros ocidentais aparentemente inócuos podem converter-se em diplomatas e em soldados. O xá, imprestável, já havia cedido a relativa imunidade do Irã aos imperialistas informais europeus. Em 1872, com o país já exaurido de capitais e padecendo sob o peso de massivo déficit no orçamento, cedera um monopólio para construção de ferrovias, estradas, fábricas, barragens e minas a outro cidadão britânico, o Barão [Paul Julius von] Reuter (fundador da agência de notícias de mesmo nome). Até Lord Curzon surpreendeu-se vinte anos depois, quando soube dos termos do negócio, e descreveu-o como ‘a mais completa rendição de todos os recursos de um reino que se entrega a mãos estrangeiras, com que alguém algum dia sonhou, nem com muito menos do que isso, em toda a história’. Protestos da Rússia, vizinha do Irã e grande rival dos britânicos na região, fizeram naufragar essa específica negociata; mas Reuter tinha outros ferros no fogo.
Feita apenas oito anos depois de os britânicos terem ocupado o Egito, a concessão-dádiva do tabaco pareceu obscena a al-Afghani. Expulso do Irã pelo xá, ele sustentou uma barragem de cartas endereçadas a todos os mais influentes clérigos xiitas nas cidades sagradas da Mesopotâmia, pedindo que saíssem eles também da apatia em que viviam e se erguessem contra o xá. Pouco meses depois, Shirazi escreveu sua primeira carta sobre tema político ao xá, denunciando bancos estrangeiros e o poder crescente que estavam adquirindo sobre a população muçulmana, e as concessões comerciais feitas a europeus. O xá, desesperado para manter a seu favor o corpo de clérigos, estudiosos do Islã e homens santos [orig. ulema], enviou intermediários para negociar com Shirazi. Em vez de ceder, o clérigo emitiu uma fatwa que declarava anti-islâmico o hábito de fumar, até que o monopólio fosse cancelado. Foi espantosamente bem-sucedido – até o palácio do xá tornou-se área sem fumo. Finalmente, o xá capitulou a uma aliança de intelectuais, clericato e comerciantes nativos e, em janeiro de 1892, cancelou a concessão do tabaco.
Nessa época, Muhammad Mossadegh era o muito precoce filho de nove anos de um alto funcionário que trabalhava para o xá. Homa Katouzian, seu biógrafo anterior em inglês, atribui a consistente oposição de Mossadegh a ‘qualquer tipo de concessão a qualquer potência estrangeira’ à impressão profunda que lhe causara a fúria popular contra os enclaves europeus que visavam a minar a soberania do Irã. Mossadegh, cuja família pertencia à nobreza e que ainda menino recebeu o título de mussadiq al-saltaneh, ‘garantidor da monarquia’, foi um bem improvável líder da transição do Irã, de monarquia dinástica, para a política de massas. Mas cresceu em tempos de agitação política sem precedentes em toda a Ásia.
Intelectuais e ativistas asiáticos começaram a desafiar o poder arbitrário dos imperialistas ocidentais e seus aliados nativos no final do século 19. A primeira geração incluiu polemistas como al-Afghani, que congregou em volta dele jovens anti-imperialistas cheios de energia, mas desorganizados, em Cabul, Istanbul, Cairo r Teerã. A geração seguinte produziu homens como Mossadegh, que sabiam da vida no ocidente ou foram educados em instituições de estilo ocidental e eram mais bem equipados para oferecer aos compatriotas, cada vez mais mobilizados, uma ideologia e uma política coerentes de nacionalismo e anticolonialismo.
Na biografia politicamente astuta que Christopher de Bellaigue construiu, Mossadegh não é o ‘velho bruxo tolo’ e ‘Scheherazade birrento’ de incontáveis memórias e matérias jornalísticas anglo-norte-americanas, mas membro ‘daquela geração de asiáticos educados à ocidental que voltaram para casa com bigodes elegantemente aparados, para vender liberdade aos seus compatriotas’: ‘Apaixonados pela mesma amante, A Pátria, esses turcos, árabes, persas e indianos vieram a liderar movimentos anticoloniais que transformaram o mapa do mundo.’ Mossadegh tinha mentalidade mais democratizante que Atatürk, por exemplo: de Bellaigue o chama de ‘primeiro líder liberal do Oriente Médio moderno’ – sua ‘concepção de liberdade era tão sofisticada quanto qualquer outra na Europa ou nos EUA’. Mas foi menos bem-sucedido que seus heróis, Gandhi e Nehru; estava chegando aos 70 anos, hipocondríaco, quando afinal se tornou primeiro-ministro do Irã em 1951.
Teve a má sorte de ser liberal-democrata num momento em que, como Nehru observou, com os canhões dos navios britânicos ditando o rumo da política egípcia, ‘democracia, para país oriental, parecia significar uma única coisa: levar adiante os planos e ordens do poder imperialista reinante.’ Embora mais focados e mais cheios de recursos que al-Afghani, liberais moderados como Mossadegh frequentemente se tornavam presas fáceis para as trapaças imperialistas. Jamais tiveram senão um poucos aliados simbólicos no ocidente e, em casa, eram desprezados pelos linhas-duras que, adiante, assumiram a tarefa pós-colonial de construir dignidade e força nacionais. Khomeini, para citar um nome, sempre falou com desdém do fracasso de Mossadegh, que não soube proteger o Irã contra o ocidente.
Iranianos liberais e iranianos radicais citam vários casos em que o país foi humilhado pelo ocidente no século 19, quando era dominado por britânicos e russos. Os eventos do início do século 20 minaram ainda mais a autonomia política, num momento em que as instituições políticas estavam sendo liberalizadas (resultado da Revolução Constitucionalista de 1905-7, fora criado um Parlamento). Na 1ª Guerra Mundial, Grã-Bretanha e Rússia primeiro ocuparam e depois dividiram o país, para manter longe os exércitos otomano-alemães. O fim da guerra não trouxe qualquer alívio. O Exército Vermelho ameaçava pelo note e os britânicos, já fracionando os territórios do Império Otomano, viram uma chance para anexar o Irã. Lord Curzon, então secretário do Exterior e crente convicto, nas palavras de Harold Nicolson, de que ‘Deus em pessoa escolhera a elite britânica como instrumento da Divina Providência’, montou um acordo anglo-persa que praticamente destruiu quase completamente a soberania do Irã.
Diz-se que Mossadegh chorou ao saber do acordo. Em desespero, decidiu viver o resto da vida na Europa. Como depois se viu, Curzon, que jamais soube interpretar corretamente o ânimo nativo, avaliou mal o sentimento iraniano. O acordo foi denunciado; membros pró-britânicos do parlamento iraniano, Majlis, foram fisicamente atacados. Ante tal oposição, Curzon fincou pé: ‘Essa gente tem de aprender custe a eles o que custar, que não podem prosseguir sem nós. Pouco me importa se tiver de esfregar o nariz deles na poeira.’ Apesar da teimosia de Curzon, a revolta iraniana realmente enterrou o acordo anglo-persa. Mas já havia outro arranjo desigual que amarrava o Irã à Grã-Bretanha.
Presciente, comprando ações do governo na empresa de petróleo anglo-persa Anglo-Persian Oil Company (APOC) in 1913, Winston Churchill já dera jeito de assegurar que 84% dos lucros da empresa viajassem diretamente para a Grã-Bretanha. Em 1933, Reza Khan, um soldado autodidata que aproveitara o caos do pós-guerra para abocanhar o poder e fundar uma nova dinastia governante (para grande desgosto de Mossadegh), já negociara novo acordo com a APOC, impressionantemente parecido com o primeiro. Durante a 2ª Guerra Mundial, tropas britânicas e russas novamente ocuparam o país, e os britânicos trocaram o xá reinante, afobadamente pró-nazistas, pelo filho dele, Muhammad Reza.
Naqueles anos, a política britânica era dominada pelo que Bellaigue chama, sem exagero, de ‘profundo desprezo pela Pérsia e seu povo’ – o que serviu de faísca, não só para o moderno nacionalismo iraniano, mas, também, pela suspeita, que parece inafastável, de que a Grã-Bretanha sempre será ‘força maligna’. Quando em 1978 o xá chamou Khomeini de agente britânico, usou a expressão como ofensa grave; o ataque acabou saindo-lhe pela culatra, porque marcou o início do primeiro dos movimentos de massa contra seu reinado. APOC, já rebatizada como Anglo-Iranian Oil Company em 1935, gerou gordos lucros de $3 bilhões entre 1913 e 1951, mas apenas $624 milhões permaneceram no Irã. Em 1947, o governo britânico recebeu £15 milhões em impostos só sobre os lucros da empresa, enquanto o governo do Irã ficou com metade dessa soma, em royalties. A empresa também excluiu iranianos da administração e impediu que Teerã examinasse as contas.
O crescente sentimento antibritânico finalmente levou o xá Muhammad Reza a nomear Mossadegh como primeiro-ministro no início de 1951. Os nacionalistas iranianos, então, já reuniam partidos secularistas e partidos religiosos e partidos da esquerda comunista e não comunista. Mossadegh, que, como escreve de Bellaigue, ‘era o primeiro e único estadista iraniano a comandar todos os ramos nacionalistas’, tratou rapidamente de nacionalizar a indústria do petróleo. Dezenas de milhares ocuparam as ruas para saudar os funcionários mandados de Teerã para assumir o comando das instalações britânicas de petróleo em Abadan, beijando os carros cobertos de poeira – um dos quais pertencia a Mehdi Bazargan, que adiante seria o primeiro primeiro-ministro da República Islâmica do Irã. O embaixador dos EUA relatou que Mossadegh tinha o apoio de 95% da população; e o xá contou ao diplomata Averell Harriman que não se atrevera a dizer uma palavra em público contra a nacionalização. Mossadegh sentiu-se conduzido nas asas da história. ‘Centenas de milhões de asiáticos, depois de séculos de exploração colonial, ganharam afinal a liberdade e a independência’ – disse ele na ONU em outubro de 1951: os europeus reconheceram os clamores por soberania e dignidade nacional da Índia, da Indonésia, do Paquistão. – Por que continuaram a ignorar o Irã?
Foi apoiado por uma ampla coalizão de novos países asiáticos. Até o delegado de Taiwan, que ganhou lugar na ONU à custa da República Popular da China de Mao, lembrou aos britânicos que ‘longe vão os dias quando o controle da indústria iraniana de petróleo podia ser partilhado com empresas estrangeiras.’ Outros regimes pós-coloniais nacionalizariam em pouco tempo as respectivas indústrias nacionais do petróleo, adquirindo assim o controle sobre os preços internacionais e expondo as economias ocidentais a choques graves. Mas os britânicos, enraivecidos pela impertinência de Mossadegh e desesperadamente carentes de retorno do que era o maior investimento dos britânicos no além mar, nada viam e nada ouviam.
A Grã-Bretanha já não podia sustentar o próprio império, mas, como de Bellaigue destaca, em muitos locais, ‘particularmente no Irã, homens de bochechas rosadas andavam de casaca, de um lado para o outro, como se nada estivesse acontecendo’. Muitos deles estavam na diretoria da Anglo-Iranian Oil Company – e, como um deles confessou, estavam ‘desamparados, ansiosos, sem qualquer ideia comum a todos, confusos, sem perspectiva, cegos’. Ainda convencidos de que ‘tinham prestado enorme favor aos iranianos por encontrar e extrair petróleo’, os britânicos rejeitaram uma proposta, apoiada pelos EUA, de que os lucros fossem partilhados igualmente, e lançaram um bloqueio devastadoramente efetivo contra a economia iraniana. ‘Se nos curvamos a Teerã, amanhã nos curvamos a Bagdá’ disse o Express, com lógica Curzoniana.
O retorno de Churchill a Downing Street em 1951, empoderou ainda mais os neoimperialistas: o Daily Mail exortava o governo a ‘fazer alguma coisa antes que a podridão se dissemine ainda mais’. Rapidamente cresceu um consenso anti-Mossadegh, mesmo entre os liberais. Em 1891, al-Afghani desafiara a imagem criada por Reuter, de iranianos lutando por soberania como fanáticos religiosos, suspeitando que houvesse alguma relação com interesses comerciais britânicos no Irã. Em 1951, o Observer de David Astor não protegia menos os interesses britânicos ao apresentar Mossadegh como ‘fanático’ e ‘trágico Frankenstein … obcecado com uma única ideia xenofóbica’.
‘Havia preocupação em todo o mundo branco’, escreve de Bellaigue, ante o ‘show de maus modos orientais de Mossadegh’. O departamento de Relações Exteriores da Grã-Bretanha, Foreign Office iniciou uma campanha para persuadir o público dos EUA da correção da causa britânica, e a imprensa dos EUA rapidamente aderiu. O New York Timese o Wall Street Journal compararam Mossadegh a Hitler, ainda que seu populismo ocasionalmente autoritário tivesse de enfrentar um parlamento dividido e uma crescente oposição interna formada de comerciantes, proprietários de terra, saudosos da realeza, militares e clérigos de direita (alguns dos quais garantiriam a entrada de que careciam os aventureiros da CIA e do MI6). Em The US Press and Iran: Foreign Policy and the Journalism of Deference [Imprensa nos EUA e o Irã: Política Exterior e o jornalismo de deferência] (1988), William Dorman e Mansour Farhang mostram que nenhum grande jornal nos EUA sequer algum dia noticiou as manifestações dos iranianos contra a AIOC. Em vez disso, o Washington Post dizia que o povo do Irã não era capaz de sentir ‘gratidão’.
Rememorando aqueles tempos, com remorso tardio, o correspondente do New York Times em Teerã, Kennett Love, descreveu Mossadegh posteriormente como ‘homem razoável’, atuando sob ‘pressões nada razoáveis’. Mas o próprio Love foi sutilmente coagido a acompanhar os que chamou de seus ‘editores obtusamente pró-establishment‘ em New York, e a colaborar com a embaixada dos EUA.
Tendo proclamado o ‘Século Norte-americano’, o Time de Henry Luce assumiu interesse direto no Irã rico em mercadorias, argumentando  que os ‘russos podem intervir, passar a mão no petróleo e até disparar a 3ª Guerra Mundial’.
Já decididos a derrubar Mossadegh, os britânicos não tardaram a explorar a crescente obsessão dos EUA com o expansionismo soviético: o Irã seria como um teste de como ‘desqualificar’ o nacionalismo asiático associando-o ao comunismo. Encontraram audiência receptiva nos irmãos Dulles, o secretário de Estado e o diretor da CIA no novo governo de Eisenhower em 1953.
Apoiado em fontes persas, de Bellaigue apresenta relato bem informado da “Operação Ajax” – o golpe de CIA/MI6 que derrubou o governo de Mossadegh e impôs o Xá Reza Pahlavi como todo-poderoso governante do Irã em agosto de 1953.
A história da destruição, por forças anglo-norte-americanas, das esperanças do Irã de estabelecer-se como moderno estado liberal já foi contada várias vezes, mas a mensagem de 1953 ainda não parece ter sido absorvida. Ainda em 1964, Richard Cottam, adido político na embaixada dos EUA nos anos 1950s e depois professor especialista em Irã, alertava que as ‘distorções’ distribuídas pela imprensa e por acadêmicos relacionadas à era Mossadegh beiraram o ‘grotesco, e até hoje parece que praticamente não há qualquer esperança de alguma política exterior norte-americana sofisticada para o Irã.’ (Cottan teria acrescentado ‘ou para todo o Oriente Médio’.) O New York Times resumiu o clima neoimperial de imediatamente depois do golpe: ‘Países subdesenvolvidos ricos em recursos têm agora lição bem concreta do alto preço que terá de pagar qualquer deles que se deixe tomar por nacionalismo fanático.’
Apesar de ter sido informado repetidas vezes por Kennett Love, o Times nunca fez qualquer referência ao papel central que teve a CIA na derrubada de Mossadegh – e foi a primeira grande operação da Guerra Fria, da então desconhecida agência.
Ao festejar a visita oficial do xá aos EUA em 1954, o Times exultava: ‘Hoje Mossadegh está onde tem de estar – na cadeia. E o petróleo volta a correr para os livres mercados do mundo.’ O Irã, prosseguia o jornal, caminha ‘rumo a novos e auspiciosos horizontes’.
A imprensa norte-americana, que começara a denunciar Mossadegh como o Führeriraniano, aplaudia agora os esquemas de modernização faraônica do xá. Foi pelo menos em parte resultado da prodigalidade com que recebeu os barões da mídia norte-americana, dentre os quais, segundo lista que os revolucionários divulgaram em 1979, estavam Walter Cronkite, Barbara Walters, Peter Jennings e Mrs. Arthur Sulzberger.
Reforçado por esse apoio, o antes tímido xá começou a exibir sintomas da síndrome que al-Afghani já identificava em um de seus predecessores: ‘Por bizarro que pareça, fato é que, cada vez que o xá voltava de uma de suas visitas à Europa, aumentava a crueldade e a tirania contra o próprio povo.’ Com certeza a imprensa norte-americana não tinha tempo a perder com opiniões de iranianos comuns, para quem, como de Bellaigue destaca, os EUA, em 1953, já se haviam tornado ‘quase do dia para a noite’, cúmplices do xá na injustiça e na opressão’.
Empresas norte-americanas ganharam fatia de 40% da produção de petróleo depois da derrubada de Mossadegh, e no início dos anos 1960s, intelectuais iranianos, muitos dos quais forçados ao exílio, já começavam a examinar – como Jalal al-e Ahmad escreveu em Gharbzadegi [ocidentoxificação? ocidentose?] (traduzido imperfeitamente como Weststruckness) – como foram completamente ignorados enquanto outras pessoas mudaram-se ‘indo e vindo para nosso meio, até que acordamos, para ver cada torre de petróleo como um espinho empalando a terra’.
A hostilidade iraniana contra os EUA cresceu, com os negócios entre a CIA e os carrascos e torturadores da polícia secreta do xá. Até irromper em 1979, chocando políticos e a opinião pública norte-americana, que buscavam interpretar os eventos revolucionários em interpretações do ‘Islã’ – exatamente como fizeram depois de 11/9.
Não tinham como compreender que, como acontecera no Protesto do Tabaco de 1891 e no levante nacionalista que levou Mossadegh ao poder, brotara uma ampla coalizão iraniana contra o xá e seus aliados estrangeiros. De fato, nos primeiros dias da revolução, Mossadeghistas como Bazargan pareciam tão fortes quanto seus aliados socialistas e islamistas. Foram Jimmy Carter, ao oferecer asilo ao xá em 1979, e o ataque de retaliação contra a embaixada dos EUA em Teerã, que fizeram pender a balança a favor dos revolucionários islamistas.
O assalto brutal por Saddam Hussein, oito anos contra o Irã, cinicamente auxiliado pelos EUA, entrincheirou os republicanos islamistas, e inflaram a imagem popular do Grande Satã. Sempre pressionados, reformadores liberalizantes em torno de Mohammad Khatami foram ainda mais enfraquecidos pela repentina inclusão do Irã, por George W. Bush, no seu ‘eixo do mal’. Desde então, as invasões e ocupações norte-americanas só confirmaram a percepção, predominante no Irã, de que o ocidente é pateticamente incompetente e culpado do que Khomeini chamou de istikbar i jahani (‘arrogância global’).
Guerra entre Irã e os EUA jamais pareceu mais provável que em meses recentes, com políticos e jornalistas norte-americanos caninamente reforçando as provocações de Binyamin Netanyahu. Há poucos indícios na grande imprensa britânica ou norte-americana de que alguém esteja prestando atenção ao livro de de Bellaigue e a outros escritos sobre o Irã. Recente resenha publicada no Guardian do trabalho de Bellaigue dizia que o xá ‘trouxe ao Irã prosperidade e segurança que o país não tinha desde o século 17’. (…)
Verdade é que os iranianos podem ver muito vivamente a hipocrisia dos EUA sempre em apoio a Israel, o único país em todo o Oriente Médio que mantém arsenal atômico. Sabem também que os EUA firmaram acordo nuclear com a Índia, recentemente, em 2005. Atacar o direito do Irã de manter seu programa nuclear aprofunda as divisões políticas dentro do país. Todos os ocidentais que sonham com ‘mudar regimes’ pelo mundo permanecem cegos à potente persistência do nacionalismo iraniano. (…).
‘Não somos liberais como Allende e Mossadegh [dentre taaaaaantos outros& outras, né-não?! (NTs)], que a CIA derruba quando quer’ – disse o aiatolá Ali Khamenei, hoje supremo líder do Irã, durante a crise dos reféns em 1979. Até hoje [o artigo é de 2012, mas vale para junho de 2018], a história mostra que Khamenei sabe do que fala.

Traduzido por Vila Vudu

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