Thierry Meyssan: A Alemanha e a Síria

 | DAMASCO (SÍRIA)  
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Em Janeiro de 2015, uma marcha pela tolerância juntava em Berlim responsáveis políticos alemães e líderes muçulmanos em reacção ao atentado contra o Charlie Hebdo, em Paris. A Srª Merkel desfilou de braços dobrados, entrelaçados com Aiman Mazyek, Secretário geral do Conselho central dos muçulmanos. Muito embora finja ter rompido com os Irmãos Muçulmanos, e tenha um discurso aberto, o Sr. Mazyek alberga no seio da sua organização a Milli Gorus (a organização supremacista de Recep Tayyip Erdoğan) e os Irmãos Muçulmanos (a matriz das organizações jiadistas, então presidida mundialmente por Mahmoud Ezzat, ex-braço direito de Sayyid Qutb).
Historicamente, a Alemanha teve excelentes relações com o Império Otomano no início do século XX. O Kaiser Guilherme II, que tinha fascínio pelo Islão, prosseguiu escavações arqueológicas, nomeadamente em Baalbeck, e participou na construção dos primeiros caminhos de ferro (estradas de ferro-br), entre os quais o de Damasco-Medina. O Reich e a Sublime Porta enfrentaram juntos os Britânicos quando estes montaram a «Grande Revolta Árabe» de 1915, depois perderam a Primeira Guerra Mundial e, por consequência, foram excluídos da região (Acordos Sykes-Picot-Sazonov).

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Em 1953, o Presidente Eisenhower recebe uma delegação dos Irmãos Muçulmanos chefiada por Saïd Ramadan. Os Estados Unidos passam assim a apoiar o islão político no estrangeiro.
Durante a Guerra Fria, a CIA recuperou alguns dos melhores oficiais nazis para prosseguir a sua luta contra a URSS. Entre eles Gerhard von Mende, o qual recrutara muçulmanos soviéticos contra Moscovo [1]. Esse alto funcionário instalou em Munique, em 1953, o chefe dos Irmãos Muçulmanos fora do Egipto, Saïd Ramadan [2].
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Alois Brunner, considerado como responsável pela deportação de 130 000 judeus, foi colocado pela CIA em Damasco, em 1954, para evitar que o regime do Presidente Choukri al-Kouatli fizesse aliança com os Soviéticos.
No mesmo período, a CIA envia —sob cobertura— oficiais nazis um pouco por todo o mundo para lutar contra os pró-Soviéticos. Por exemplo, Otto Skorzeny para o Egipto, Fazlollah Zahedi para o Irão e Alois Brunner [3] para a Síria. Todos eles organizam os serviços secretos locais dentro do modelo da Gestapo. Brunner só será afastado muito mais tarde, em 2000, pelo Presidente Bachar al-Assad.
No período que vai da revolução khomeinista de 1979 até aos atentados de 11 de Setembro de 2001, a Alemanha Ocidental mostra-se prudente com a Irmandade. No entanto, a pedido da CIA e quando a Síria reconhece a Alemanha Oriental, ela concorda em dar asilo político aos putschistas que tentaram o golpe de Estado de 1982 contra o Presidente Hafez al-Assad, entre os quais o antigo Guia Supremo, Issam al-Attar (irmão do Vice-presidente sírio Najah el-Attar). Nos anos 90, a Irmandade reorganiza-se na Alemanha com a ajuda de dois homens de negócios, o Sírio Ali Ghaleb Himmat e o Egípcio Youssef Nada, que serão ulteriormente acusados por Washington de financiar Osama bin Laden.
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Durante muitos anos, o académico alemão Volker Perthes participou ao lado da CIA na preparação da guerra contra a Síria. Ele dirige o mais poderoso “think- tank” europeu, o Stiftung Wissenschaft und Politik (SWP) e assiste, em nome da OTAN, às negociações de Genebra.
Quando os Estados Unidos abrem a «guerra sem fim» no «Médio-Oriente Alargado», a CIA encoraja a Alemanha reunificada a lançar um «Diálogo com o mundo muçulmano». Em Berlim, o Ministério dos Negócios Estrangeiros (Relações Exteriores-br) apoia-se, para isso, sobretudo no novo chefe local da Irmandade, Ibrahim el-Zayat, e num especialista, Volker Perthes. Este último irá tornar-se o Director do principal “think-tank” federal, a Fundação para a Ciência e a Política (SWP).
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Detlev Mehlis acusou, em nome da OTAN, os Presidentes libanês e sírio, Émile Lahoud e Bachar al-Assad, de terem mandado assassinar Rafic Hariri. O seu trabalho baseava-se em falsos testemunhos cuja revelação o forçou à demissão.
Em 2005, a Alemanha participa no assassinato de Rafic Hariri ao fornecer a arma que será utilizada para o matar (não se trata, evidentemente, de um explosivo clássico contrariamente à propaganda do «Tribunal» especial) [4]. Em seguida, a Alemanha providencia o Chefe da Missão de inquérito da ONU, o antigo Procurador Detlev Mehlis [5], e o seu adjunto, o antigo Comissário de polícia Gerhard Lehmann, que se encontra implicado no escândalo das prisões secretas da CIA.
Em 2008, enquanto a CIA prepara a «guerra civil» síria, Volker Perthes é convidado pela OTAN para a reunião anual do Grupo de Bilderberg. Ele participa nela juntamente com uma funcionária síria da CIA, Bassma Kodmani. Em conjunto, eles mostram aos participantes como será do maior interesse para o Ocidente derrubar a República Árabe Síria e colocar os Irmãos Muçulmanos no Poder. Tendo adoptado a dúplice linguagem da Irmandade, ele escreve, em 2011, um artigo de opinião no New York Times para ridicularizar o Presidente Assad que acredita vislumbrar um «complô» contra o seu país [6]. Em Outubro do mesmo ano, participa numa reunião do patronato turco organizada pela agência privada de informações dos EUA, Stratfor. Ele mostra aos seus interlocutores os recursos petrolíferos e gazísticos a que eles poderão deitar a mão na Síria [7].
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Clemens von Goetze (Director do 3º Departamento do Ministério alemão dos Negócios Estrangeiros) e Anwar Mohammad Gargash (Ministro emiradense dos Negócios Estrangeiros), durante a reunião do Grupo de trabalho para o retalhar da economia síria em Abu Dhabi.
Expandindo esta acção, a Alemanha organizou, em Abu Dabi, uma reunião dos “Amigos da Síria” sob a presidência de um dos seus diplomatas, Clemens von Goetze. Este repartiu, entre os presentes, as futuras concessões de exploração que seriam atribuídas aos vencedores quando a OTAN tivesse derrubado a República Árabe Síria [8].
A meio de 2012, Volker Perthes é encarregue pelo Departamento de Defesa dos EUA de preparar «o Dia seguinte» (ou seja, o governo que será imposto à Síria). Ele organiza reuniões no Ministério dos Negócios Estrangeiros com a participação de 45 personalidades sírias, entre as quais a sua amiga Bassma Kodmani e o “Irmão” Radwan Ziadeh, vindo especialmente de Washington [9]. Por fim, Perthes torna-se um dos conselheiros de Jeffrey Feltman nas Nações Unidas. A este título, ele participa em todas as negociações de Genebra.
As posições do Ministério dos Negócios Estrangeiros alemão são retomadas, ponto por ponto, pelo Serviço Europeu para a Ação Externa (SEAE) de Federica Mogherini. Esta administração, dirigida por um alto funcionário francês, redige notas confidenciais sobre a Síria para os Chefes de Estado e de Governo da União.
Em 2015, a Chancelerina Angela Merkel e o Presidente turco, Recep Tayyip Erdoğan, tornado protector mundial dos Irmãos Muçulmanos, organizam a transferência de mais de um milhão de pessoas para a Alemanha. [10], conforme o pedido do patronato da indústria alemã. Grande número destes migrantes são Sírios, que o AKP não quer mais em casa e os quais a Alemanha deseja evitar que regressem ao seu país.
Esta semana, a chancelerina Angela Merkel estará em Beirute e em Amã para tratar da Síria.
Tradução
Alva
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[1] A CIA de Allan Dulles colocou antigos responsáveis nazistas como supervisores de quase todos os Serviços Secretos dos Estados aliados, nos cinco continentes. Esse sistema foi desmantelado nos anos 70, após as revelações de Comissões do Congresso Church e Pike. Todos os responsáveis nazistas foram expulsos pelo Presidente Carter e o Almirante Stanfield Turner, no final dos anos 70. Os Europeus acreditam erroneamente que a CIA recorreu aos nazistas exclusivamente na América Latina (por exemplo, Klaus Barbie na Bolívia). Mas este sistema era generalizado, inclusive na Europa (Operação Gládio). Com toda a probabilidade, a colocação destes «especialistas» nazistas era coordenada a partir da Alemanha por Reinhard Gehlen, que a CIA nomeou como primeiro Chefe do Bundesnachrichtendienst (BND).
[2A Mosque in Munich («Uma Mesquita em Munique»- ndT), Ian Johnson, Houghton Mifflin Harcourt, 2011.
[3] Alois Brunner é considerado como responsável pela deportação e o assassínio de 130. 000 pessoas, na Áustria, na Grécia, em França, na Alemanha e na Eslováquia. Ele foi condenado por contumácia a prisão perpétua em França, em 2001, pela sua responsabilidade na morte das crianças de Izieu.
[4] « Révélations sur l’assassinat de Rafiq Hariri » («Revelações sobre o assassínio de Rafiq Hariri»- ndt), par Thierry Meyssan, Оdnako (Russie) , Réseau Voltaire, 29 novembre 2010.
[5] « La commission Mehlis discréditée », par Talaat Ramih, Réseau Voltaire, 9 décembre 2005.
[6] “Is Assad Capable of Reform ?” («É Assad capaz de reformar?»- ndT), Volker Perthes, The New York Times, March 30, 2011.
[7] « Küresel Enerji Stratejileri Simülasyonu : Türkiye’nin Gelecek 10 Yılı », Tusaid, 6 Ekim 2011.
[8] « Les "Amis de la Syrie" se partagent l’économie syrienne avant de l’avoir conquise », par German Foreign Policy, Horizons et débats (Suisse) , Réseau Voltaire, 14 juin 2012.
[9The Day After Project («O Projecto do Dia Seguinte»- ndT), August 2012. The Day After. Supporting a Democratic Transition in Syria, United States Institute of Peace & Stiftung Wissenschaft und Politik, August 2012.
[10] A Turquia tomou a sucessão da Arábia Saudita, após esta ter deixado cair a Irmandade em seguida ao discurso de Donald Trump, em Riade, a 21 de Maio de 2017.

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Thierry MeyssanIntelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: Sous nos yeux. Du 11-Septembre à Donald Trump. Outra obras : L’Effroyable imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y desinformación en los medios de comunicación(Monte Ávila Editores, 2008).

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