Metais sexy: peça que faltava no quebra-cabeça coreano. Por Pepe Escobar
20/6/2018, Pepe Escobar, Asia Times
Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu
Postado por Dario Alok
Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu
Postado por Dario Alok
Talvez, afinal, nem se trate de condomínios de luxo nas praias norte-coreanas. Tudo sugere que o xis da questão no abraço que o governo Trump oferece a Kim Jong-un tenha tudo a ver com um dos maiores depósitos de terras raras (ing. rare earth elements, REEs) do mundo, a apenas 150km ao norte de Pyongyang que vale, parece, vários bilhões de EUA-dólares.
Todos os implementos da vida movida a tecnologia do século21 dependem das propriedades químicas e físicas de 17 elementos preciosos da Tabela Periódica, conhecidos como (ing.) REEs.
Atualmente, acredita-se que a China controle mais de 95% da produção global de terras raras , com depósitos estimados em 55 milhões de toneladas. A República Popular Democrática da Coreia, por sua vez, tem pelo menos 20 milhões de toneladas.
Elementos classificados como terras raras não são os únicos metais e minerais altamente estratégicos nesse jogo de poder. Os mesmos depósitos são fontes de tungstênio, zircônio, titânio, háfnio, rênio e molibdênio; todos absolutamente críticos não só para incontáveis outras aplicações militares, mas também usados em armas atômicas.
A metalurgia de terras raras também é essencial para os sistemas de armas de EUA, Rússia e China. O sistema THAAD precisa de elementos de terras raras, assim como os sistemas de mísseis de defesa S-400 e S-500 russos.
Não é exagero pensar em A Arte da Negociação aplicada a elementos de terras raras. Se os EUA não pensarem em algum modo de realmente passar a perna na República Popular Democrática da Coreia para abocanhar recursos de terras raras supostos muito abundantes, o vencedor, mais uma vez, pode ser Pequim. E também Moscou, se se considera a parceria estratégica Rússia-China, hoje já explícita, assumida e reconhecida publicamente.
Todo o quebra-cabeça pode estar girando em torno de quem ofereça melhor retorno sobre investimentos; não em propriedade imobiliária, mas em sexy metal, com o governo de Pyongyang potencialmente na iminência de amealhar fortuna imensa.
Pequim conseguirá cobrir uma possível proposta dos norte-americanos? Esse pode ter sido tópico chave na discussão durante o terceiro encontro, há poucas semanas, entre Kim Jong-un e o presidente Xi Jinping, exatamente quando todo o tabuleiro de xadrez geopolítico está posto na balança.
Quem disse que metais não são sexy?
O pesquisador Marc Sills, em artigo intitulado Strategic Materials Crises and Great Power Conflicts [Crise dos materiais estratégicos e conflitos das grandes potências], diz: "Conflito em torno de materiais estratégicos é inevitável. Os dramas se desenrolarão provavelmente em nas ou próximos das minas, ou ao longo das linhas de transporte pelas quais tenham de transitar os materiais, e especialmente nos gargalos estratégicos do mundo que os militares dos EUA deram-se hoje, de modo geral, a tarefa de controlar. Mais uma vez a equação do poder é escrita de modo a incluir o controle da posse e a capacidade para negar a posse a outros."
Aplica-se, por exemplo, ao quebra-cabeças na Ucrânia. A Rússia carece muitíssimo do titânio, do zircônio e do háfnio ucranianos para seu complexo industrial-militar.
No início desse ano, pesquisadores japoneses descobriram um depósito de 16 milhões de elementos de terras raras (menos do que há nas reservas norte-coreanas) abaixo do leito do Pacífico Ocidental. Mas é pouco provável que altere a proeminência da China – nem potencialmente da RPDC. A chave em todo o processamento de terras raras é conceber e construir uma cadeia lucrativa de produção, como fizeram os chineses. E isso demanda muito tempo.
Artigos detalhados, como China’s Rare Earth Elements Industry [Indústria chinesa de elementos de terras raras], de Cindy Hurst (2010), publicado pelo Institute for the Analysis of Global Security (IAGS), ou Rare Earth in Selected US Defense Applications [Terras raras em aplicações selecionadas na Defesa dos EUA], de James Hedrick, apresentado no 40º Fórum sobre a Geologia de Minérios Industriais em 2004, mapeiam de modo convincente todas essas conexões.
Sills destaca o modo como, contudo, minérios e metais parecem atrair atenções só das publicações de comércio de mineração: "E isso parece explicar em parte o motivo pelo qual a disputa em torno dos REEs na Coreia conseguiu passar despercebido. Metais não são sexy. Mas armas, sim."
Metais são, sim, muito sexy, com certeza, para o secretário de Estado Mike Pompeo dos EUA. É muito esclarecedor relembrar o modo como Pompeo, então ainda diretor da CIA, disse a uma Comissão do Senado, em maio de 2017 o quanto o controle estrangeiro sobre elementos de terras raras era "preocupação muito concreta."
Rode a fita adiante até um ano depois, quando Pompeo, assumindo o Departamento de Estado, enfatizou que recuperaria nova "swagger" [aprox., "uma nova ginga/uma nova manha" (?)], na política exterior nos EUA.
E avance a fita outra vez, até há poucas semanas, com a nova ginga/manha de Pompeo já aplicada às reuniões com Kim Jong-un.
Bem distante de viradas na trama ao estilo de Netflix, uma narrativa bastante possível é Pompeo tentar impressionar Kim com a beleza de um acordo bem lindo e doce, negociado com os EUA, para elementos de terras raras. Mas China e Rússia têm de ser contidas e mantidas à distância. Não é difícil prever que Xi compreenderá rapidamente as implicações.
A RPDC – essa mistura única de Turcomenistão e Romênia pós-URSS – pode estar a um passo de ser integrada numa vasta cadeia de suprimento via uma Rota da Seda de Ferro, com a parceria estratégica Rússia-China investindo ao mesmo tempo em ferrovias, oleodutos, gasodutos e portos paralelos às Zonas Econômicas Especiais [ing. special economic zones (SEZs)] norte-coreanas, que vêm aí, ao estilo chinês.
Como revelou o vice-presidente da Gazprom Vitaly Markelov: "O lado sul-coreano pediu à Gazprom" que reponha em andamento um projeto chave – um gasoduto que passa pela Coreia do Norte, um cordão umbilical entre a Coreia do Sul e a terra continental eurasiana.
Desde discussões chaves na Cúpula do Extremo Leste da Rússia em Vladivostok em setembro de 2017, o mapa do caminho está definido para que Coreia do Sul, China e Rússia conectem a RPDC ao processo de integração da Eurásia, desenvolvendo a agricultura e o poder hídrico e – crucialmente importante – a riqueza mineral.
Por mais que talvez o governo Trump esteja chegando atrasado ao jogo, é impensável que Washington desista de uma parte da (metal)ação.*******
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