Irã e Venezuela: Vanguarda de um novo mundo?

4/6/2018, Peter Koenig,* New Eastern Outlook

Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu

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Venezuela é estado campeão em democracia, em eleições democráticas, como ficou provado duas vezes nos últimos 12 meses, e mais de uma dúzia de vezes desde 1999. Pouco importa que o ocidente lunático não queira ver – simplesmente porque o ocidente (EUA e seus paus mandados e os vassalos europeus) não pode tolerar que um país socialista prospere – e tão próximo da fronteira do império e, como se fosse pouco, país riquíssimo em recursos naturais, como petróleo e minerais. O sucesso econômico da Venezuela poderia disparar ondas de choque “de esquerda” sobre a população norte-americana, zumbificada e bestializada, com fragmentos que ricocheteariam diretamente contra a Europa de olhos bem vendados.

Seria terrível. Por isso a Venezuela tem de ser economicamente estrangulada, literalmente, por sanções ilegais, por intervenções externas absolutamente ilegais contra a Venezuela soberana, por distribuição de alimento e remédios para corromper, não para alimentar e curar, literalmente pagando aos motoristas de ônibus para que não se apresentem para trabalhar, e assim deixar sem transporte a população que viaja de casa para o trabalho e do trabalho para casa; e corrompendo caminhoneiros para que não entreguem as cargas, para mostrar prateleiras vazias nos supermercados. As prateleiras devidamente fotografadas, fazem crer que a Venezuela esteja à beira do colapso. 

Os menos jovens lembrarão que esse foi exatamente o padrão da interferência dos EUA no Chile, em 1973, que levou ao golpe instigado pelaCIA que matou o presidente Salvador Allende, democraticamente eleito, e pôs no poder o neonazista Augusto Pinochet. A interferência externa – pela CIA e por outros serviços secretos mantidos pelo Departamento de Estado dos EUA – também está ativada agora, tentando influenciar e boicotar o processe eleitoral democrático na Venezuela. Não funcionou. Não conseguiram.

Situação semelhante acontece com o Irã – nação poderosa, com nível altíssimo de formação intelectual, de pesquisadores, na indústria e na agricultura e – o mais importante – com um modo de pensar nacional coletivo que não deixa espaço para as armadilhas que inventem o ocidente e, nem é preciso dizer, que Washington invente. Irã é país líder no Oriente Médio e eventualmente será o principal pilar de estabilidade da região. 

Nenhum governo israelense se atreveria a desafiar o Irã. As ameaças de Netanyahu não passam de provocações vazias. O Irã também tem aliados fortes e confiáveis, como China e Rússia. A China está comprando grande parte da produção de petróleo e gás do Irã e não ficará indiferente num confronto de EUA-Israel contra o Irã. Assim sendo, o Irã não precisa submeter-se à ditadura de Washington. O Irã é nação soberana, já abraçou a via da ‘Economia de Resistência’ –, uma separação gradual do sistema monetário ocidental fraudulento baseado no EUA-dólar. O Irã considera atualmente a possibilidade de lançar uma criptomoeda gerida pelo estado, que seria imune às sanções ocidentais – como o petro venezuelano apoiado no petróleo.

Se o ocidente permitisse que a Venezuela prosperasse, o povo norte-americano teria chance para acordar. E, por exemplo, exigir explicações de por que o próprio governo é tão pouco democrático, tão antidemocrático, a ponto de interferir nos assuntos de outros países em todo o mundo, derrubar governos soberanos – matar milhões que não aceitem curvar-se às regras do ditador norte-americano; e, em casa, semear o medo, servindo-se de ataques forjados, ataques terroristas encenados que vão de tiroteios em escolas, massacres nas ruas (Manhattan) e bombas em Maratonas (Boston).

Nada muda que o presidente dos EUA por trás desses ataques chame-se Trump, Obama, Bush, ou Clinton – e a lista continua. Pode-se acompanhar até muito antigamente, sempre o mesmo padrão de submissão dos cidadãos pelo medo, pela propaganda, por atos de terror. Todos eles sempre perseguem a mesma agenda sinistra, da hegemonia mundial a qualquer preço.

Venezuela – e nesse sentido também o Irã – são assunto completamente diferente. A Venezuela elegeu dia 29/7/2017 a Assembleia Nacional Constituinte, processo elaborado, transparente, para estabelecer um verdadeiro Parlamento do Povo. A ideia é brilhante, mas, claro, foi condenada pelo ocidente, declarada fraudulenta –, porque a elite reinante do ocidente não pode permitir e não permitirá que o povo assuma o poder.

Quando o presidente Rouhani do Irã foi reeleito em maio de 2017, Washington festejou, certa de que Rouhani se curvaria às regras do ocidente. Não. Não aconteceu assim. De fato, manteve o curso definido antes, embora tentando preservar relações cordiais – e de negócios – com o ocidente, mas pelas regras do Irã. Dado que isso não parece admissível, especialmente depois de Trump ter-se retirado unilateralmente do Acordo Nuclear Iraniano [ing. Joint Comprehensive Plan of Action (JCPOA)], e de ter reimposto “as mais duras sanções que o mundo jamais viu”, restou ao Irã separar-se decididamente do ocidente e unir-se às alianças orientais, a União Econômica Eurasiana (UEE), à Organização de Cooperação de Xangai (OCX). Precisamente o que a Venezuela também está fazendo, assumindo as dificuldades, mas procurando pastagens mais amistosas – e um futuro que certamente será mais próspero.

Os parlamentos ocidentais estão convertidos em cortinas de fumaça, cuja utilidade é camuflar ditaduras financeiras e ainda pior, mais recentemente, opressão policial e militar das populações, com os governos cada dia mais temerosos de que o povo levante-se – o que afinal o povo está mesmo fazendo, nesse momento, na França, contra a nova lei trabalhista de Macron, o projeto de tirar dos trabalhadores todos os direitos adquiridos em décadas de trabalho duro. Basicamente, desde fevereiro passado, os franceses tomaram as ruas de Paris, sem medo, apesar de a França já ser o país mais fortemente militarizado da Europa. Os cidadãos franceses enfrentam gás lacrimogêneo, canhões d'água e munição de borracha, mas não desistem de defender, não só seus direitos trabalhistas, mas também o direito democrático deles e dos demais povos da Europa à livre manifestação – que em muitos países da União Europeia (UE) morreu morte sem alarde.

Dia 20/5/2018, a Venezuela realizou mais uma eleição pacífica e absolutamente democrática para e presidência, acompanhada por observadores internacionais vindos de mais de 40 países, incluindo o ex-presidente do Equador, Rafael Correa, e o ex-presidente da Espanha, José Luis Zapatero. Todos confirmaram a transparência do sistema eleitoral venezuelano e conclamaram a comunidade internacional a respeitar os resultados da eleição. Verdade é que EUA e Europa têm muito a aprender do processo eleitoral e da democracia da Venezuela.

Washington, seus vassalos europeus e a Organização dos Estados Americanos (OAS), mais uma vez – nunca muda! – condenaram as eleições como fraude, antes até de as eleições acontecerem, e queriam que o presidente Maduro cancelasse as eleições (que arrogância! Que arrogância abjeta!). Assim também o chamado Grupo de Lima – um colegiado de 14 nações latino-americanas – acusou o governo do presidente Maduro de manipular as eleições e declarou os resultados “ilegítimos”, também antes de o primeiro voto cair na urna. Mas o ex-presidente dos EUA Jimmy Carter, fundador do Centro Carter, foi claro: “Consideradas as 92 eleições que monitoramos, eu diria que o processo eleitoral na Venezuela é o melhor do mundo.”

Zapatero disse em conferência de imprensa que a UE, que foi convidada diretamente pelo presidente Nicolas Maduro para participar do grupo de observadores internacionais, não enviou representantes, por causa de seus “preconceitos”. Zapatero disse que “Há preconceito, e a vida e a experiência política consiste em combater os preconceitos e poder conhecer a verdade sem intermediários.” Disse também que a OEA usa dois pesos e duas medidas, sempre contra a Venezuela: “O que a OEA declarou, até hoje, sobre o que se passa no Brasil e em Honduras?”

Correa complementou: “Ninguém pode questionar as eleições venezuelanas (...) não há no mundo eleições monitoradas com tanta transparência como as eleições da Venezuela.”

A perfeita correção das eleições na Venezuela também foi confirmada pelo Conselho de Especialistas em Eleições Latino-americanos (CEELA). Moscoso, presidente do CEELA, disse que a delegação de seu Conselho reuniu-se com especialistas e candidatos antes das eleições do domingo [20/5/2018] e confirmaram a plena “harmonia no processo eleitoral.”

Nenhum membro da comissão altamente qualificada de observadores que acompanharam as eleições na Venezuela tem qualquer dúvida de que as eleições na Venezuela foram corretas e de que Nicolas Maduro foi legitimamente reeleito com 68% dos votos para mandato de seis anos – de 2019 a 2025. O dito “baixo” comparecimento às urnas, de 54% é atribuído, no ocidente, ao trabalho do governo, que teria impedido que eleitores dos candidatos da oposição votassem. Verdade é que o comparecimento foi de 'apenas' 54%, porque o ocidente (UE e EUA) trabalharam ativamente com a oposição, para boicotar as eleições. Nessas circunstâncias, 54% de comparecimento é número excelente, especialmente se comparado ao comparecimento de eleitores em eleições nos EUA. Em 2016, 'apenas' 55,7% dos eleitores compareceram às urnas para eleger Trump em 2016 – proporção apenas ligeiramente superior ao que se viu na Venezuela; Obama só tirou de casa, para a eleição de segundo mandato, em 2012, 58% do eleitorado.

É horrendamente vergonhoso que nós, jornalistas independentes e analistas de geopolítica, pouco tenhamos feito para defender a transparência e a correção das eleições e do sistema democrático venezuelano – o melhor do mundo –, contra governos nos quais mentiras e fraude são itens do cardápio diário das autoridades, servidos em geral com táticas para iniciar conflitos e guerras e morticínio de milhões, como o pão com a manteiga. Sim, pão e manteiga, porque a economia dos EUA não sobrevive sem guerras, e os fantoches ditos "a elite" europeia já estariam reduzidos a estrume se não se tivessem convertido em estados policiais militarizados opressores.

A isso está reduzido o mundo neoliberal/fascista do século 21 –, um punhado de estados mafiosos sem ética, onde a lei é feita por criminosos de colarinho branco a serviço de governos dominados pelas grandes empresas.

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Há outras razões pelas quais a Venezuela tornou-se uma vanguarda do novo mundo emergente – um mundo que se vai gradualmente separando do ocidente.

Ao lado de China e Rússia, a Venezuela está entre os primeiros países a abandonar o EUA-dólar como moeda comercial. Caracas já vende seus hidrocarbonos para a China em troca de Yuan chineses conversíveis em ouro. A Venezuela é também o primeiro país do mundo a introduzir uma criptomoeda com lastro em petróleo, o petro, que logo será desenvolvida para o petro-ouro [esp. Petro-Oro], outra criptomoeda controlada pelo governo, com lastro em ouro e outros minerais.

Nenhuma das outras moedas lançadas privadamente, como Bitcoin, Ethereum, Litecoin, Monero, Ripple – e literalmente mais de 3 mil moedas digitais – têm qualquer lastro. Podem ser consideradas fiat money, altamente especulativas, que se prestam para lavagem de dinheiro e outras fraudes.

Quando o petro foi lançado em março de 2018 atraiu interessados de 133 países, na pré-venda do equivalente a US$ 5 bilhões. O primeiro dia de pré-venda alcançou equivalência de US$ 735; é número impressionante, que indica o grande interesse em todo mundo, à procura de uma alternativa ao sistema monetário ocidental dominado pela moeda dos EUA – indispensável e construído sob medida para manobrar sanções, bloquear transferências monetárias internacionais e confiscar fundos de outros países em vários locais do mundo. Isso porque todas as transações internacionais em dólar têm de transitar por algum banco norte-americano, em Londres ou em New York.

Sem divulgar muitos detalhes sobre o petro – e por boas razões – o presidente Maduro elogiou o petro como arma chave em sua luta no que ele chamou de “guerra econômica” comandada pelos EUA. A criptomoeda digital com lastro em petróleo pode ser convertida em yuan, rublos, liras turcas e em euros – moedas que, todas, indicam que o mundo deseja uma alternativa – e a Venezuela deu o primeiro passo na direção de oferecer uma possibilidade.

Ao mesmo tempo, Rússia e Irã também anunciaram a introdução de uma criptomoeda oficial. São escudos poderosos contra a intrusão e a interferência do EUA-dólar. Criptomoedas gerenciadas pelos estados são de fato ferramentas de excelência para uma abordagem de “Resistência Econômica” contra sanções comerciais. A Rússia está muito à frente desse grupo. Como o presidente Putin disse já há dois anos, as sanções foram a melhor coisa que poderia acontecer à Rússia, economicamente devastada desde o colapso da União Soviética. Forçada pelas sanções, a Rússia avançou na direção da autossuficiência; reconstruiu a própria agricultura e o seu parque industrial ultrapassado; iniciou processos de pesquisa e desenvolvimento para energia e uso racional dos recursos – e fato é que, nos últimos três anos tornou-se o maior exportador de trigo do mundo.

Abordagens semelhantes já se veem também em larga escala em outros países alvos do regime de sanções de Washington, a saber, no Irã, em Cuba, na República Popular Democrática da Coreia e, claro, na China. Ser independente da economia ocidental também significa afastar-se da globalização e, especialmente, da hegemonia globalizada do EUA-dólar. 

A Venezuela é a vanguarda de um movimento de países que começa a crescer e que já abandonaram o EUA-dólar para negócios internacionais – como Índia, Paquistão, Irã. 

Essa tendência é crescente e pode se converter num grande movimento de nações independentes, que tem potencial para pôr de joelhos a economia dos EUA. É guerra sem agressão, mas com vias alternativas para sobreviver à violência econômica promovida por Washington, às tentativas comandadas pelos EUA para subjugar o mundo à ditadura do EUA-dólar – vale dizer, à hegemonia do EUA-dólar. O movimento de resistência vencerá.*******


* Peter Koenig é economista e analista geopolítico. Trabalhou por 30 anos no Banco Mundial como economista, em vários países, nas áreas de água e meio ambiente.


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