Saúde mental: Aumento da taxa de juro pode colocar milhares em risco
Os bancos centrais devem ter em conta a forma como as suas decisões influenciam a saúde mental da população? Artigo de Christopher Boyce.
esquerda.net - 10/05/2018
esquerda.net - 10/05/2018
Foto de Paulete Matos.
Após nove anos de taxas de juro abaixo de 1%, parece iminente o anúncio de aumento por parte do Banco de Inglaterra. À medida que os salários melhorem e a inflação atinja o objetivo dos 2%, um aumento da taxa de juro iria — dizem alguns —evitar riscos potenciais de inflação no médio prazo.
Mas outro fator a ter em conta é que o aumento das taxas de juro também tem repercussões graves para a saúde mental das pessoas. Boa parte da população do Reino Unido tem altos e possivelmente insustentáveis níveis de endividamento, e uma taxa de juro mais alta irá provavelmente aumentar o fardo do reembolso de alguma dessa dívida. E irá então provavelmente aumentar os seus níveis de sofrimento psicológico.
Numa investigação recente que publiquei com alguns colegas no Journal of Affective Disorders, estudámos a forma como as mudanças na taxa de juro do Banco de Inglaterra entre 1995 e 2008 influenciaram a saúde mental da população. O que descobrimos é que a cada 1 ponto percentual de aumento nas taxas de juro, houve um aumento de 2.6 pontos percentuais na incidência de problemas de saúde mental vividos por quem está altamente endividado.
Embora haja sempre alguma margem de erro nestas estimativas estatísticas, isto traduzir-se-ia em 20 mil casos adicionais de problemas de saúde mental no Reino Unido. Tal como o custo evidente que isso representa para o sistema de saúde, há também o custo financeiro. Como se calcula que cada caso de saúde mental possa custar à volta de 8 mil libras no que respeita a absentismo no trabalho e perda de qualidade de vida, tudo somado custaria à sociedade 156 milhões de libras [178 milhões de euros ao câmbio atual].
Embora o sobre-endividamento seja conhecido por ser mau para a saúde mental das pessoas, o nosso estudo é o primeiro a demonstrar que existe uma relação direta entre as decisões de um banco central sobre a taxa de juro e a saúde mental. Isto levanta a questão de saber se os bancos centrais deveriam ter em conta a forma como as suas decisões influenciam a saúde mental da população.
Uma política baseada no bem-estar
Há cada vez mais interesse na utilização de indicadores não-económicos para a condução de políticas públicas, sugerindo que talvez devessem ser mais enfatizados os efeitos psicológicos. Alguns objetivos económicos, como o crescimento económico ou a inflação, estão muitas vezes desligados das mudanças na saúde mental ou no bem-estar.
No que toca à política monetária, há quem defenda que como o desemprego é consideravelmente pior para a saúde mental do que a inflação, deve ser dada maior importância à redução do desemprego do que à manutenção da estabilidade dos preços. Ainda por cima, o aumento dos rendimentos tem efeitos limitados no bem-estar geral quando comparado a outros fatores como a saúde, relações e personalidade, e já foi demonstrado que evitar perdas de rendimento influencia mais o bem-estar do que a busca de ganhos de rendimento.
Mas o objetivo do Banco de Inglaterra é puramente económico. Nomeadamente, “manter a estabilidade de preços” definida no objetivo do governo para os 2% de inflação. E apoiar as políticas económicas do governo, incluindo as do crescimento e emprego. Existe um consenso de que assegurar a estabilidade de preços é a melhor forma dos bancos centrais poderem apoiar o crescimento económico a longo prazo, pois isso faz aumentar a confiança na economia e promove o investimento.
A estabilidade de preços é em geral mantida assegurando que a massa monetária aumenta ao mesmo ritmo que o crescimento ou a produção económica. Se a massa monetária aumenta mais rápido do que a produção, considera-se que isso resultará em inflação. Um banco central pode aumentar a massa monetária a um ritmo maior do que o da produção real, para injetar mais procura na economia. Isso pode gerar um crescimento económico maior e baixar a taxa de desemprego, o que pode ajudar em tempos de recessão.
Claro que a decisão de não aumentar a taxa de juro pode custar à economia muito mais do que os tais 156 milhões de libras com o aumento de casos de saúde mental. Por exemplo, um aumento nas previsões sobre a inflação pode levar a longo prazo à diminuição da confiança na economia e desencorajar o investimento. E ter baixas taxas de juro por um tempo prolongado pode conduzir as pessoas a aceitarem níveis de endividamento que se tornam insustentáveis quando as taxas subirem. O facto de as taxas terem estado tão baixas durante tanto tempo para alcançar objetivos económicos pode ter contribuído para o atual estado de endividamento.
Não ignorem as repercussões
Os objetivos do banco central não têm necessariamente de mudar para outros que não os económicos. Mas a nossa investigação ilustra de forma clara que a busca de objetivos económicos terá provavelmente repercussões dolorosas para pessoas em concreto. Isto deve ser tido em conta, prevenido e quando possível combatido.
Por exemplo, isso pode ser feito ajudando as pessoas a evitar o endividamento excessivo, emitindo fortes avisos por parte do sistema público de saúde acerca dos níveis de endividamento, e assegurando um apoio à saúde mental adequado a quem esteja altamente endividado.
Também há uma abordagem alternativa na condução da política monetária que pode alcançar objetivos económicos ao mesmo tempo que protege a saúde mental da população. Na última década, os bancos centrais tentaram manter a estabilidade de preços injetando biliões nos mercados financeiros, ao comprarem obrigações e ativos e ao aumentarem a massa monetária.
Esta abordagem conhecida como “quantitative easing” [flexibilização quantitativa] tem sido criticada por ter tido muito pouco impacto na economia, uma vez que não pôs mais dinheiro no bolso para as pessoas normais gastarem. Entregar o dinheiro diretamente às pessoas podia ter sido mais eficaz. E também iria provavelmente ajudar a baixar o fardo da dívida dessas pessoas, e consequentemente a pressão sobre a saúde mental.
Os problemas de saúde mental são frequentemente mais debilitantes do que muitos dos problemas de saúde física, mas os recursos disponíveis para ajudar quem está em dificuldade psicológica continuam a ser largamente insuficientes. Precisamos não apenas de estratégias abrangentes para ajudar as pessoas a lidarem diretamente com as dificuldades psicológicas, mas é também importante reconhecer que a saúde mental tem ligações à economia. Temos por isso de criar um ambiente económico que seja favorável à saúde mental da população.
Christopher Boyce é bolseiro de investigação no Behavioural Science Centre da Universidade de Stirling.
Artigo publicado no portal The Conversation. Traduzido por Luís Branco para o esquerda.net
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