Requião diz que Justiça em primeira instância protege tucanos, inclusive Beto Richa
VIOMUNDO - 02 de maio de 2018 às 21h01
Desde meu Paraná, 1ª instância protege os tucanos sem “foro privilegiado” e as fake news do poder
por Roberto Requião*
Mais uma vez sigo a recomendação de Marshall McLuhan e canto a minha aldeia, para ser universal. Canto as coisas de minha terra, o Paraná, para alcançar o Brasil.
A novidade por lá é que, depois de sete anos e três meses de mandato, Beto Richa renunciou ao governo para ser candidato a alguma coisa e, assim, reconquistar imunidades.
Como Beto está enrolado na Lava Jato e em mais quatro outras grandes investigações policiais, o foro privilegiado cairia bem para a nossa ex-excelência.
As operações que atingem o candidato a qualquer coisa têm nome de batismo, padrinhos, afilhados, compadres e adjacências registrados nos cartórios policiais, nas atas das devassas, nos livros dos malfeitos.
Vamos à lista.
“Operação Voldemort”, assim denominada para “homenagear” o personagem sinistro da série Harry Potter.
Essa operação investigou um primo do governador e associados, que montaram um esquema fraudulento de reparos de carros oficiais.
A primeira reação de sua ex-excelência, assim que o caso explodiu, foi negar o parentesco com o indigitado primo.
Como isso era impossível, disse que se tratava de um primo distante, que mal conhecia, fato também desmentido por fotos, vídeos e uma profusão de rastros.
Até cair em desgraça, o primo distante do governador era uma das figuras mais influentes da gestão tucana, mesmo sem ter cargo público.
Um homem nas sombras, atrás dos bastidores, influindo e decidindo.
A “Operação Publicano”, que ganhou esse nome por referência ao coletor de impostos que aparece nos evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas, desmantelou um esquema de desvio de um bilhão e oitocentos milhões na Receita Estadual, envolvendo mais de uma centena de auditores, contadores e fiscais.
O comandante do esquema era o ex-inspetor geral de Fiscalização, íntimo de Beto Richa ao ponto de ser o seu copiloto nas “500 Milhas de Londrina”, competição que sempre contou com prestigiosa participação do ex-governador.
Beto, é claro, disse que pouco conhecia o seu copiloto. É, pode ser, afinal o rapaz usava capacete, nas corridas.
Parte dos desvios bilionários, apurou-se, abasteceu as contas da campanha de reeleição do ex-governador.
O copiloto já foi condenado a 97 anos de prisão. O piloto “não sabia” o que o copiloto fazia no carro, e nem no governo…
“Operação Quadro Negro”, que apura o desvio de dezenas de milhões de reais da construção de escolas no Paraná.
Conforme denúncias, o dinheiro subtraído também abasteceu a campanha de reeleição de Beto Richa.
Aqui, novamente o envolvimento de pessoas de relações pessoais, íntimas do governador.
Já a “Operação Integração”, investiga um mega esquema de corrupção, propina, extorsão e enriquecimento ilícito envolvendo concessionárias de pedágio, empreiteiras e funcionários públicos.
Mais uma vez, pessoas do círculo próximo e familiar do ex-governador foram presas, denunciadas ou ficaram sob suspeição.
A “Operação Publicano” começou em janeiro de 2015, com a prisão de um assessor de Beto Richa, o fotógrafo Marcelo Caramori.
O rapaz era tão entusiasta do ex-governador que tatuou o nome da excelência em seu corpo e exibia orgulhoso a marca do dono.
Mas o dono não sabia de nada e nem sentiu a bajulação nas gônadas. Foi uma bajulação silenciosa.
Camarori foi preso por corrupção e exploração de menores.
Na cadeia, abriu o bico e entregou o esquema da Receita e os feitos do primo distante de Richa.
Não se sabe se Camarori apagou ou não a tatuagem. Aquele que tatou o Temer no tórax diz que apagou.
Que tempos esses, até aquilo que deveria ser demonstração de bajulação para toda vida é fugaz.
Outra marca da gestão de Beto Richa é a “Batalha do Centro Cívico”, ocorrida no dia 29 de abril de 2015 e que resultou no massacre de professores e funcionários públicos que, entre outras coisas, protestavam contra a reforma da previdência pública estadual.
Fatos marcantes da “Batalha do Centro Cívico”, além da brutal repressão ao ato dos manifestantes, são a formação da “Bancada do Camburão” e a fuga grotesca, ridícula do então secretário de Segurança, quando confrontado por um único professor.
Essa cena ao mesmo tempo hilária e patética do professor que tirou o valente ex-secretário para dançar está na internet, no youtube.
A bancada de apoio a Beto Richa ganhou o apelido de “Bancada do Camburão” porque chegou de camburão da Polícia à Assembleia Legislativa, para votar a reforma.
Foi a forma que o governador encontrou para proteger seus deputados: abriga-los em carro blindado, usado para transporte de presos perigosos.
A reforma, é claro, foi aprovada. E dois anos depois, na exata semana em que Beto Richa deixava o governo, veio a revelação: o patrimônio da Paranaprevidência sofreu, até agora, um rombo de quatro bilhões e seiscentos milhões de reais.
Com a reforma, o caixa do instituto vem sendo saqueado mês a mês, ininterruptamente.
Inepto e perdulário, o governo de Richa descapitalizou o fundo de pensões dos servidores públicos do Paraná para cobrir toda sorte de rombos, de buracos que a gestão incompetente provocou nas finanças estaduais.
Caso fossem somados os “resultados” dos desvios da “Voldemort”, da “Publicano”, da “Quadro Negro” e da “Integração” teríamos uma soma igual ou superior àquela que ele arrebatou da Paranaprevidência.
Mais ainda: na busca ensandecida por dinheiro, o ex-governador voltou a cobrar impostos dos microempresários e aumentou a alíquota dos pequenos empresários.
Os micros não pagavam nada quando eu fui governador e a alíquota dos pequenos não chegava a dois por cento.
Com uma rejeição semelhante à de Temer, a excelência estadual também recorreu à propaganda, à mistificação, à manipulação da opinião pública para sair do atoleiro.
Boa parte da dinheirama desviada da previdência foi destinada a simular obras, a distribuir migalhas a prefeitos e assim sustentar a candidatura de sua ex-excelência a um cargo qualquer que lhe garanta foro privilegiado.
Ah, sim! Como outras vestais da política brasileira, Beto também vestiu a camisa da CBF e foi às ruas protestar contra a corrupção.
Com o mesmo arroubo, com a mesma fúria moralista e com as mesmas palavras incandescentes de um Geddel.
Ele também apoiou o “Bonde do PSDB” que, no dia 13 de março de 2016, foi à Paulista pedir o impeachment de Dilma mas acabou sendo hostilizado pelos manifestantes.
Fraudes nos reparos de veículos oficiais; escolas pagas e não construídas; desvios na Receita; propina nos contratos de pedágio; desfalque na previdência do funcionalismo; aumento dos impostos dos pequenos empresários e isenção absoluta de impostos para o maior fabricante de cerveja do mundo; venda das ações das estatais de energia e de água e esgotos; aumento de 135 por cento na tarifa de água, para dar mais lucro ao sócio privado da empresa de saneamento; trapaças na propaganda oficial, com o ex-governador assumindo obras que não fez.
E assim por diante.
Triste Paraná, quantos negócios, quantos negociantes, diria o poeta baiano.
Do prisma do qual contemplo os descaminhos da administração pública em meu estado, vejo reflexos da vida nacional.
Vejo que a farsa da retomada do crescimento econômico desfaz-se melancolicamente, sombriamente. E, para animar a torcida e dar manchetes aos jornalões, eis que vem a diretora-gerente do FMI, Christine Lagarde, saudar a “recuperação do Brasil graças às reformas estruturais feitas pelo Governo Temer”.
Sobre isso, antes que volte à rota a que me propus seguir, permito-me três comentários:
1. O FMI, com o qual o Lula saldou a dívida e mandou passear, ressurgiu na pauta da tal “grande imprensa” brasileira. Folha e Globo, por exemplo, voltaram a despachar enviados especiais para cobrir as reuniões do Fundo em Washington.
2. Lagarde trapaceou descaradamente sobre as tais “reformas estruturais” de Temer, já que a trabalhista é um fracasso retumbante, a previdenciária gorou e a PEC dos Gastos é desrespeitada toda hora pelo próprio governo.
Em março, por exemplo, as contas do governo registraram um rombo de 25 bilhões de reais, o maior rombo para os meses de março na história. E não foi é claro para dar dinheiro à educação, à saúde e à segurança.
1. Com o estouro da bolha financeira em 2008, o FMI, o Banco Mundial, o FED, o Banco Central Europeu, as agências de risco, os economistas de mercado, os 391 comentaristas econômicos das Organizações Globo desmoralizaram-se, porque, na véspera do cataclismo, saudavam a higidez da economia mundial.
E agora retomam o mesmo discurso e reentronizam em seus altares de devoção o FMI, às agências de risco…
No final do ano passado, esta tribuna era ocupada diariamente pelos arautos do bom tempo.
Comemoravam o fim da crise econômica, o crescimento do PIB, a criação de empregos, a religação das máquinas das indústrias.
Embora essa chuva de maná não fosse percebida pelos brasileiros, especialmente as massas desempregadas, havia festa no plenário.
Mas qual a realidade mal disfarçada pela propaganda, pelo voluntarismo da bancada governista, pela mídia aliada e manipuladora?
Vejam: no primeiro trimestre do ano passado, o crescimento foi de 1,3 por cento; no segundo trimestre, cai para 0,6 por cento; no terceiro, nova queda, 0,2 por cento; no quarto e último trimestre, outro tombo, 0,1 por cento.
Onde, então, a retomada?
Em janeiro deste ano, um novo choque de realidade: queda de 0,65 no PIB, e um desenxabido crescimento de 0,09 por cento, em fevereiro.
Ah, mas a inflação continua caindo, proclama a mídia amiga, e orgulha-se a rapaziada do Banco Central.
Deus meu! Atividade econômica em baixa, consumo em baixa, crédito em baixa, desemprego em alta.
Com essas inferências em conta, como não ter uma inflação hibernal, abaixo de zero? Comemorar deflação é a idiotia em seu estado puro.
A nudez do fracasso da política de austeridade escancara-se despudoradamente, mas há ainda quem insista em não ver do que é feita a velha roupa do rei.
E nada faz tão mal ao Brasil que as notícias falsas, que os números fantasiosos sobre a “volta do crescimento no Brasil”.
Tomar alguns espasmos, aqueles movimentos irrefletidos, involuntários de um corpo em agonia como manifestação de vida é coisa ou de nefelibatas ou de pessoas mal-intencionadas. Escolham.
Há uma simetria, um sincronismo perfeito entre esse discurso da “volta do crescimento” e o discurso moralista do combate à corrupção e do punitivismo.
Ambos têm a mesma base falaciosa e a mesma determinação de desviar do que interessa.
Se a fantasia da “volta do crescimento econômico” pretende empanar o fracasso da política de austeridade fiscal, a cruzada moralista serve de biombo para se pratique toda espécie de crimes, de assaltos e pilhagens contra o país.
Os nossos Torquemadas, os Savonarolas de primeira instância, os bem nutridos e corados ascetas jejuadores, os juízes e procuradores habitués de Harvard (oh que glória!) pouco se dão se o país desfaz-se do petróleo, das hidrelétricas, dos rios, das terras, do espaço aéreo, do mar territorial, da tecnologia e da inovação.
Pouco se dão se a fome volta à mesa de milhões de brasileiros, se a reforma trabalhista é um desastre que impulsiona o desemprego, o subemprego, a escravização.
Pouco se dão se combustível de cerca de dez milhões de brasileiros volta a ser a lenha.
Que se lhes dá se o país se desarticula e desmancha-se, desde que Lula esteja preso, desde que, com a colaboração da mídia canalha, a farsa do tríplex tenha colocado?
Que se lhes dá, desde que a CIA, a NSA, o FBI, o Departamento de Estado, a CNN, e os jornalões norte-americanos os aprovam, incensam, puxam-lhes o saco e acariciem-lhes o ego?
Desde que a mais venal, perjura e farsesca mídia comercial sob a face da terra, que é a mídia brasileira, os eleve a heróis?
Diante disso, apesar disso, aos 77 anos, e desde muito cedo na liça, não perco a fé, não me esmorece a esperança.
O que esses néscios, desprovidos de entendimento e de discernimento, incapazes de romper o círculo da ignorância, do provincianismo e da patetice, o que eles não entendem é que muito em breve serão lembrados com a mesma repulsa que causam os inquisidores, os fascistas e os traidores da pátria.
Esses tempos trevosos, lá no meu Paraná e aqui em meu país, serão iluminados pela Justiça, pela brasilidade, pela soberania nacional, pela honradez, pelo amor ao povo e pela ação administrativa competente.
Afinal, o meu estado e esse país não são feitos pela média da opinião dos imbecis que circulam na internet parecem dominar a rede.
*Roberto Requião é senador da República, no segundo mandato. Foi governador do Paraná por 3 mandatos, quando saneou as contas públicas, fez o estado crescer investindo na educação, na agricultura e nos municípios. Foi prefeito de Curitiba, secretário de estado, deputado, professor, oficial do exército brasileiro, agricultor e industrial. É graduado em direito e jornalismo com pós graduação em urbanismo e comunicação
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