Nassif: Xadrez da teoria conspiratória, para Sergio Fausto e Celso Rocha Barros

Luis Nassif - no GGN - 16/05/2018

Apesar de não parecer, ao contrário do lobisomem e do bicho-papão
  • a CIA existe e atua não apenas no cinema, mas no mundo real;
  • a geopolítica norte-americana não é uma história em quadrinhos de Will Eisner;
  • o interesse norte-americano pelo petróleo remonta os anos 40, quando a Esso e irmãs tentaram impedir a construção de refinarias nacionais.
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O Brasil percebeu que o monopólio da exploração do petróleo pela Petrobras não vai gerar novos campos. Em cerca de um ano eles vão alterar a legislação em vigor de forma a permitir que os EUA e a Europa ocidental participem, pois só eles têm a tecnologia necessária. Essa é uma ruptura com um duradouro mito nacionalista e levará um ano para que jovens oficiais e outros sejam educados a fim de aceitar a necessidade fundamental de permitir a participação estrangeira na prospecção de petróleo. Este é um passo muito expressivo.
Algum tempo depois Geisel aprovou os contratos de risco ao capital externo.
Mas não é a CIA de 1974 o tema dessa coluna, mas o DHS (Departamento de Segurança Interna) de 2018.
Admito que às vezes sou meio implicante. E uma de minhas implicâncias é com os sabidos, que acham que tudo aquilo que eles não conhecem, não existe. Refiro-me a dois intelectuais que respeito - Sérgio Fausto e Celso Rocha Barros -, ambos ironizando as versões sobre a influência da CIA na Lava Jato, jogando-as na vala das teorias conspiratórias.
Apesar de não parecer, ao contrário do lobisomem e do bicho-papão

  • a CIA existe e atua não apenas no cinema, mas no mundo real;
  • a geopolítica norte-americana não é uma história em quadrinhos de Will Eisner;
  • o interesse norte-americano pelo petróleo remonta os anos 40, quando a Esso e irmãs tentaram impedir a construção de refinarias nacionais.
Mas, a exemplo de muitos economistas, nossos bravos cientistas sociais só acreditarão que a CIA conspira quando, daqui a algumas décadas, aparecerem as revelações em forma de livro ou de novos papéis do Pentágono mostrando as conspirações da CIA.  Eles são vítimas de um tipo especial de crendice: a superstição do ceticismo, que reza que tudo aquilo que não conheço, não existe.
Vamos aos fatos.
Por CIA, entenda-se todo o aparato de espionagem norte-americana, incluindo o NSA e o mais relevante dos departamentos, o DHS.

Peça 1 – o controle das informações pelos EUA

  • Fato. Nos anos 2.000, os EUA montaram a NSA, para espionagem eletrônica, e o DHS, para coordenar todos os departamentos envolvidos na luta contra o terrorismo.
  • Fato. A NSA espionou a presidente Dilma Roussef e a Petrobrás.
  • Fato: a partir dos atentados às torres Gêmeas, houve a montagem de um sistema de cooperação internacional entre Ministérios Públicos e Polícias Federais de diversos países. O DHS sempre foi o parceiro mais aparelhado, o que mais dispõe de informações.
  • Fato: a luta contra o terrorismo e as organizações criminosas evoluiu para a luta contra a corrupção. Os EUA conseguiram aprovar, no âmbito da OCDE, uma legislação específica que traz para a jurisdição norte-americana qualquer crime que, em algum momento, passe pelo dólar.
  • Fato: a invasão de um hotel na Suíça por policiais do FBI, levando prisioneiros para serem julgados em Nova York, alguns dos quais, dirigentes brasileiros de futebol. Ou seja, brasileiros, detidos na Suiça e julgados nos EUA.

Peça 2 – os EUA como xerifes do mundo

Com a cooperação internacional e com a legislação anticorrupção, aprovada no âmbito da OCDE, os EUA se tornam os xerifes do mundo.
Criou-se uma situação que colocou nas mãos do Departamento de Justiça a seleção dos temas de corrupção a serem investigados. Porque ele detem a informação.
Sugiro aos bravos cientistas políticos uma leitura caprichada do ensaísta francês Hervé Juvin, sob o título sugestivo: “Da luta anticorrupção ao capitalismo do caos, oito temas sobre uma revolução do direito”, sobre a discussão do uso geopolítico que os EUA fazem da cooperação internacional. Ele explica, bem depois de termos pioneiramente levantado o tema aqui no GGN como alguns bancos franceses, como o BNP, deixaram de ocupar a liderança mundial – após a crise do sistema financeiro norte-americano em 2008 – com receio do poder de retaliação dos EUA, escudado na tal Lei Anticorrupção aprovada no âmbito da OCDE. Segundo suas estimativas, para as empresas europeias, significou um custo direto entre 40 e 50 bilhões de euros e custo indireto de mais de 200 bilhões de euros.

Peça 3 – os dois temas, futebol e petróleo

Os nossos bravos analistas políticos são convidados a assistir a entrevista dada ao GGN por Jamil Chade, correspondente do Estadão em Genebra, para entender o papel das sucessivas “primaveras” na definição da nova ordem mundial, escudada no partido do Ministério Público e do Judiciário dos diversos países.
Jamil tem contato direto com o FBI a partir das denúncias que levantou sobre a FIFA.
Diz ele que, a partir das manifestações de 2013, fontes do FBI comentaram com ele que o Brasil já estava pronto para enfrentar seus grandes escândalos.
Dois emergiram de imediato, de interesse direto dos EUA: o petróleo e o futebol.
O petróleo, por razões óbvias de negócios e segurança interna. O futebol, por interesse direto dos grupos de mídia norte-americanos. Tenho um livro à espera de uma editora, no qual historio bem a questão da mídia na expansão do capitalismo norte-americano. Enquanto não sai, aqui vai um pequeno resumo.
No pós-guerra, a expansão dos EUA teve como ponta de lança suas multinacionais. O único território protegido, ao sul do Equador, era a mídia. Primeiro, porque rádio e TV aberta dependiam de concessões públicas – mercado dominado politicamente pela mídia nativa. Depois, pelas próprias legislações nacionais, impedindo a entrada de capital estrangeiro.
A TV a cabo e a Internet romperam com essa blindagem. Mas os grupos externos esbarravam em um problema de pulverização da audiência. Como explica o próprio Jamil, na Inglaterra os programas de maior audiência não passam de 5 pontos. Quando entra futebol, consegue-se até 15 pontos de audiência.
A força das mídias nativas, portanto, residia na audiência proporcionada pelo futebol. O monopólio das transmissões esportivas pela Globo é a prova maior da importância do esporte na audiência.
O modelo de corrupção da FIFA surgiu desse know how brasileiro, desenvolvido pela Globo e por João Havelange e exportado para o mundo.
Desde a delação premiada de J. Hawila, a Globo está na mira da Justiça norte-americana. No âmbito da cooperação internacional, o FBI conseguiu apoio de Ministérios Públicos de quase todos os países, menos do brasileiro. E as raízes dessa blindagem estão no pacto tácito entre Globo e MP, no transcorrer das manifestações de 2013, em torno da PEC 37.
Dias antes das denúncias da JBS, aliás, o Ministério Público Espanhol divulgou denúncias contra a rede Globo. Nossos cientistas poderiam se indagar qual a razão de um escândalo brasileiro, cometido por uma empresa brasileira, a Globo, em um evento esportivo brasileiro, a Copa Brasil, com autoridades brasileiras, Ricardo Teixeira, Del Nero etc. foi apurado pelo MP espanhol. E sumiu do noticiário e das atividades do Ministério Público brasileiro.
Uma denúncia da Justiça norte-americana fecharia os acordos internacionais da Globo, seu acesso ao mercado financeiro internacional.
Por necessidade ou convicção, o fato é que a Globo foi peça chave em um golpe que escancarou o petróleo ao capital externo, e, ao mesmo tempo, conseguiu se blindar junto ao MPF brasileiro. Se os doutos analistas tiverem uma narrativa melhor para explicar esses fatos, o GGN está à sua disposição.

Peça 4 – como foi montada a Lava Jato

Entendidos esses fatos, vamos à Lava Jato.
Com o controle das informações, e com o novo aparato legal da Lei Anticorrupção, o Departamento de Justiça viu-se, assim, na condição de definir o tema a ser investigado, bastando, para tanto, selecionar o tema e as provas a serem enviadas aos diversos parceiros. Os alvos poderiam ter sido bancos de investimento, fundos de investimento, multinacionais fornecedores de equipamentos. No entanto, concentrou-se na Petrobras e nos principais concorrentes de empresas norte-americanas na África e na América Latina: as empreiteiras.
A respeito disso, assistam a palestra do funcionário do Departamento de Justiça, Kenneth Blanco, em evento do Atlantic Council – grupo de lobby nos EUA, especializado em atuar junto à máquina pública e que tem, como um de seus conselheiros, o ex-PGR Rodrigo Janot, que participou do evento em questão.
No seu pronunciamento, Blanco esmiúça a intimidade que mantém com outros PGRs da América Latina. E mostra a estratégia de cooperação com a Lava Jato, que consistia em alimentar juiz e procuradores informalmente (atenção, sabichões: entendem o significado desse “informalmente”, de não passar pela supervisão de nenhum órgão de Estado, Itamaraty ou Ministério da Justiça?) para instruir as denúncias. Aqui, uma explicação didática de como a luta contra a corrupção tornou os EUA xerifes do mundo.
  • Fato - O DHS trabalhou com o juiz Sérgio Moro, procuradores e delegados de Curitiba no caso Banestado, tendo, inclusive, identificado remessas de José Serra para o exterior. Entenda aqui como Serra percebeu esse jogo muito antes do Instituto Fernando Henrique Cardoso, dirigido por seu aliado Sérgio Fausto
  • Fato. O Departamento de Justiça alimentou Moro e procuradores informalmente com informações, visando instruir o processo da Lava Jato, como explicou o próprio Kenneth Blanco no vídeo indicado acima.
  • Fato. Enquanto PGR, Rodrigo Janot foi a Washington, chefiando uma missão da Lava Jato, encontrou-se com a advogada Leslie Caldwell, procuradora-adjunta encarregada da Divisão Criminal do Departamento de Justiça dos Estados Unidos e até dois anos antes, sócia do escritório Morgan Lewis de Nova York, o maior escritório a atuar junto ao setor Eletronuclear norte-americano. Um mês depois, estourou o escândalo da Eletronuclear, graças aos documentos que Janot recebeu de Leslie Caldwell.

Peça 5 – a título de conclusão

Esses são os fatos e as deduções.
Em cima deles podem ser construídas outras narrativas. Como, por exemplo, a de que a DHS e a CIA aplicam a lei anticorrupção apenas porque o protestantismo tornou os EUA um país virtuoso. Ou que as sucessivas confraternizações entre grupos de lobby norte-americanos, Sergio Moro, procuradores da Lava Jato, João Dória, Pedro Parente, simbolizam apenas a vitória da fé e da virtude de um grupo de brasileiros ilibados, contra o caráter fraco e predatório de sociedades intrinsicamente corruptas como a nossa.
Mas, aí, nossos cientistas teriam que abrir mão de qualquer veleidade analítica, e se igualar a Luís Roberto Barroso, Sérgio Moro e Deltan Dallagnoll, os atores e intérpretes de um país à beira do caos.
PS – Quando menciono o respeito que tenho por ambos, Sérgio Fausto e Celso Rocha Barros, não recorri à retórica da ironia. É respeito genuíno, sim.

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