Nassif: Xadrez de como a mídia protegeu o Casino e jogou a culpa em Pimentel
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por Luis Nassif - no GGN - TER, 24/10/2017 - 19:01 ATUALIZADO EM 19/04/2018 - 22:58
Peça 1 – a Polícia Federal assume a linha editorial de O Valor
A Operação Acrônimo da Polícia Federal conseguiu um feito espetacular: decretar definitivamente a morte do jornalismo. O jornal Valor, um dos últimos resistentes, montou uma equipe de quatro repórteres, em tempos de escassez, para a reportagem “Mulher de Pimentel foi elo com grupo empresarial, diz PF”.
Não se trata de episódio nebuloso, que exigiu investigação, perspicácia e fontes especiais. Tratava-se apenas de analisar o inquérito da PF à luz dos fatos ocorridos entre junho e outubro de 2011, um dos temas mais comentados da mídia, porque uma guerra entre assessorias e suas fontes que chacoalhou a imprensa.
Bastaria uma mera consulta ao Google para oferecer aos leitores de o Valor uma notícia de qualidade.
A acusação - A PF acusa Fernando Pimentel, quando Ministro do Desenvolvimento Indústria e Comércio (MDIC), de ter beneficiado o grupo Casino, ao impedir que o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) financiasse a fusão entre o Pão de Açúcar, de Abílio Diniz, e o Carrefour. Mais que isso, indicia sua esposa, na época assessora de comunicação do MDIC, e o ex-presidente do BNDES Luciano Coutinho, justamente o maior defensor da fusão.
Os fatos – na época, a mídia se vangloriou do feito de ter impedido a operação BNDES-Abílio Diniz.
Quem se vangloriava de ter sido responsável pelo fracasso da fusão foi a imprensa, mais especificamente as Organizações Globo, em editorial e através de seus colunistas.
Mas a lógica midiática funciona assim: a mídia tem o mérito de ter impedido a fusão entre Pão de Açúcar-Carrefour, e Pimentel tem a culpa de ter impedido a fusão entre Pão de Açúcar e Carrefour.
De duas uma: ou o veto à operação era legítimo, e aí a mídia e Pimentel estavam certos; ou o veto era indecoroso, e ambos são cúmplices.
Nem uma coisa, nem outra, como se verá a seguir.
Peça 2 – a lógica inicial
O Casino tornou-se sócio do Pão de Açúcar ainda nos anos 90. Em determinado momento da sociedade, Abílio Diniz acertou com o Casino transferir o controle do grupo até 2012.
Em 2011, com o mercado de consumo bombando, com a ajuda do Banco Pactual, de André Esteves, Abílio pensou em uma saída estratégica: associar-se ao Carrefour, que estava em dificuldades, e comprar a parte do Casino.
A estratégia era interessante. Os supermercados são a porta de entrada cada vez maior para os alimentos em geral. As redes francesas sempre tiveram papel relevante no escoamento da produção agrícola do país. Associando-se a uma marca mundial, o agronegócio e a indústria de alimentos brasileira poderia ter canais internacionais de escoamento.
Pode-se discutir se ocorreria ou não esse benefício ou se, a exemplo da Inbev, internacionalizaria o capitalista brasileiro, sem beneficiar o produtor. Mas a tese fazia sentido, a ponto de ser endossada por uma reportagem do Financial Times, de 1o de julho de 2011, quando o fato ganhou as manchetes:
A reportagem diz que os políticos brasileiros estão preocupados com o fato de o Brasil estar se consolidando principalmente um exportador de commodities.
"Então, estão entusiasmados (com a ideia de) criar campeões nacionais em outros setores, mesmo que sejam parcialmente controlados por estrangeiros", diz o texto, agregando que o know-how trazido pela rede varejista francesa poderia ajudar a ampliar ao exterior os negócios do novo empreendimento.
E o maior defensor da operação, aliás defensor histórico da lógica dos “campeões nacionais” era o então presidente do BNDES Luciano Coutinho – agora indiciado pela PF por supostamente ter atrapalhado a operação.
Peça 3 – a guerra midiática
A base da acusação da PF foi o fato do Casino ter bancado uma conta milionária do consultor Mário Rosa e parte do recurso ter sido pago a Carolina Oliveira, na época contratada pelo BNDES para ser assessora do MDIC, e que posteriormente se casaria com Pimentel.
Para reforçar a acusação, a PF compara os valores pagos a Mário Rosa, na casa dos R$ 2 milhões, com afirmações de Abílio, que teria se limitado a contratar a Máquina de Notícias por módicos R$ 50 mil.
Mentira evidente! Foi uma guerra milionária na qual Abílio não economizou recursos. Na biografia autorizada de Abílio, por Cristiane Correa, a guerra midiática é relatada assim:
“A briga foi amplificada na imprensa. Diariamente, reportagens e notas esmiuçavam o andamento do caso. Nesse campo, o Casino estava mais bem preparado do que Abílio. Havia quase três meses que a FSB, maior agência de comunicação do Brasil, fora contratada pela varejista francesa (o Casino recrutaria ainda outras empresas e especialistas, como a In Press e os consultores Mario Rosa e Eduardo Oinegue, mas cabia à FSB a coordenação do processo). Abílio, por sua vez, só começou a se preparar depois do vazamento do jornal francês, ao contratar a agência Máquina da Notícia (foram recrutados também os consultores Cila Schulman, Sergio Malbergier, Gustavo Krieger e Marcelo Onaga).” Inclusive apresentando o cappo do Casino, Jean-Charles Naouri como o Daniel Dantas francês.
Muito dinheiro rolou, sim. E sempre através das assessorias de imprensa.
Mais que isso, a guerra ganhou a mídia a partir de 1o de julho de 2011. O próprio inquérito da PF constata que no dia 22 de junho de 2011 a proposta foi analisada pela área técnica do banco. Doze dias depois, o parecer determinava que a aprovação estava condicionada à ausência de litígio entre Pão de Açúcar e Casino.
Essa foi a análise inicial e foi a decisão final do banco. Não houve incoerência. O enorme burburinho ocorrido na mídia visou exclusivamente valorizar os contratos das assessorias de imprensa e seus aliados.
Mais à frente, quando o BNDES oficialmente negou a operação, a decisão foi saudada como se fosse uma vitória da mídia. No entanto, a brilhante delegada do PF conclui que a cláusula de 22 de junho era a prova de que Abílio foi prejudicada pelo lobby do Casino.
Ora, o único lobby que ocorreu na época foi a contratação, pelo BTG Pactual, do ex-Ministro Antônio Palocci para atuar, visando reverter a decisão. O próprio Palocci acenou com a delação sobre as tratativas de Abílio e do Banco Pactual – que organizava a tentativa de fusão – para influenciar o governo.
A denúncia não para aí. Desde os anos 90 é praxe o BNDES contratar uma pessoa para disponibilizar como assessor de imprensa do Ministro. O relatório da PF trata como se fosse manobra excepcional para beneficiar Carolina. Soma não apenas os salários do ano, mais os gastos com viagens nacionais e internacionais – a serviço – e computa tudo como se fosse ganho líquido da funcionária.
Peça 4 – cronologia de uma guerra que não houve
Como se viu, no dia 22 de junho de 2011, a área técnica do BNDES já tinha recomendado que o aporte na fusão Pão de Açúcar-Carrefour só fosse autorizado caso não houvesse conflito entre Abílio e o sócio Casino.
A guerra midiática que se seguiu foi no sentido de reverter a decisão do banco. E a principal arma do Casino foi a Globo. Confira-se na cronologia dessa falsa guerra:
30 de junho – BNDES diz confiar em entendimento de varejistas. Os jornais já sabiam que a operação só sairia se houvesse a concordância do Casino.
1o de julho – BNDES reforça que oferta não é hostil. E que só apoiará Pão de Açúcar e Carrefour após entendimento amigável. Ou seja, o fato consumado era a decisão de não apoiar a fusão, sem o consentimento do Casino.
1o de julho – Cai por terra tese sobre fusão Pão de Açúcar/Carrefour. Os jornais já dão a operação por fracassada.
1o de julho – Mirian Leitão faz longo artigo criticando a fusão que já havia sido descartada pelo BNDES. Qual a lógica, se o próprio banco não havia concordado com a operação?
2 de julho – Sob pressão, BNDES ameaça desistir da fusão Carrefour-Pão de Açucar. Uma manchete fantasiosa, já que a decisão do corpo técnico se deu antes de qualquer pressão.
5 de julho – Mirian Leitão diz que “BNDES deveria ter aguardado o desfecho da briga entre sócios”. Uma matéria fake em defesa do Casino, já que a área técnica havia condicionado a operação a um acordo entre os sócios.
8 de julho – BNDES vê com ceticismo fusão entre varejistas
24 de outubro – BNDES vai retirar apoio à fusão Pão de Açúcar / Carrefour. Apenas formalizando o que a área técnica já havia recomendado.
24 de outubro – Mirian Leitão celebra que “opinião pública derrubou proposta de fusão”. Não era verdade, porque a recomendação do BNDES foi anterior à pressão da mídia. Matéria para valorizar a própria influência. Mas se atribui a mídia o fracasso da operação, porque não desmente a denúncia da PF, que atribui a decisão a Pimentel?
24 de outubro – em outro post, a incansável Mirian diz que “Dilma está certa: BNDES nada tem a fazer na fusão”.
24 de outubro – Elio Gaspari diz que governo deu ao BNDES a “missão heroica de salvar Abilio Diniz”. E acusa o Ministro Fernando Pimentel de.... apoiar Abílio Diniz. Preso por ter cão, preso por não ter cão.
24 de outubro – Em editorial, sob o título “Mais um desvio de função do BNDES”, O Globo critica a intenção que o BNDES nunca teve em apoiar a fusão.
Criaram um factoide – o suposto apoio do BNDES à fusão, que nunca houve -, montaram uma campanha pesada em favor do Casino, mas tão parcial que o único veículo que apresentou o outro lado, razões a favor da fusão, foi o Financial Times. Se vangloriaram de terem derrubado as pretensões de Abílio. Ajudaram claramente o grupo Casino. Celebraram o fato do governo supostamente ter voltado atrás graças à pressão da mídia. E, quando a PF atribui a frustração da operação a Pimentel, veículos e jornalistas não têm a grandeza de rebater as conclusões.
A contratação de Carolina ocorreu um ano após a decisão do BNDES. E não há uma evidência sequer de que tenha influenciado qualquer decisão de Pimentel, ou que Pimentel tenha influenciado qualquer decisão do BNDES.
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