Sergio Saraiva: Fake News de grife

por Sergio Saraiva - março 25, 2018


Elio Gaspari não confirma que será o novo editor da Revista Intervalo
elio intervalo
Fake News é só um nome modernoso para mal jornalismo – ou simplesmente “jornalismo marrom”. Não é novidade. A novidade são as redes sociais tornando isso acessível a qualquer MBL da vida.intervalo
O jornalista Juca Kfouri, certa vez, nos brindou com a revelação de um truque da antiga revista Intervalo; quando faltava matéria para fechar a revista, o editor enviava um jornalista para perguntar a Roberto Carlos – o maior ídolo popular brasileiro dos anos 60 do século passado – se era verdadeiro o boato – criado pelo editor naquele instante – de que ele, Roberto, estaria de casamento marcado. Roberto negava, obviamente. Na edição daquela semana da revista, uma grande foto do cantor e a manchete: “Roberto Carlos não confirma casamento”. Tecnicamente correta, inteiramente mentirosa.

Das responsabilidades
A respeito disso, na Folha de 25 de março de 2018, a ombudsman mostra como uma reportagem do jornal foi utilizada como fonte pelo site Ceticismo Político – site tirado do ar pelo Facebook após repercutir informações falsas sobre Marielle Franco – a vereadora executada a tiros no Rio de Janeiro:
“O caso merece reflexão, especialmente porque a difusão das mentiras, em grande parte, teve como origem reportagem publicada pela Folha no dia seguinte ao assassinato da vereadora. No papel, o título era: “Magistrada diz que Marielle tinha elo com bandidos”. Identifico alguns problemas. O primeiro no critério noticioso da postagem, o segundo na forma como o texto foi construído e o terceiro, e mais importante, os títulos que a Folha publicou a respeito. Cito o novo Manual da Redação da Folha: “Títulos e subtítulos constituem o principal, quando não o único, ponto de contato de muitos leitores com a notícia. Sua formulação deve ser atraente e responsável, especialmente nas plataformas digitais, onde se perde a visão de conjunto.” E recomenda: “Evite truques para caçar cliques, como formulações sensacionalistas ou omissões destinadas a iludir o leitor”.
A ombudsman conclui: “de qualquer ponto de vista, o jornal deve refletir sobre sua parcela de responsabilidade em ser a origem da disseminação de notícia falsa”.
A ombudsman prega no deserto. É possível contar um monte de mentiras falando-se apenas…
Fake News de grife
Nessa mesma edição, algumas páginas a frente, Elio Gaspari – uma das grifes do jornal – traz a matéria: “Caravana de Lula teve escolta policial”.
Por ela ficamos sabendo que:
“nos primeiros dias de sua cravana pelo Rio Grande do Sul, Lula passou por algo que jamais lhe aconteceu. Em Bagé, a estrada foi bloqueada e de um guindaste pendia um pixuleco encarcerado. Em Santa Maria , reuniram-se manifestantes para hostilizá-lo. Para chegar a São Borja , com escolta policial, teve que tomar uma estrada de terra porque a rodovia estava bloqueada. Em São Vicente do Sul, um grafite dizia “Lula ladrão”. O percurso do ex-presidente foi semelhante ao que ele fez em 1994, quando disputou a Presidência contra Fernando Henrique Cardoso e o Real. Ele atravessou o Rio Grande do Sul num ônibus sem que houvesse um só incidente”.
E, então, Gaspari decreta: “mudaram Lula, o Brasil e seus adversários”. Lula para pior. Seus adversários também. O Brasil? Quem sabe? Conforma-se Gaspari.
Uma leitura inicial do artigo de Gaspari poderia nos levar a concluir que Lula – antes amado pelas massas – hoje, é tão execrado que necessita de escolta policial para não ser agredido pelo povo.
Black blocs de bombachas
Lembram-se daquela recomendação do manual da redação da Folha que alerta para omissões destinadas a iludir o leitor”? Pois bem, se a leu, Gaspari decidiu não segui-la.
Se Gaspari tivesse apenas buscado a edição impressa do dia anterior do jornal para o qual trabalha, saberia que o grupo de “manifestantes” que hostilizou Lula em sua chegada a Passo Fundo – e não eram outros, nas outras cidades – contava com a participação de míseras 80 almas violentas e miseráveis – e tão somente isso – oitenta. Todos proprietários rurais com seus tratores e máquinas agrícolas bloqueando estradas e queimando pneus. Um trator agrícola – dos simples –  não sai por menos de 150 mil reais. Fora suas picapes – que proprietário rural sem picape, não é proprietário rural.
passo fundo
Saberia também que esse pequeno número de homens brancos – como sempre – portava de pedras, chicotes e correntes a tacos de beisebol. Há fotos circulando de pelo menos um deles armado com uma pistola. E agrediram os participantes da caravana de Lula. Saberia que se trata dos correligionários de Jair Bolsonaro – vestidos inclusive com sua camiseta, para que não houvesse dúvidas. Bolsonaro é adversário de Lula na corrida presidencial de 2018.
bombacha
Manifestantes? Black blocs de bombachas. Tão manifestantes quanto podem ser manifestantes os brutamontes das torcidas organizadas de futebol.
Manifestação ou intimidação?
“Detalhes” que escaparam a Gaspari, ou talvez, como nos ensinou o jornalista PHA – Paulo Henrique Amorim – fatos que não vêm ao caso.
Lula não mudou, Gaspari não mudou e o jornalismo não mudou.
A Revista Intervalo
Mais um momento “Intervalo” de Gaspari, na mesma coluna – Gaspari estava impossível este fim de semana – trata-se do “indulto do Lula”:
“Nos subúrbios das conversas sobre a eleição presidencial circula um novo ingrediente: a negociação da promessa de um indulto para Lula com um dos candidatos que consiga chegar ao segundo turno”.
E, após isso, candidamente – atenção para o “candidamente” – Elio nos diz: “nada garante que isso seja verdade, mas, se for, faz sentido”.
Se “nada garante que isso seja verdade”, Elio Gaspari deveria ter publicado essa nota na coluna “Mexericos da Candinha” na Revista Intervalo – e não na Folha de São Paulo.
PS: Fake News – Candinha escrevia para a “Revista do Rádio” – mas, quem vai conferir a fonte?

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