Psicográficos: a análise comportamental que ajudou a Cambridge Analytica a conhecer as mentes dos eleitores
A Cambridge Analytica foi contratada para a campanha de Trump e forneceu uma nova arma para a máquina eleitoral. Enquanto usava segmentos demográficos para identificar grupos de eleitores, tal como na campanha de Clinton, a Cambridge Analytica também segmentou através de psicográficos.
Por Michael Wade.
esquerda.net - 21/03/2018
Por Michael Wade.
esquerda.net - 21/03/2018
Fotografia: GarryKillian/Shutterstock
Os acordos entre a Cambridge Analytica e o Facebook que vieram a público têm todas as armadilhas de um thriller de Hollywood: CEO vilão tipo Bond, um bilionário recluso, um delator ingénuo e contraditório, um cientista de dados hipster tornou-se político, um académico com o que parece ser uma ética questionável e, claro, um presidente triunfante e a sua influente família.
Muito se discutiu sobre a forma como a Cambridge Analytica conseguiu obter dados de mais de 50 milhões de utilizadores do Facebook – e como alegadamente não conseguiu apagar a informação quando lhe foi pedido que o fizesse. Mas também há a questão do que é que a Cambridge Analytica fez mesmo com os dados. Na verdade, a abordagem que a empresa faz aos dados representa uma mudança gradual na forma como a análise pode hoje ser usada como uma ferramenta para gerar insights e exercer influência.
Por exemplo, os analistas de dados usaram a segmentação para identificarem determinados grupos de eleitores, por exemplo, categorizando o público por género, idade, salário, habilitações literárias e tamanho do agregado familiar. Os segmentos também podem ser criados em torno da afiliação política ou de preferências de compra. A máquina de análise de dados que a candidata presidencial Hillary Clinton usou na sua campanha de 2016 – chamada Ada, devido à matemática do século XIX e pioneira em computação inicial – usou técnicas de segmentação de última geração para direcionar grupos de eleitores elegíveis, tal como Barack Obama tinha feito quatro anos antes.
A Cambridge Analytica foi contratada para a campanha de Trump e forneceu uma nova arma para a máquina eleitoral. Enquanto usava segmentos demográficos para identificar grupos de eleitores, tal como na campanha de Clinton, a Cambridge Analytica também segmentou através de psicográficos. Enquanto definições de classe, educação, emprego, idade e por aí fora, os dados demográficos são informativos. Os psicográficos são comportamentais – uma forma de segmentar consoante a personalidade.
Isto faz todo o sentido. É óbvio que duas pessoas com o mesmo perfil demográfico (por exemplo, homens brancos, de meia idade, empregados e casados) podem ter personalidades e opiniões muito diferentes. Também sabemos que a adaptação de uma mensagem à personalidade de uma pessoa – sejam elas comunicativas, introvertidas, argumentativas e por aí fora – ajuda muito a fazer com que ela passe.
Entender melhor as pessoas
Tradicionalmente, há duas formas de determinar a personalidade de alguém. Podemos conhecer muito bem as pessoas – geralmente durante um período muito longo – ou podemos levá-las a fazer um teste de personalidade e pedir-lhes que a partilhem connosco. Nenhum destes métodos está realisticamente aberto aos analistas de dados. A Cambridge Analytica encontrou uma terceira forma, com a ajuda de dois académicos da Universidade de Cambridge.
O primeiro, Aleksandr Kogan, vendeu-lhes o acesso a 270.000 testes de personalidade feitos pelos utilizadores do Facebook através de uma aplicação online que ele tinha criado para efeitos de pesquisa. Fornecer os dados à Cambridge Analytica atentou, ao que parece, contra o código de conduta interno do Facebook, mas só em março de 2018 é que Kogan foi banido da plataforma pelo próprio Facebook. Além disso, os dados de Kogan também tinham um bónus: ele teria juntado dados dos amigos que faziam testes – e, com a média de 200 amigos por pessoa, isto chegou a mais de 50 milhões de pessoas.
Contudo, estes 50 milhões não fizeram todos testes de personalidade. É aqui que entra o segundo académico de Cambridge, Michal Kosinski, que acredita que os micro-alvos baseados em informação online podem fortalecer a democracia – descobriu uma forma de engenharia reversa de um perfil de personalidade de atividade do Facebook, tal como os gostos. Escolher pôr “gosto” em imagens de pôr-do-sol, cãezinhos ou pessoas aparentemente diz muito sobre a personalidade de cada um. Tanto, na verdade, que, baseando-se em 300 gostos, o modelo de Kosinski consegue prever o perfil de personalidade de alguém com a mesma precisão que um cônjuge.
Kogan desenvolveu as ideias de Kosinksi, melhorou-as e fez um acordo com a Cambridge Analytica. Com isto – e com dados adicionais recolhidos de outro lado – a Cambridge Analytica criou perfis de personalidade para mais de 100 milhões de eleitores registados dos EUA. Disse-se que a empresa usou esses perfis para publicidade direcionada.
Imagine, por exemplo, que pode identificar um segmento de eleitores que é alto em conscienciosidade e neuroticismo, e outro segmento que é rico em extroversão, mas com pouca abertura. Claramente, as pessoas em cada segmento iriam responder de forma diferente ao mesmo anúncio político. Mas no Facebook não precisam de ver o mesmo anúncio – cada uma verá um anúncio personalizado feito para obter a resposta desejada, seja através do voto num candidato, do não voto noutro ou da doação de fundos.
A Cambridge Analytica trabalhou muito para conseguir desenvolver dezenas de variações de anúncios sobre diferentes temas políticos, como a imigração, a economia e o acesso às armas, todos adaptados a diferentes perfis de personalidade. Não há provas de que a máquina eleitoral de Clinton tenha conseguido fazer o mesmo.
A análise comportamental e o perfil psicográfico vieram para ficar, independentemente do que for feito da Cambridge Analytica – que criticou vigorosamente aquilo a que chama “falsas alegações nos media”. De certa forma, industrializa o que os bons vendedores sempre fizeram, ajustando a mensagem e a entrega à personalidade dos clientes. Essa abordagem para a eleição – e mesmo para o marketing – será o legado final da Cambridge Analytica.
Publicado originalmente em The Conversation.
Michael Wade é é professor de Inovação e Estratégia na IMD Business School. Tradução de Ana Bárbara Pedrosa para o Esquerda.Net.
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