Izaías Almada: Coronel Robson, Esquivel e caravana de Lula pelo sul, respiros de paz e democracia
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O CORONEL E O PRÊMIO NOBEL
por Izaias Almada, especial para o Viomundo
Quero começar o artigo transcrevendo o trecho que antecede uma carta escrita pelo coronel Robson Rodrigues da Silva, oficial da PM do Rio de Janeiro, a um seu colega de profissão também oficial da PM carioca:
“Cada morte violenta me arranca um pedaço da alma, pois os mais de 60 mil homicídios ao ano nos distanciam, e muito, do lugar civilizatório que, julgo, mereceríamos ocupar como país tão lindo como o nosso. Calo e sofro, choro em silêncio. Não me apraz falar, não me apraz comparecer a rituais de despedida fúnebre e sentir o sofrimento das pessoas, principalmente dos familiares, em respeito a suas dores.”
“O cargo me obrigou a assistir inúmeros enterros, de inúmeras vítimas policiais de uma guerra fratricida que nos prostra enquanto seres humanos. Uma guerra inglória. Abri uma exceção por um dever de consciência; para falar de uma amiga, a vereadora Marielle, porque, se sua morte me impactou, muito mais tem impactado a forma vil e cega e infame como ela vem sendo tratada por algumas pessoas nas redes sociais. Pessoas que não conheceram Marielle.”“Senti-me na obrigação de informar a amigos desinformados sobre quem ela era; amigos que considero e que são bombardeados por bobagens e falsas informações sobre a vereadora que não conheceram.”
A íntegra da carta, que pode ser lida abaixo, é um documento que, acima de nobre, nos dá a entender que nem tudo está perdido dentro de uma instituição como a PM do Rio do de Janeira e, quiçá, de suas irmãs em todos os estados da Federação. Vale a pena ser lida e divulgada.
Enquanto isso o ex-presidente Lula começa novo giro pelo Brasil, dessa vez pelo sul do país.
Mesmo com a cara fechada de alguns pelo caminho, tudo leva a crer que terá a mesma repercussão das caravanas que já foram feitas no ano passado, com enorme afluência de brasileiros que já entenderam a diferença entre os oito anos de seu governo e o desastre de apenas um ano do usurpador Michel Temer.
O ex-presidente Lula não é só um candidato a candidato. Carrega na sua bagagem um dos melhores governos do Brasil republicano, aquele que mais fez pelo povo trabalhador humilde. Bater nessa tecla começa a ficar cansativo.
Mas Lula carrega também junto a si o ódio e o preconceito de uma parte da elite mais boçal que o Brasil encerra dentro de grandes mansões com muros de três a quatro metros de altura espalhadas pelas principais capitais do país e de algumas fazendas defendidas por jagunços armados, essa turminha da democracia de mão única. Sem falar no caixa forte dos grandes bancos.
Prêmio Nobel da Paz em 1980 o escritor argentino Adolfo Pérez Esquivel tomou a iniciativa de indicar o ex-presidente Lula para a próxima reunião do Nobel, sugestão logo em seguida apoiada por inúmeros parlamentares de países membros do MERCOSUL, entre eles o deputado argentino Oscar Laborde que declarou: “a exclusão de Lula das eleições presidenciais brasileiras seria um fato gravíssimo não só para o Brasil, mas para toda a América Latina”.
Defender Lula nesse momento não é mais uma questão partidária e não estou aqui dizendo nenhuma novidade. É, sim, defender a democracia e a Justiça com J maiúsculo, além de ser o candidato mais confiável de todos que vêm se apresentado para disputar as próximas eleições de outubro.
Confiável no sentido de que já demonstrou que é capaz de fazer um bom governo, enquanto as alternativas no campo progressista são verdadeiras incógnitas, até pela inexperiência política de alguns.
A “aceitação” do golpe mequetrefe dado em 2016 é em meu modesto ponto de vista, um contrassenso.
Todo e qualquer golpe de estado é uma violência contra a democracia, mesmo a democracia burguesa já bastante viciada em muitas “alternativas” para a manutenção de grupos economicamente fortes na defesa de interesses e de privilégios.
O quadro político do momento está cheio de expectativas não muito interessantes para o Brasil.
O assassinato de Marielle demonstra o que pretendo dizer, esperando eu que esse tipo de violência pare o quanto antes.
A carta do coronel Robson Rodrigues da Silva e a caravana de Lula pelo sul do Brasil são dois respiros de paz e vigência democrática sem o uso das aspas.
Que a primeira repercuta dentro das instituições policiais brasileiras e que as caravanas de Lula sigam o seu percurso em paz rumo às eleições de outubro próximo.
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“OS SINOS DOBRAM POR TI”
por Robson Rodrigues da Silva*
Cada morte violenta me arranca um pedaço da alma, pois os mais de 60 mil homicídios ao ano nos distancia, e muito, do lugar civilizatório que, julgo, mereceríamos ocupar como país tão lindo como o nosso.
Calo, sofro, choro em silêncio. Não me apraz falar, não me apraz comparecer a rituais de despedida fúnebre e sentir o sofrimento das pessoas, principalmente dos familiares, em respeito a suas dores.
O cargo me obrigou a assistir inúmeros enterros, de inúmeras vítimas policiais de uma guerra fratricida que nos prostra enquanto seres humanos. Uma guerra inglória.
Abri uma exceção por um dever de consciência; para falar de uma amiga, a vereadora Marielle, porque, se sua morte me impactou, muito mais tem impactado a forma vil e cega e infame como ela vem sendo tratada por algumas pessoas nas redes sociais. Pessoas que não conheceram Marielle.
Senti-me na obrigação de informar a amigos desinformados sobre quem ela era; amigos que considero e que são bombardeados por bobagens e falsas informações sobre a vereadora que não conheceram.
Segue abaixo uma dessas mensagens que enviei a um amigo a quem considero bastante e que talvez possa servir a outros amigos.
Caro amigo xxxx (oficial PM)
Te conheço há bastante tempo para saber o quanto você é inteligente para não se deixar levar por esses discursos que destilam o ódio, mesmo nesses momentos de dor.
Deveríamos, sim, nos unir enquanto sociedade contra o maior problema civilizatório que nos afeta e dilacera: a violência homicida. Apesar disso, há pessoas que insistem em simplificar questão tão complexa, dividindo o mundo em direita e esquerda. Você está além disso que eu sei.
Choro pelas mortes infames, do cidadão comum, dos meus amigos, dos meus amigos policiais dos quais já perdi a conta inúmeras vezes. Meu primeiro serviço como aspirante foi atender a ocorrência do assassinato de um policial militar, adorado em meu Batalhão.
Chorar com sua família me fez pensar o quão difícil seria aquela trajetória profissional que eu havia abraçado.
Meu sentimento é expressado nos versos do poeta John Donne: “a morte de qualquer homem (ou mulher) me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”.
Choro agora por uma amiga admirável, sobretudo porque lutava contra essa estupidez e sonhava com uma sociedade melhor. A vereadora Marielle era corajosa; lutava a favor das minorias, mas principalmente contra a estupidez das mortes desnecessárias que têm endereço e destinatários certos.
Mortes muitas vezes festejadas por pessoas que querem que nós, policiais, façamos para elas o serviço sujo de um extermínio fascista. Não se esqueça que também acabamos vítimas dessa estupidez.
Conheci Marielle quando ela me trouxe, de forma educada mas contundente, o caso de algumas mães amedrontadas com a ação de policiais que barbarizavam moradores de uma certa favela com UPP.
Os fatos eram indefensáveis. Aqueles comportamentos não era o que se podia esperar de uma instituição que existe para combater o crime, mas, sobretudo, para servir a população. Tomei minhas providências.
Se Marielle veio até a mim buscando solução, era porque era porque confiava na polícia, pelo menos em parte dela, uma parte da qual eu te incluo.
Marielle, assim como nós, não confiava na polícia violadora de direitos, na polícia bandida, mas confiava na instituição policial, naqueles que não querem que ela seja instrumentalizada para fins vis e elitistas, sendo direcionada para os mesmos estratos de onde a maior parte de nossos próprios policiais vem.
Depois disso ela me procuraria para saber como ajudar policiais que sofriam abusos, assédios moral e sexual e outros tipos de violações de direitos. Eu te pergunto: alguém que “só quer defender bandido” teria esse comportamento?
Na ocasião, me lembro de ter comentado com ela do sofrimento dos policiais subalternos, da mulher policial, da mulher negra policial etc. Um fato em especial me tocava naquele momento: o de viúvas de PM.
Eu disse a ela que uma das formas de ajudar poderia ser agilizando os processos de obtenção de suas pensão. Há trâmites administrativos que emperram a pensão da viúva e que extrapolam as possibilidades da corporação; há também a lentidão da investigação da morte dos policiais militares por parte da PCERJ, que é formalidade do processo.
Ela se interessou e, depois, junto com o deputado Marcelo Freixo, criaram um núcleo de atendimento a policiais. Mesmo depois de ter deixado a PM, encaminhei alguns casos a eles.
Nossos praças e oficiais mais subalternos, principalmente as policiais negras, são discriminadas diariamente em nossa instituição, sofrem assédios, sobretudo por parte de pessoas como nós, oficiais e brancos.
Recentemente a PM impôs limite de vagas para mulheres no concurso do CFO, mas contra isso ninguém de dentro se colocou.
Marielle se interessava por essas causas, que, infelizmente, ainda não tocam nossa sensibilidade institucional. Com suas bandeiras ela defendia muito mais nossos policiais do que nós fomos capazes de compreendê-lo e de fazê-lo.
Portanto, postagens maldosas como essas, que vêm circulando nas redes sociais, além de não retratarem a realidade, são de um imenso desrespeito não só à historia de Marielle, mas aos nossos policiais honestos e trabalhadores sofridos, sobretudo as policiais negras, que tanto necessitam ser acolhidos nas causas que ela magnificamente defendia.
Que tenhamos Marielle presente para transformar nossa polícia em uma instituição melhor para a sociedade e para policiais vocacionados.
*Coronel Robson Rodrigues da Silva é oficial da PM do Rio de Janeiro.
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