Chomsky: “princípios do livre mercado são ótimos para ser aplicados aos pobres, mas os muito ricos são protegidos”

Noam Chomsky no documentário Réquiem Pra um Sonho Americano. Foto: Reprodução/YouTube
DCM -Postado em 11 de março de 2018

O jornalista Jan Martínez Ahrens entrevistou Noam Chomsky sobre os livros “À Prova de Fogo” e “Réquiem Para o Sonho Americano” no El País. Confira trechos:
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Pergunta. Vivemos uma época de desencanto?
Resposta. Já faz 40 anos que o neoliberalismo, liderado por Ronald Reagan e Margaret Thatcher, assaltou o mundo. E isso teve um efeito. A concentração aguda de riqueza em mãos privadas veio acompanhada de uma perda do poder da população geral. As pessoas se sentem menos representadas e levam uma vida precária, com trabalhos cada vez piores. O resultado é uma mistura de aborrecimento, medo e escapismo. Já não se confia nem nos próprios fatos. Há quem chama isso de populismo, mas na verdade é descrédito das instituições.

P. E assim surgem as fake news (os boatos)?
R. A desilusão com as estruturas institucionais levou a um ponto em que as pessoas já não acreditam nos fatos. Se você não confia em ninguém, por que tem de confiar nos fatos? Se ninguém faz nada por mim, por que tenho de acreditar em alguém?
P. Nem mesmo nos veículos de comunicação?
R. A maioria está servindo aos interesses de Trump.
P. Mas há alguns muito críticos, como The New York Times, The Washington Post, CNN…
R. Olhe a televisão e as primeiras páginas dos jornais. Não há nada mais que Trump, Trump, Trump. A mídia caiu na estratégia traçada por Trump. Todo dia ele lhes dá um estímulo ou uma mentira para se manter sob os holofotes e ser o centro da atenção. Enquanto isso, o flanco selvagem dos republicanos vai desenvolvendo sua política de extrema direita, cortando direitos dos trabalhadores e abandonando a luta contra a mudança climática, que é precisamente aquilo que pode acabar com todos nós.
P. O senhor vê em Trump um risco para a democracia?
R. Representa um perigo grave. Liberou de forma consciente e deliberada ondas de racismo, xenofobia e sexismo que estavam latentes, mas que ninguém tinha legitimado.
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P. Continua apoiando o senador democrata Bernie Sanders?
R. É um homem decente. Usa o termo socialista, mas nele significa mais um New Deal democrata.
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P. Então o neoliberalismo triunfou?
R. O neoliberalismo existe, mas só para os pobres. O mercado livre é para eles, não para nós. Essa é a história do capitalismo. As grandes corporações empreenderam a luta de classes, são autênticos marxistas, mas com os valores invertidos. Os princípios do livre mercado são ótimos para ser aplicados aos pobres, mas os muito ricos são protegidos. As grandes indústrias de energia recebem subvenções de centenas de milhões de dólares, a economia de alta tecnologia se beneficia das pesquisas públicas de décadas anteriores, as entidades financeiras obtêm ajuda maciça depois de afundar… Todas elas vivem com um seguro: são consideradas muito grandes para cair e são resgatadas se têm problemas. No fim das contas, os impostos servem para subvencionar essas entidades e com elas, os ricos e poderosos. Mas além disso se diz à população que o Estado é o problema e se reduz seu campo de ação. E o que ocorre? Seu espaço é ocupado pelo poder privado, e a tirania das grandes corporações fica cada vez maior.
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