MPF manda Polícia Federal investigar dono da Jovem Pan por sonegação e lavagem de dinheiro. Por Joaquim de Carvalho

Por Joaquim de Carvalho - no DCM - 24 de fevereiro de 2018
A casa de Tutinha em Manhattan — segundo Notícia de Fato do MPF, tem cinco andares e vale 10 milhões de dólares – no 221 da East 61 Street
O Ministério Público Federal determinou à Polícia Federal que abra inquérito para apurar a denúncia contra Antônio Augusto do Amaral Filho, o Tutinha, dono da Jovem Pan e do Pânico, pelos crimes de evasão de divisas, sonegação fiscal, lavagem de dinheiro e associação criminosa.
A denúncia envolve também três filhos adultos de Tutinha e a prima dele, Maria Alice Carvalho Monteiro de Gouvêa, que seria responsável pelo envio de recursos ao exterior de maneira a dissimular o nome de Tutinha.
A denúncia integra a Notícia de Fato número 1.34.001.0063220/2016-03, assinada pelo procurador da república Sílvio Luís Martins de Oliveira. Na notícia, a partir de uma representação da ex-mulher de Tutinha, Flávia Eluf Lufty, ele afirma:

—Ressalte-se, por oportuno, que a remessa significativa de divisas para o exterior, sem a comprovação nos autos, indica possível envio de recursos de forma ilegal ou para o fim de promover lavagem de capitais.
O procurador determina à Polícia Federal algumas providências, entre elas o envio de ofícios à Secretaria da Receita Federal para que indique se Tutinha ou os filhos Daniela Amaral de Carvalho, Antônio Augusto Amaral de Carvalho e Gabriela Amaral de Carvalho, bem como a prima e a empresa dela, Consenso Investimentos Ltda., respondem a processo administrativo fiscal.
O procurador determinou ainda a requisição junto à Receita Federal dos dados fiscais de todos eles, no período de 2010 a 2016.
“Sugere-se, ademais, a análise das movimentações bancárias dos envolvidos, referente ao mesmo período, com o objetivo de determinar os caminhos trilhados pelos valores sob análise. Por fim, sejam expedidos ofícios ao Bacen (Banco Central) para que informe se possuem registros das operações de câmbio contratadas pelos investigados acima, bem como promova-se suas oitivas, a fim de que esclareçam e comprovem os fatos noticiados, dentre outras providências a serem adotadas a critério da autoridade policial.”
A notícia foi acompanhada de centenas de cópias de documentos e de um pen drive, que contém as informações sobre os supostos crimes. Esse pen drive, segundo a denúncia, pertenceria ao próprio Tutinha.
Segundo Flávia contou ao procurador, Tutinha deixou o arquivo digital conectado à entrada de USB de um computador quando deixou a casa onde morava com a mulher, Flávia, na rua Groelândia, Jardins.
Sua separação foi turbulenta. Ele teria deixado a casa para viver com outra mulher, e alguns meses depois postou no Facebook uma nota em que relaciona uma série de obras de arte e acusa a ex-mulher de furto.
Daniela, uma das filhas de Tutinha, de um casamento anterior, fez eco ao pai e também acusou a ex-madrasta de furto. A acusação foi parar no Distrito Policial do Itaim, mas não deu em nada. Ainda que a acusação fosse comprovada — e não foi —, não existe o crime de furto entre cônjuges.
O caso é um dos processos que envolvem a família. Em resposta à acusação de furto, Flávia representou contra os dois por injúria e calúnia, processos que estão em andamento na Justiça de São Paulo, já com o depoimento de Tutinha e Daniela agendados.
Ao mesmo tempo em que se defendeu das acusações, Flávia entregou ao Ministério Público Federal o pen drive de Tutinha. No arquivo, segundo se depreende da Notícia de Fato assinada pelo procurador, há riqueza de detalhes da vida financeira de Tutinha.
O procurador conta que, durante o casamento, Flávia descobriu “atos anômalos no campo negocial” e, no pen drive, encontrou documentos e correspondências por e-mail que, em tese, comprovam sua denúncia.
Segundo o despacho do procurador, são documentos em inglês que revelam a existência de empresas e contas em paraíso fiscal, em nome de Tutinha e dos três filhos. Há ainda documentos que comprovam a compra de um imóvel de cinco andares em Manhattan, Nova York, em área muito valorizada, próxima do Central Park, na 221 East  61 street.
O imóvel, segundo a denúncia, não aparece na declaração de renda de Tutinha, referente a 2016, cuja cópia estava no pen drive e foi entregue ao procurador.
Também não aparece a empresa em nome da qual a casa foi comprada, a Holding LLC GHSKLLP. Tutinha, segundo contrato social encontrado no pen drive, é sócio majoritário da empresa, que tem ainda três dos seus filhos como acionistas.
O imóvel foi comprado por 6 milhões de dólares, mas, segundo avaliação da Prefeitura de Nova York, já está valendo 10 milhões de dólares, depois que Tutinha fez uma reforma em que gastou pelo menos 1 milhão de dólares.
Tutinha e Flávia Eluf: separação turbulenta gerou denúncia ao MPF
Na Notícia de Fato do Ministério Público Federal,  também está relatado que existem muitas obras de arte no apartamento, que  teriam sido registradas a preços subfaturados.
“Por sua vez, (Flávia) trouxe também que Tutinha e seus três filhos maiores, Daniela, Antônio Neto e Gabriela, são titulares e/ou beneficiários da empresa estrangeira Kingswood Art Resources Inc. Segundo consta, esta empresa é titular de inúmeros quadros de artistas renomados e de valores expressivos, destacando-se a obra de Frank Stella (Cownway II, 1965) adquirida pela quantia de US$ 750 mil”, relatou o procurador, que prossegue:
“Ela juntou correspondência eletrônica realizada por Tutinha com corretores estrangeiros de obras e arquitetos encarregados das citadas reformas, sendo que diversos documentos comprobatórios dessas empresas encontram-se orçados e quitados em moeda estrangeira, constando a correspondente tradução para a língua portuguesa.”
Ainda segundo o relato do procurador, feito com base na representação da ex-mulher de Tutinha, “as remessas dos valores era feita, na sua maioria, por meio de depósitos em contas bancárias indicadas por Maria Alice Carvalho Monteiro de Gouvêa, responsável pela Consenso Investimentos Ltda., prima de Tutinha e conhecida pela alcunha de Lica.”
Na Notícia do Fato, o procurador Sílvio Luís Martins de Oliveira diz que “os documentos, recibos e as trocas de e-mails ora juntados comprariam o noticiado, declinado às folhas 11/12 trechos de mensagens que, em tese levantariam fortes suspeitas dos delitos até então alegados”.
Na sequência, escreve o procurador: “De igual modo, consta da representação informação de que os bens noticiados  e adquiridos no Exterior, bem como as propriedades e controles acionários das citadas Holdings e offshores, sediadas em paraísos fiscais, não teriam sido objeto de declaração à Receita Federal do Brasil — RFB”.
O procurador segue reproduzindo a denúncia de Flávia, que revela procedimentos suspeitos por parte de Tutinha:
“Não bastasse isso, das DIRFs (declaração de imposto de renda) de Tutinha referentes aos exercícios de 2015-2016, chama a atenção os expressivos valores de bens declarados, contudo, sem a devida comprovação nos autos acerca de suas origens, destacando-se, além de muitos outros, o valor de R$ 13.390.883,15 em cotado capital da MYDDLETON INVESTIMENS LTD, nas Ilhas Virgens Britânicas, bem como a significativa movimentação bancária na conta bancária 1106100 do banco Bradesco em Luxemburgo. Note-se, pois, que se trata de locais notoriamente conhecidos como paraísos fiscais”, escreve.
O ofício foi enviado pelo procurador à Polícia Federal em 11 de novembro de 2016. Três meses depois, no dia 14 de fevereiro de 2017, o delegado da Polícia Federal Eduardo Hiroshi Yamanaka despachou na Notícia Crime, já com 511 páginas, a maioria de documentos juntadas por Flávia. Eduardo Yamanaka não fez nenhuma investigação, ignorando as medidas requisitadas pelo procurador, e se manifestou pela devolução da Notícia de Fato ao Ministério Público Federal.
“A citada petição não informa se houve autorização judicial para a quebra do sigilo fiscal e dos dados dos e-mail de Antônio, fato que gera a figura da prova ilícita”, justificou Eduardo Yamanaka.
Num procedimento que não é comum na Polícia Federal, o chefe do Núcleo de Correições da Superintendência da Polícia Federal em São Paulo, Ulysses Prates Júnior, também se manifestou e avalizou a sugestão do delegado Eduardo Yamanaka.
“Pelo exposto, opino pelo acolhimento da sugestão do Delegado de Polícia Federal Eduardo Hiroshi Yamana e consequente devolução ao Exmo. Procurador da República Oficiante para que, respeitosamente, proceda a reavaliação do presente expediente à luz dos argumentos da referida autoridade policial”, destacou, em despacho assinado em 3 de março de 2017.
O procurador Sílvio Luís Martins de Oliveira respondeu ao delegado, em termos duros. Diz que o delegado “não pode travestir-se de advogado de defesa e espiolhar nulidades”. A ele, cabe tão-somente investigar.. A manifestação do procurador merece reprodução integral:
“Com o devido respeito, a análise quanto à licitude ou não da prova trazida aos autos não cabe, nesta fase preliminar, à autoridade policial. Não pode o delegado de polícia, embora bacharel em Direito, destacar-se de seu fundamental papel de investigador, de esquadrinhador da verdade. Não pode travestir-se em advogado de defesa e espiolhador de nulidades. Principalmente quando nenhuma diligência investigatória foi sequer cogitada.
A noticiante, testemunha presencial dos fatos narrados, independentemente da discussão a respeito da validade jurídica dos documentos que juntou aos autos, sequer foi ouvida. Seu depoimento, como bem sabe, ou deveria saber a autoridade policial, pode lastrear pedido judicial de acesso a informações bancárias ou fiscais, além de pedido de cooperação penal internacional com semelhante propósito.
Requisito, insisto, a instauração de inquérito policial.”
A resposta do procurador Sílvio Luis Martins de Oliveira é de 20 de julho de 2017, mas até agora, sete meses depois, Flávia, na condição de testemunha, não foi chamada. Eduardo Yamanaka já não se encontra mais na Delegacia de Repressão a Corrupção e Crimes Financeiros (Delecor), para onde a Notícia de Fato foi encaminhada.
Em seu lugar, assumiu Karina Murakami Souza, que também estaria de saída.
Por que a Polícia Federal ainda não atendeu à determinação do procurador, que tem poderes para exibir a abertura de inquérito, como determina a Constituição?
Uma explicação é a influência da Jovem Pan como veículo de comunicação. O grupo foi um dos mais ostensivos na campanha que levou à queda de Dilma Rousseff e, nos primeiros meses do governo Temer, foi um dos que lhe deram sustentação.
A Polícia Federal é subordinada ao Ministério da Justiça.
A ex-mulher de Tutinha, Flávia, não dá entrevista, mas amigas disseram que que já está disposta a ir aos Estados Unidos, para entregar cópias de documentos às autoridades do Fisco americano.
Segundo cópias de e-mails e recibos de obras de arte adquiridas nos Estados Unidos, Tutinha teria comprado, através de suas empresas, obras de arte a preços subfaturados, o que significa menos recolhimento de imposto, prática que, nos Estados Unidos, é severamente punida.
Caso cumpra a ameaça de ir aos Estados Unidos denunciar o ex-marido, Flávia Eluf Lufty move mais uma peça numa disputa que começou em 2016, quando Tutinha, depois de se separar, postou em seu perfil  Facebook que 43 quadros e esculturas haviam sumido da residência, entre exemplares de Di Cavalcanti, Amélia Toledo, Tunga, Vik Muniz e os gêmeos.
“Ela me roubou”, acusou ele, segundo reportagem publicada à época pela Veja São Paulo.
“Ela também sumiu com uma coleção de mais de cinquenta relógios, como Rolex. Até panela de 10 reais desapareceu”, disse.
A acusação rendeu um boletim de ocorrência no 15o. Distrito de Polícia, que está parado. A essa acusação, somaram-se outras, mais pesadas.
Tutinha pediu a guarda das duas filhas que teve com Flávia, nos dez anos em que permaneceram casados. Na Vara de Família, ele acusou a ex-mulher de usar drogas. Flávia se submeteu a exame no laboratório Fleury, e o resultado deu negativo.
Por conta disso, Flávia pretende mover outro processo contra Tutinha. Seria o segundo. Ele já responde por injúria e difamação por conta da acusação de furto dos quadros.
Tutinha, por sua vez, conseguiu na Justiça um mandado de reintegração de posse da casa onde ela vive com as duas filha. A casa é dele, comprada antes do casamento com Flávia. Já existe a ordem de despejo, que pode ser cumprida a qualquer momento.
Flávia reclama que não tem onde morar. No acordo de separação, Tutinha teria concordado em pagar o aluguel em um apartamento no Itaim, no valor de R$ 15 mil aproximadamente, conforme recorte de classificado do jornal O Estado de S. Paulo apresentado ao juiz.
O contrato de aluguel, no entanto, não foi assinado. Tutinha exige agora que Flávia se responsabilize pelo contrato e pague um terço do valor do aluguel.
Os números relacionados à separação do controlador da Jovem Pan são expressivos, mas coerentes com o padrão de vida declarado por ele, conforme consta da representação encaminhada ao Ministério Público Federal.
Em 2016, sua renda mensal era de R$ 780 mil.
Hoje, ele paga aproximadamente 30 mil reais de pensão às duas filhas, mais escola e plano de saúde.
Também teria se comprometido a pagar os quatro funcionários da mansão da rua Groelândia, mas os salários deles não estariam em dia.
Flávia se mantém firme na defesa do que considera seu direito, mas, como se vê, têm sido grandes os obstáculos que ela enfrenta.
Há mais de um ano, denunciou o ex-marido ao Ministério Público Federal por supostas práticas ilegais. O procurador acolheu a representação, mas até agora a Polícia Federal não cumpriu a ordem do Ministério Público Federal.
O artista plástico Frank Stella, condecorado por Obama, vendeu uma obra para Tutinha por 750 mil dólares

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