Cíntia Alves: 4 problemas para o TRF4 enfrentar que vão além da propriedade do triplex
Desembargadores terão de decidir se juiz pode ser acusador e se réu pode ser condenado só com delação sem provas
por Cíntia Alves - no GGN - 17/01/2018
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A notícia de penhora do triplex da OAS para pagar dívida junto a um credor incendiou ainda mais o debate sobre o julgamento de Lula no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, marcado para o dia 24. Mas os desembargadores terão de enfrentar outros problemas na sentença de Sergio Moro que vão além da propriedade do apartamento atribuído ao petista, mesmo com provas em sentido contrário.
O GGN selecionou 4 pontos gritantes na sentença de Moro que precisam de resolução na segunda instância.
O TRF-4 terá de responder, por exemplo, se um juiz pode inventar uma acusação na hora de proferir a sentença, ignorando a denúncia do Ministério Público e tudo o que foi debatido durante o julgamento; e se pode um réu ser condenado só com base em delação premiada.
Sempre contrariando o voto do relator João Gebran Neto, os demais membros da 8ª Turma do TRF-4 já decidiram, em alguns processos da Lava Jato, que ninguém pode ser condenado por delação sem prova. Será que eles vão manter esse entendimento no caso de Lula?
Porque, no caso triplex, Lula foi acusado de cometer o crime A e acabou condenado pelo crime B, sendo que Moro foi buscar o argumento final na delação de Agenor Medeiros, da OAS.
1- JUIZ CRIA DENÚNCIA
Os procuradores de Curitiba acusaram Lula de ter cometido crime de corrupção passiva, por ele supostamente ter aceitado favorecer a OAS em 3 contratos com a Petrobras que somaram R$ 87 milhões em propinas. Em contrapartida, recebeu o triplex reformado como vantagem indevida.
Mas sem provas sobre os contratos e os R$ 87 milhões, Lula foi condenado por Moro porque a OAS supostamente criou um "caixa virtual" para o PT, e lá depositou cerca de R$ 16 milhões. O triplex e as reformas para o ex-presidente, na tese de Moro, foram abatidos do valor do caixa fictício. E o resto do dinheiro, o juiz diz acreditar que foi empregado em campanhas do PT. É a hipótese que ele cria para justificar o fato de que a Lava Jato não tem provas de que esse fundo existiu, nem de qualquer rastro de dinheiro saindo dele para quem quer que seja.
2 - PROCESSO SEM CONEXÃO COM A PETROBRAS
Moro escreveu, em resposta aos embargos de declaração apresentados pela defesa de Lula, que nunca afirmou, nem na sentença, nem em nenhum outro lugar, que recursos empregados no triplex teriam como origem a Petrobras.
Aqui, outra questão que o TRF-4 terá de enfrentar: pode a sentença de Moro ser analisada se o próprio juiz admitiu que o caso triplex não tem nenhuma relação com a Petrobras (e, portanto, não deveria ter tramitado em Curitiba)?
3 - USO DE DELAÇÕES SEM PROVAS
Em três momentos importante na sentença, Moro usou as seguintes delações questionáveis:
- A delação de Agenor Medeiros, sobre o caixa virtual de R$ 16 milhões (é esse valor, aliás, que o juiz usa para calcular a multa imposta a Lula na sentença);
- A delação informal de Léo Pinheiro na condição de co-réu, admitindo tudo o que o Ministério Público queria ouvir: que o triplex era um presente para Lula;
- A delação de Delcídio do Amaral e Pedro Corrêa, afirmando que Lula tinha papel fundamental no esquema na Petrobras. As duas são usadas para sustentar o crime de corrupção
A delação dos R$ 16 milhões não foi exaustivamente debatida durante o julgamento do triplex, simplesmente porque não era este o foco da denúncia. Os advogados de Lula alegam cerceamento de defesa.
Moro sequer considerou, na sentença, que a participação de Pinheiro como ajudante de acusação escondia a intenção de fechar um acordo de delação premiada com a turma de Curitiba - acordo este que estava travado e só seria aceito se Lula fosse implicado, como ficou demonstrado em algumas reportagens de jornais da grande mídia.
Na condição de co-réu, aliás, Pinheiro sequer tinha a obrigação de provar tudo o que disse.
Mas Moro decidiu, sem se debruçar sobre a contradição, que a palavra do co-réu merecia "crédito" e ponto.
A Procuradoria-Geral da República, posteriormente, informou à defesa de Lula que nas tratativas em torno da delação, Pinheiro não havia apresentado nenhuma prova contra o ex-presidente.
A delação de Pedro Corrêa, àquela altura, sequer havia sido homologada pela Justiça.
Um mês antes da sentença de Moro sair, o GGN publicou matéria sobre um vídeo que mostra um dos depoimentos de Corrêa, onde ele admite que mudou de versão sobre Lula às vésperas da denúncia do triplex ser apresentada pelo Ministério Público.
A delação de Delcídio é outra polêmica: nem deveria ter sido aceita, segundo o Ministério Público Federal em Brasília.
O procurador Ivan Cláudio Marx já se manifestou nos autos de outro processo contra Lula, afirmando que Delcídio não apresentou nenhuma prova para corroborar tudo o que disse sobre o suposto envolvimento do ex-presidente no petrolão.
Naquele processo, aliás, ficou claro que Delcídio entrou no jogo de implicar Lula em qualquer crime para obter o acordo e se livrar da cadeia.
4 - SELETIVIDADE, OMISSÃO E MANIPULAÇÃO DAS PROVAS
De todos os depoimentos e provas documentais que surgiram durante o julgamento do triplex, Moro, no momento da sentença, se dedicou a expôr aqueles que melhor se encaixavam na tese acusatória.
Não deu atenção aos documentos juntados pela defesa de Lula, que provam que o triplex nunca esteve disponível para o ex-presidente ou quem quer que seja sem que pagamento fosse feito à Caixa Econômica Federal. A penhora do imóvel pagar pagar dívida da OAS só reforça a defesa nesse sentido.
O que Moro mais fez foi selecionar os trechos de depoimentos de executivos da OAS que falavam das reformas feitas para agradar Lula, e escanteou aqueles que falavam sobre o imóvel estar disponível para qualquer cliente.
"(...) devem ser descartados como falsos, porque inconsistentes com as provas documentais constantes nos autos, os depoimentos no sentido de que o ex-presidente e sua esposa eram meros 'potenciais compradores', bem como os depoimentos no sentido de que teriam desistido de tal aquisição em fevereiro ou agosto de 2014, inclusive os depoimentos, ainda que contraditórios, prestados pelo próprio ex-presidente em Juízo e perante a autoridade policial."
Moro sequer citou o depoimento de Paulo Okamotto sobre Léo Pinheiro ter sido informado que se Lula fosse comprar o triplex, seria pelo "preço de mercado". Como essa prova oral é incompatível com a versão da Lava Jato, foi sumariamente descartada, e deu lugar à cobrança por um diálogo que Moro acha que deveria ter existido para provar a inocência de Lula.
"Caso a situação do ex-presidente Lula e de Marisa Letícia em relação ao apartamento 164-A, triplex, fosse de potenciais compradores, seria natural que tivesse alguma discussão sobre o preço do apartamento, bem como sobre o valor gasto nas reformas, já que, em uma aquisição usual, teriam eles que arcar com esses preços, descontado apenas o já pago anteriormente.”
O TRIPLEX É DA OAS
A questão da propriedade do triplex é mais próxima do grande público, mas não deixa de ser menos controversa.
Na sentença dada em julho de 2017, Moro deixou claro que, para ele, era irrelevante o fato de que o triplex não está em nome de Lula, embora a Lava Jato tenha atribuído a ele a posse da unidade no Guarujá.
Na cabeça de Moro, a manutenção em nome da OAS era apenas uma "estratagema de ocultação e dissimulação" da propriedade, parte do crime de lavagem de dinheiro.
Ele escreveu: "(...) nem a configuração do crime de corrupção, que se satisfaz com a solicitação ou a aceitação da vantagem indevida pelo agente público, nem a caracterização do crime de lavagem, que pressupõe estratagemas de ocultação e dissimulação, exigiriam para sua consumação a transferência formal da propriedade do Grupo OAS para o ex-presidente."
Mas como se vê acima, os desembargadores terão um pouco mais de trabalho do que a grande maioria imagina.
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