Relatório de andamento: A guerra EUA-Rússia

1/12/2017, The Saker, Unz Review e The Vineyard of the Saker

Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu
Postado por 

Frequentemente me perguntam se EUA e Rússia irão à guerra entre eles. Sempre respondo que já estão em guerra. Não é guerra como a 2ª GM, mas mesmo assim é guerra. Essa guerra, pelo menos por enquanto, é 80% informacional, 15% econômica e 5% cinética. Mas em termos políticos, o resultado para quem for derrotado nessa guerra não será menos dramático, em termos políticos, do que foi, para a Alemanha, o resultado da 2ª GM: o país perdedor não sobreviverá à guerra, não no formato que tem hoje: ou a Rússia voltará a ser colônia dos EUA, ou o Império Anglo-sionista colapsará.

Na primeira coluna que escrevi para Unz Review (10/7/2015) intitulada "A Tale of Two World Orders" [Conto de Duas Ordens Mundiais], descrevi a modalidade de sistema internacional multipolar regulado pelo Estado de Direito que Rússia, China e aliados e amigos (declarados ou não declarados) em todo o mundo estão tentando construir e o quanto esse novo sistema é dramaticamente diferente do mundo que a hegemonia anglo-sionista monolítica tentou estabelecer em todo o mundo (e impôs quase com sucesso sobre todo esse planeta sofredor!). Num específico sentido, os líderes imperiais norte-americanos estão certos: a Rússia, sim, representa ameaça existencial, não para os EUA como país, ou para o povo norte-americano, mas para o Império Anglo-sionista, assim como esse último representa ameaça existencial para a Rússia. Mais que isso, a Rússia representa desafio civilizacional aos fundamentos do que se conhece vulgarmente como "Ocidente", dado que declaradamente rejeita seus valores pós-cristãos (e, acrescentaria eu, valores também visceralmente anti-islâmicos). Por essa razão os dois lados estão empenhados em esforço imenso para vencer essa guerra.

Semana passada o campo que faz oposição ao Império Anglo-sionista obteve grande vitória, com a reunião entre os presidentes Putin, Rouhani e Erdogan em Sochi: declararam-se, os três, avalistas de um plano de paz que porá fim à guerra contra o povo sírio (chamada no "Ocidente" de "guerra civil", o que jamais foi). E o fizeram sem sequer ter convidado os EUA a participar das negociações. Ainda pior, a declaração final da reunião não menciona EUA. Nenhuma vez. A "nação indispensável" é apresentada como tão irrelevante, que nem precisa ser mencionada.

Para avaliar mais profundamente o quanto o gesto de não fazer qualquer referência aos EUA é ofensivo, é preciso destacar alguns pontos.

Primeiro, sob a liderança de Obama, todos os líderes do "ocidente" declararam urbi et orbi e com muita confiança, que Assad não teria futuro, que tinha de sair, que já seria cadáver político, e que nunca teria papel algum a desempenar no futuro da Síria.

Segundo, o Império inventou uma "coalizão" de 59 (!) países, que nada absolutamente nada conseguiu, nada: uma gangue gigantesca que custou vários bilhões de dólares "incapaz de disparar um tiro que prestasse", liderada pelo CENTCOM e pela OTAN e que só fez prova da mais abjeta incompetência. Diferente disso, a Rússia jamais teve, em momento algum, mais de 35 aeronaves de combate na Síria. E com elas mudou o curso da guerra (com muita ajuda do Irã e do Hezbollah em solo).

Como se não bastasse, o Império decretou que a Rússia estaria "isolada", com sua economia "em frangalhos" – ideias que a mídia sionista papagueou com fidelidade pervertida. O Irã, claro, seria parte do "Eixo do Mal", e seria a "Equipe-A do terrorismo". Quanto a Erdogan, os anglo-sionistas tentaram derrubá-lo e assassiná-lo. Pois Rússia, Irã, Hezbollah e Turquia derrotaram os terroristas e serão, doravante, as forças que darão as cartas na Síria.

Finalmente, quando os EUA deram-se conta de que nunca conseguiriam pôr os terroristas do Daesh no poder em Damasco, começaram a tentar quebrar a Síria em vários pedaços (Plano B); e depois ainda tentaram criar um paraestado curdo no Iraque e Síria (Plano C). Todos esses planos fracassaram. Assad está na Rússia recebido com abraço por Putin, e o comandante da Força Quds do Corpo de Guardas Revolucionários do Irã general Soleimani dá um passeio pelas ruas da última cidade síria da qual o Daech foi expulso.



É possível imaginar o quanto os líderes norte-americanos sentem-se hoje totalmente humilhados, ridicularizados e derrotados? Ser odiado ou enfrentar resistência é uma coisa. Mas ser completamente ignorado?! Isso dói.

Quanto à estratégia, a melhor que conseguiram foi o que eu chamaria de "assédio leve": obrigar os profissionais de RT a se registrarem como "agente estrangeiro"; roubar peças de antiga arte russa; roubar medalhas em massa de atletas russos; tentar proibir a bandeira e o hino da Rússia nos Jogos Olímpicos de Seul; proibir aviões militares russos na próxima feira de show aéreo de Farnborough. E tudo isso só tornou Putin ainda mais popular; o "ocidente", cada vez mais odiado; e os Jogos Olímpicos, muito mais entediantes (vale o mesmo para a feira aérea de Farnborough – as competições aéreas MAKS e de Dubai são muito mais 'sexy'). Oh, e quase esquecia: os "novos europeus" continuarão naquela miniguerra contra estátuas erigidas para homenagear os libertadores soviéticos de incontáveis cidades. Todos esses gestos, assim como a miniguerra dos EUA contra prédios de representações russas nos EUA, são claros sinais de fraqueza.

Por falar de fraqueza.

Já está ficando cômico. A mídia-empresa nos EUA, especialmente a CNN, não consegue passar um dia ser falar mal dos russos do mal; o Congresso dos EUA está tomado de histeria em massa, na disputa para definir quem fez mais contatos 'com os russos', se Republicanos ou Democratas; comandantes da OTAN borram-se nas calças, tomados pelo pânico mais abjeto, cada vez que militares russos organizam manobras; a Força Aérea e a Marinha dos EUA choramingam regularmente que pilotos russos teriam feito "interceptações não profissionais"; a Marinha Britânica põe-se em total prontidão para combate, quando um único (e dos pequenos) porta-aviões russo desliza calmamente pelo Canal da Mancha. – E em todos os casos, a Rússia é sempre o país "fraco"!

Que sentido faz tudo isso?

É porque os russos estão rindo. Do Kremlin à mídia, às redes sociais –, o que mais há são memes hilários sobre o quanto os russos são poderosíssimos, invencíveis e controlam tudo e todos. Mas os russos rolam de rir, principalmente, tentando adivinhar que maconha medicinal o "ocidente" andaria fumando, para tanto tremer de medo (pelo menos oficialmente), de ameaça inexistente.

Sabem o que mais os russos estão vendo?

Que os líderes políticos ocidentais estão buscando apoio em números. Daí as "coalizões" ridiculamente infladas, e as resoluções que não param de brotar de corpos europeus e transatlânticos. Políticos ocidentais são como nerds de internato que, de medo do grandão da sala, andam sempre em fila e de mãos dadas, tentando parecer grandes. Qualquer menino russo sabe que quem procura abrigo na 'turma' sempre é, sempre, bobalhão borrado de medo.

Mas, sim, os russos também lembram que uma nação mínima, com menos de 2 milhões de habitantes, sim, teve coragem para declarar guerra à Rússia e lutou realmente, com empenho, contra a Rússia. Estou falando dos chechenos, claro. Ah, sim, amem-nos ou odeiem os chechenos – mas não há como negar que são gente de coragem. O mesmo vale para a Aliança do Norte, no Afeganistão. Esses combatentes realmente impressionaram os russos. E pode-se até lembrar os nazistas, que infligiram sofrimento inenarrável ao povo russo. Mas nenhum russo jamais dirá que os soldados e oficiais alemães não fossem corajosos e hábeis. Os russos têm até um ditado "Ame/respeite o valente mongol/tátaro" (люблю молодца и в татарине). Para dizer que os russos sabem sem esforço reconhecer a coragem de seus inimigos.

Mas os exércitos de EUA/OTAN?! Parecem comandados por Conchita Wurst.

Não esqueçam:


Nenhum desses homens foi gentil ou "boa gente", em nenhum sentido que se dê a essas palavras. Mas foram importantes. Fizeram diferença e, sim, tiveram muito poder, e poder bem real .

Hoje, o verdadeiro poder tem outras caras.




E querem saber o que mais ofende os líderes anglo-sionistas? Que a foto acima, do verdadeiro poder no século 21, mostre um cristão ortodoxo e dois muçulmanos. Isso também dói. E, claro, assusta muito.

Estamos já muito, muito longe do "nascimento de um novo Oriente Médio" prometido por Condi Rice (é novo Oriente Médio, sim, mas não é o que Rice e os neoconservadores tinham em mente!)

Quanto à "única democracia em todo o Oriente Médio", já entrou em modo de pânico descontrolado, de onde saiu o hoje já exposto plano de trabalharem com os sauditas contra o Irã e os vazamentos flagrantemente montados sobre bombardear todos os itens e quadros iranianos que encontrassem a menos de 40km das fronteiras de Israel. Mas esse trem também já partiu: os sírios venceram, e não há ataques aéreos ensandecidos que mudem isso. Assim sendo, só para garantir que ainda têm caras muito assustadoras, os israelenses agora dizem que, em caso de guerra entre Israel e o Hezbollah, o secretário-geral Hassan Nasrallah é um dos alvos. Uau! Que coisa! Quem diria, hein?!

Estão ouvindo as gargalhadas que vêm de Beirute?

Preocupante é que o pessoal em Washington, Riad e Jerusalém também está ouvindo as risadinhas em alto e bom som, e isso significa que, não demora, terão de fazer alguma coisa, o que, no caso dessa gente, sempre será mais um dos mais alucinados banhos de sangue que fez a fama desse "Eixo da Gentileza": se você não pode derrotá-los militarmente, os civis que paguem a conta (foi o que fizeram no Kosovo em 1999; no Líbano em 2006, no Iêmen 2015). Isso ou, se não, destruam completamente a primeira vítima indefesa que encontrem (Grenada em 1983; Gaza em 2008; Bahrain em 2011). Nada como um bom massacre de civis, para aqueles comandantes ensandecidos sentirem-se machos, respeitáveis e poderosos (e, no caso dos norte-americanos, claro, também "indispensáveis").

Deixando de lado o caso do Oriente Médio, parece-me que já é possível ver os primeiros contornos do que EUA e Rússia farão nos próximos anos.

Rússia: a estratégia russa para enfrentar o Império é simples.



  • Procurar evitar o mais possível e pelo mais longo tempo possível qualquer confronto direto com os EUA, porque a Rússia ainda é o lado mais fraco (sobretudo em termos quantitativos). Isso, e ativa preparação para guerra, sob a antiga estratégia ancestral de si vis pacem para bellum.
  • Protestar o menos possível e tentar cooperar o mais possível naquele "assédio leve": os EUA têm infinitamente mais "soft power" que a Rússia, e a Rússia simplesmente não tem meios para revidar à altura. Assim, pelo menos, tenta conter ou diluir os efeitos desse tipo de "assédio leve". Mas é fato que há ainda muito que os russos podem fazer, além de aceitar o assédio como coisa da vida.
  • Em vez de tentar escapar do Império controlado (economicamente, financeiramente e politicamente) pelos anglo-sionistas, a Rússia optou por deliberadamente contribuir para a gradual emergência de campo alternativo. Bom exemplo disso são as Novas Rotas da Seda promovidas pela China, que estão sendo construídas e avançam sem que se veja nelas qualquer função ou espaço significativo para o Império.

EUA: a estratégia dos EUA é igualmente simples.


  • Usar a "ameaça" russa para dar algum significado e alguma razão de ser para o Império, especialmente para a OTAN.
  • Manter e ampliar o "assédio leve" contra a Rússia em todos os níveis.
  • Subverter e abalar o mais possível qualquer país ou político que dê qualquer sinal de independência ou de desobediência (incluindo os países das Novas Rotas da Seda).

Os dois lados estão usando táticas protelatórias, mas por razões diametralmente opostas: a Rússia, porque o tempo corre a favor dela; os EUA, porque não têm escolha.

É importante destacar aqui que a Rússia está em desvantagem maior, nessa luta:

– os russos querem construir algo; os EUA só pensam em destruir qualquer coisa que os russos construam (exemplos disso é a Síria, claro; mas também a Ucrânia e, em termos mais amplos, uma Europa unida e próspera) [o mesmo se aplica também à América Latina unida e próspera pela qual trabalham vários governos progressistas, os quais, todos, estão hoje sob ataque dos EUA (NTs)].

– Outra grande desvantagem para a Rússia é que a maioria dos governos pelo mundo ainda teme opor-se, seja como for, ao Império; daí brota o silêncio ensurdecedor e a submissão supina do "concerto das nações" [que "as três harpias" chamavam de "comunidade internacional" (NTs)] sempre que Tio Sam [& a tia (NTs)] entram num de seus surtos de violação frenética da lei internacional e da Carta da ONU. Tudo isso está mudando e provavelmente mudará muito, mas muda muito, muito lentamente. A maioria dos políticos do mundo é como os deputados e senadores nos EUA: compráveis, vendidos e nos dois casos, baratos).

A maior vantagem da Rússia é que os EUA estão caindo aos pedaços internamente, economicamente, socialmente e politicamente – você escolhe. A cada ano que passa, os EUA – antigamente a mais próspera nação do mundo– mais e mais se parecem a alguma nação do 3º Mundo. Claro. A economia dos EUA ainda é gigante (mas está encolhendo rapidamente!), mas os grandes números pouco significam, quando a riqueza financeira e a riqueza social estão em conflito, uma contra a outra, misturadas só superficialmente em índices de pseudo-prosperidade. É realmente triste que um país com tudo para ser próspero e feliz, esteja sendo dessangrado até morrer pelo, digamos, "parasita imperial" que se alimenta dele.

Ao fim e ao cabo, regimes políticos só sobrevivem se obtêm o consentimento de seus governados. Nos EUA, esse consentimento já entrou no processe de ser retirado. Na Rússia, nunca foi mais forte. Aí se configura mais uma importante fragilidade dos EUA e, portanto, do Império (os EUA são, de longe, o maior hospedeiro e vetor do parasita imperial anglo-sionista) e importante fonte de estabilidade para o poder na Rússia.

Tudo até aqui se aplica, claro, só aos regimes políticos. O povo, seja na Rússia ou nos EUA, têm interesses exatamente idênticos: pôr abaixo o Império, com a menor quantidade possível de violência e sofrimento. Como todos os Impérios, o Império norte-americano abusou mais de outros países, nos seus anos de formação e plena hegemonia. Agora, como Império decadente, abusa mais do próprio povo. É vital portanto repetir sempre que "EUA-livres-do-Império" não teriam razão alguma para ver a Rússia como inimiga, nem a Rússia, para vê-los como inimigos. De fato, Rússia e EUA têm tudo para serem parceiros ideais. Mas os "parasitas imperiais" nunca admitirão que sejam. Por isso, estamos todos encurralados numa situação absurda e perigosa, que pode resultar numa guerra que, se acontecer, destruirá grande parte do planeta.

Valha o que valer, e apesar da russofobia histérica rampante na mídia-empresa EUA-sionista, não vejo sinal algum de que a campanha esteja sendo bem-sucedida no esforço para contaminar a opinião pública, o povo, dos EUA. No máximo, alguns se deixaram enganar e ingenuamente acreditaram no conto de fadas segundo o qual "os russos tentaram interferir nas nossas eleições". Mas mesmo nesse caso, a crença se autodesqualifica com um dar de ombros: "e daí? Nós sempre fazemos isso em outros países".

Até hoje jamais encontrei qualquer norte-americano que acredite seriamente que a Rússia seria algum tipo de perigo. Nunca senti sequer reações superficiais de hostilidade quando, por exemplo, falo russo com minha família em ambiente público. Praticamente sempre nos perguntam que língua falamos, e quando respondemos "russo", a reação normal é "cool!". Não raro, alguém pergunta "E o que o senhor acha de Putin? Gosto dele". É contraste notável com o que ouço sobre o governo federal, que uma vastíssima maioria de norte-americanos parece odiar furiosamente.

Em resumo, diria que nesse ponto do andamento da guerra EUA-Rússia, a Rússia está vencendo, o Império perdendo e os EUA sofrendo. Quanto à União Europeia, "goza" de uma bem merecida irrelevância, ocupada principalmente com absorver onda após onda de refugiados e provando, mais uma vez, a verdade do dito que ensina que quem mete a cabeça na areia expõe o traseiro aos inimigos.

A guerra em curso está longe de acabar, acho mesmo que ainda nem atingiu o ponto máximo e que as coisas ainda piorarão antes de começar a melhorar outra vez. Mas, feitas todas as contas, continuo otimista, convencido de que o Eixo da Gentileza morderá a lona em futuro relativamente não muito distante.


[assina] The Saker

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