Nassif: Xadrez das Organizações que dominam o Rio - Parte 2
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Peça 1 – os judeus de Niterói
O caso Luiz Zveiter– o poderoso presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro – lança luzes sobre um dos grupos de maior influência, e menos visibilidade, na política do Rio de Janeiro: a comunidade judaica de Niterói.
Os primeiros judeus chegaram à Niterói nas décadas de 1910 e 1920, originários da Polônia, Rússia, Romênia e, especialmente, da Bessarábia. Especialmente os judeus romenos sempre se constituiram em núcleos fechados e bastante polêmicos em todas as comunidades em que se organizaram, até em Israel.
Suas primeiras atividades eram a de clientelchiks ou prestamistas, vendedores ambulantes de mercadorias como joias, relógios, roupas etc. sob prestações, conforme tese de Rosângela Troles “A história dos judeus em Niterói” (clique aqui).
Com a evolução natural, montaram comércio em lojas de móveis, imobiliárias, construtoras etc, cuidando da educação superior dos filhos.
Em 1917 foi fundada a Associação Israelita de Niterói. Em 1922, a Biblioteca Popular Israelita Davi Frishman, visando preservar a cultura ídiche – e que se tornou espaço de convivência da ala progressista da comunidade, que teve como principais lideranças José Godgaber, Henka Godnadel, Moisés Kawa e Isaac Jarlicht.
Em 1925 surgiu o Centro Israelita de Niterói, mantendo uma escola ídiche, e sendo disputado por dois grupos rivais, concorrentes de ideias e no comércio: Isaac Treiger e o de Jacob Tubenchlak.
Progredindo socialmente, as associações se mudaram para a zona sul da cidade, próximas à praia. Um racha da CIN levou à fundação do clube Sociedade Hebraica de Niterói. E, em 1967, o BDF mudou o nome para Associação Davi Frishman de Cultura e Recreação (ADAF), com a sede definitiva incorporando biblioteca e clube.
O lado progressista seguiu a vocação humanista do judaísmo. O lado conservador incorporou Bolsonaro e o MBL em suas pregações.
Peça 2 – a extensa capivara de Luiz Zveiter
Maior influência no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Luiz Zveitertem origem nessa comunidade judaica de Niterói. Faz parte do grupo que veio da Bessarabia e que deu, entre outros, Samuel Wainer, o fundador da Última Hora.
Sua influência começou na OAB-RJ (Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Rio de Janeiro). Seu pai, Waldemar Zveitter, assumiu a presidência.
Vem de Waldemar as relações dos Zveiter com a Rede Globo. Em 1989, Waldemar defendeu Roberto Marinho no divórcio com Ruth Albuquerque. E também contra a TV Aratu, de quem Marinho tirou o sinal da Globo na Bahia, trocando por Antônio Carlos Magalhães – ao mesmo tempo em que ACM lhe dava o controle da NEC, fabricante de equipamentos de telefonia (clique aqui).
Através da instituição, a família Zveiter penetrou profundamente no sistema judiciário brasileiro, valendo-se da figura do Quinto Constitucional (representantes de outros poderes indicados para os tribunais superiores por sua corporação).
Waldemar chegou a Ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça), nomeado por Fernando Henrique Cardoso; Luiz entrou no TJ do Rio também pelo quinto constitucional, indicado pela OAB-RJ. Nenhum dos Zveiter prestou concurso para juiz. Um dos filhos de Waldemar assumiu a OAB-RJ.
A influência de Luiz se ampliou quando assumiu o cargo de auditor da Confederação Brasileira de Futebol e Grão-Mestre da Grande Loja Maçônica do Rio de Janeiro por dois mandatos; o pai, Waldemar, por outros três. Quando deixou a CBF, nomeou o filho como sucessor.
Mas seu poder se consolidou definitivamente como presidente do TJ Rio no biênio 2009-2010, provavelmente a mais polêmica gestão de um presidente de tribunal na história moderna do país.
Antes, como corregedor, foi acusado de ter beneficiado a própria namorada no 61o Concurso para Tabelionato do Rio de Janeiro. O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) abriu um Procedimento de Controle Administrativo (PCA) para investigar o caso (clique aqui). O relator, conselheiro José Adonis Callou de Araújo Sá, afirmou ser “incompatível com os princípios da moralidade e da impessoalidade a participação do Corregedor-Geral de Justiça como presidente da comissão examinadora de concurso do qual participe como candidata a sua namorada ou ex-namorada”.
Na denúncia, os candidatos preteridos sustentaram que Luiz Zveiter era namorado da candidata Flávia Mansur Fernandes, aprovada em 2º lugar; e tinha “amizade íntima” com Heloísa Prestes. Segundo a denúncia, Heloísa não possuía sequer o domínio da língua inglesa e, menos ainda, do vocabulário jurídico (clique aqui). Diziam eles que ambas as candidatas tinham sido beneficiadas em outra ocasião, indicadas por Zveiter para responderem pelo 2º Ofício de Notas de Niterói, em detrimento do substituto.
Posteriormente, a decisão foi derrubada no STF (clique aqui).
Outro episódio contro-vertido foi sua recusa de oferecer proteção policial solicitada pela juíza Patricia Accioly, que investigava corrupção policial na Polícia Militar de São Gonçalo. A juíza foi executada (clique aqui).
Depois, vem uma série infindável de irregularidades, de indícios fortes de corrupção.
Foi acusado de ter feito uma concorrência com preço excessivo, para a construção da sede do Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Rio de Janeiro. A beneficiária foi a construtora Lopes Marinho Engenharia e Construção Ltda. O projeto foi paralisado, mas a construtora recebeu R$ 12 milhões pela obra (clique aqui).
Ainda em 2011 foi acusado de beneficiar a construtora Cyrela, que tinha como advogado seu filho. A empresa disputava uma área com o proprietário. No primeiro julgamento, Zveiter forneceu informações que favoreciam a Cyrela, quando o caso estava sendo analisado pelo TJ. Foi aberto contra Zveiter um Processo Administrativo Disciplinar (PAD).
Segundo a agência CNJ, “o magistrado – na época, presidente do Tribunal de Justiça do Rio – teria fornecido informações, favorecendo assim a incorporadora, quando da análise do caso pela corte fluminense. Em seu voto, a ministra Eliana Calmon destacou os vínculos entre a Cyrela e Zveiter. O escritório de advocacia da família do magistrado, por exemplo, é patrocinadora de várias causas da empresa” (clique aqui).
Finalmente, foi acusado de beneficiar a construtora Delta, de Fernando Cavendish, na licitação para as obras da sede do TJRJ, tendo passado incólume (assim como o governador Sérgio Cabral) pela CPMI de Cachoeira – que gorou graças às pressões das Organizações Globo.
Na ocasião, Zveiter recebeu um elogio inesquecível do governador Sérgio Cabral (clique aqui):
“O presidente está de parabéns pela qualidade que está oferecendo à população do Rio de Janeiro, graças à eficiência ímpar e capacidade singular de liderar um poder do desembargador Luiz Zveiter. Estamos aqui, hoje, para abraçar o Tribunal de Justiça e o senhor por essa iniciativa marcante. Posso afirmar que o Rio de Janeiro tem o melhor Tribunal de Justiça do Brasil”.
Ao todo, o CNJ abriu 26 PCA contra Zveiter (clique aqui). Nenhum foi adiante.
Peça 3 – o segredo da influência de Zveiter
O domínio dos Zveiter sobre o TJ-Rio é absoluto e se consolidou através da distribuição de benesses aos juízes, com a manipulação das diárias. Grande parte dos juízes trabalha fora de suas bases, para aumentar a renda. Por exemplo, o juiz indicado para Quissaman, no mês seguinte é transferido para Bom Jesus de Tabapoana; o de Tabapoana é transferido para Magé. Com esse jogo, além dos R$ 33 mil de remuneração, levam mais R$ 24 mil com esse jogo de diárias.
Esse expediente foi possível graças à Lei dos Fatos Funcionais elaborada por Luiz Zveiter, aprovado em meio ao recesso parlamentar de julho de 2009, na Assembleia Legislativa do Rio, e sancionada pelo governador Sérgio Cabral (clique aqui), de acordo com o excelente levantamento da Agência Pública.
As ligações com Cabral já eram intensas. Entre 2006 e 2010, o escritório de advocacia dos Zveiter recebeu R$ 30,9 milhões em contratos de serviços da Companhia Estadual de Águas e Esgoto do Rio (CEDAE).
Pela Lei de Fatos Funcionais, os juízes têm direito a receber auxílio-saúde, auxílio-moradia, auxílio-educação, auxílio-alimentação, adicionais por acúmulo de funções, por dar aula e outras indenizações.
A Lei permite que, hoje em dia, mais de 98% dos juízes e promotores estaduais ganhem acima do teto (clique aqui).
O grande pacto do Rio juntou, assim, no Executivo Sérgio Cabral; no Legislativo, Jorge Picciani; no Judiciário, Luiz Zveiter. O sistema policial não ficava de fora. Costurando tudo, o ex-deputado Eduardo Cunha, montando acordos com a Polícia Civil e com a Polícia Federal.
Na presidência da Câmara Federal, Eduardo Cunha tentou acelerar a votação da PEC que vincula tetos de subsídios de delegados das polícias Federal a Civil a 90,25% dos proventos de Ministros do STF.
Quanto a PGR denunciou Cunha, coube à Adepol-RJ (Associação dos Delegados de Polícia do Rio de Janeiro) a mais candente defesa de Cunha (clique aqui):
Cumprimentando-o, a Associação dos Delegados de Polícia do Estado do Rio de Janeiro – ADEPOL/RJ -, por seu Presidente, tem a honra de apresentar a Vossa Excelência, o nosso irrestrito apoio contra o ato abusivo da Procuradoria Geral da República de criminalizar mediante a judicialização da política, em matéria tipicamente eleitoral, tendo em conta o pedido de instauração de inquérito, em face de Vossa Excelência, no Supremo Tribunal Federal. Como disse certa feita o Ministro do STF Sepúlveda Pertence, Ex-Procurador-Geral da República, ao afirmar que “havia ajudado a criar um monstro!”.
Zveiterjamais fez questão de esconder sua fortuna.
Sua festa de casamento, no Copacabana Pálace, teve 1.000 convidados, entre os quais 33 Ministros do STJ. Foram consumidas 60 caixas de champagne Taittanger.
Além disso, Luiz Zveiter tem uma frota de automóveis Mercedes de vários tipos. Costumava ir ao Tribunal com uma Mercedes último tipo. Mas foi aconselhada por colegas de que pegava mal.
Em 2017 Zveiter tentou se candidatar novamente, mas o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) impediu por causa de sua ficha, pesadíssima. Mostrou-se dono de grande audácia, tentando forçar a barra, sem conseguir.
Peça 4 – Zveiter e os tribunais superiores
Mesmo assim, montou conexões variadas no Rio, muitas deles em cima das redes de relações da colônia judaica.
Uma dessas figuras é o Delegado da Polícia Federal Marcelo Itagiba, que se tornou influente como aliado de José Serra, e chegou a deputado federal. Outro é Luiz Fichs, judeu-romeno como Zviter, que abrasileirou o nome para Fux, e se tornou Ministro do STF graças, entre outros, ao empenho de Luiz Zveiter e da ex-primeira dama Adriana Anselmo.
Em 2010, a Procuradoria Regional da República questionou a constitucionalidade da Lei dos Fatos Funcionais. Em 2012, o Ministro Ayres Britto votou a favor da PGR. Coube a Luiz Fux pedir vistas do processo, que até hoje está guardado em sua gaveta.
Além de ex-desembargador do TJRJ, Fux é pai de Marianna Fux, jovem advogada, inexperiente, que chegou a desembargadora do TJRJ graças a dois padrinhos poderosos: Luiz Zvitter e a ex-primeira dama Adriana Anselmo. Segundo informações de todos que a conheceram, o conhecimento de Marianna era suficiente para, no máximo, aspirar a um cargo de assessora.
Nas ações que enfrentou no CNJ, o advogado maior de Zveiter era o ex-Ministro da Justiça de Lula, Márcio Thomaz Bastos. No período Lula e Dilma, conseguiu emplacar vários Ministros no STJ, apesar dos constantes alertas recebidos pelo Ministro da Justiça José Eduardo Cardoso.
Peça 5 – a delação que não houve
Por questão de justiça, o Ministério Público Federal e a Procuradoria Geral da República se constituem nos derradeiros fatores de resistência ao poder de Zveiter.
O tema que mais o atormenta atende pelo nome de Fernando Cavendish, o empreiteiro dono da Delta Engenharia, único dos grandes empreiteiros que não aderiu à delação premiada.
A amigos, Cavendish já havia declarado que, se preso, recorreria à delação. Foi detido, junto com seu parceiro Carlinhos Cachoeira. Mas a 6a Turma do STF mandou soltá-lo em agosto de 2016 (clique aqui), após um empate que o beneficiou.
Na decisão do STJ pesou não apenas o fator Zveiter, mas o fator Adir Assad e Marcelo Abbud, os dois doleiros que abririam as portas dos esquemas paulistas do PSDB para a Lava Jato.
Os dois votos que livaram Cavendish foram dados pelo Ministro Antônio Saldanha, egresso do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro; e Nefi Cordeiro.
Embora o pedido de habeas corpus fosse solicitado apenas por Cachoeira, Nefi Cordeiro decidiu estendê-la aos demais detidos (clique aqui).
Foi liberado não apenas Cavendish, como Adir Assad. Nunca mais foram incomodados.
Essa conexão altamente polêmica, tornar-se-á mais perigosa sabendo-se que o Ministro Luiz Fux presidirá o TSE em 2018, e poderá barrar Lula, já que sua inegibilidade se tornou o negócio político da década.
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