De Snowden ao Russia-gate: CIA e a grande ‘mídia-empresa’
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A ação de determinado setor da mídia comercial nos EUA, para a qual uma suposta ação de hackers russos teria tido interferência muito ativa nas eleições nos EUA, pode ter surgido de tentativas bem-sucedidas, dos serviços de inteligência dos EUA, para limitar a publicação dos arquivos da Agência de Segurança Nacional de que Edward Snowden conseguiu apossar-se.
Em maio de 2013, Edward Snowden fugiu para Hongkong e entregou documentos internos da Agência de Segurança Nacional a quatro jornalistas – Glenn Greenwald, Laura Poitras e Ewen MacAskill do Guardian e, separadamente, a Barton Gellman que trabalhava para o Washington Post.
Alguns daqueles documentos foram publicados por Glenn Greenwald no Guardian, outros por Barton Gellman no Washington Post. Vários outros sites internacionais de notícias publicaram mais material, embora a massa dos papéis da ASN-EUA que Snowden teria com ele jamais viu a luz do dia, até hoje.
Em julho de 2013 o Guardian foi forçado pelo governo britânico a destruir a cópia que possuía do arquivo Snowden.
Em agosto de 2013 Jeff Bezos comprou o Washington Post por cerca de $250 milhões. Em 2012, Bezos, fundador, maior acionista e presidente executivo da empresa Amazon, já tinha uma ligação de cooperação com a CIA.
Juntos, investiram numa quantum computing company canadense. Em março de 2013, a Amazon assinou contrato de $600 milhões para fornecer serviços computacionais à CIA.
Juntos, investiram numa quantum computing company canadense. Em março de 2013, a Amazon assinou contrato de $600 milhões para fornecer serviços computacionais à CIA.
Em outubro de 2013, Pierre Omidyar, proprietário de Ebay, fundou a First Look Media e contratou Glenn Greenwald e Laura Poitras. Consta que o investimento total previsto teria sido de $250 milhões. Só em fevereiro de 2014 a nova organização lançou o primeiro site, Intercept. Ali se publicaram apenas umas poucas matérias sobre a Agência de Segurança Nacional dos EUA. Intercept é site bastante medíocre. Consta que a administração seria caótica.
Publicam-se ali raras matérias realmente interessantes, e cabe perfeitamente que se pergunte se teria sido concebido como veículo sério. Omidyar muito trabalhou com o governo dos EUA, para forçar a mudança de regime na Ucrânia. E teve laços profundoscom o governo Obama.
Snowden tinha cópias de algo entre 20 mil e 58 mil arquivos da ASN-EUA. Até hoje só 1.182 arquivos foram publicados. Bezos e Omidyar obviamente ajudaram a ASB-EUA a manter inacessíveis à opinião pública mais de 95% do arquivo Snowden. Os Snowden papers foram praticamente privatizados, fechados em mãos de bilionários do Vale do Silício que mantêm laços com os vários serviços secretos e com a administração Obama.
Ainda não é claro a motivação que teria levado Bezos e Omidyar a fazer tudo isso. Estima-se que a fortuna de Bezos chegue a escandalosos $90 bilhões. Para ele, comprar o Washington Post foi negócio de vinténs. Omidyar vale líquidos cerca de $9,3 bilhões. Mas não é novidade usar bilionários para mascarar operações que, na verdade, são operações de inteligência. A Fundação Ford serviu durante décadas como fachada da CIA; a “Sociedade Aberta” [Open Society] de George Soros é uma das mais ativas operações para “mudança de regime”, muito bem versada em instigar “revoluções coloridas”.
Seria razoável, se a cooperação entre esses bilionários e agências de inteligência tivesse sido encerrada, depois que os vazamentos de documentos da ANS tivessem sido contidos. Mas parece que a forte cooperação dos veículos de Bezos e Omidyar com a CIA e outros continua.
Intercept queimou uma vazadora de inteligência, Realty Winner, que confiara naqueles jornalistas para protegê-la. Caluniou o presidente da Síria, declarando-o neonazista, baseado numa tradução errada (intencionalmente errada?) de um de seus discursos. Como se não bastasse, contratou um apoiador sírio do golpe da CIA “para mudar o regime por ação de jihadistas” na Síria. Apesar da fachada de “jornalismo sem medo, de crítica”, Intercept praticamente jamais se desvia das políticas dos EUA.
O Washington Post, que tem alcance muito maior, é o principal veículo das falsidades que dão assunto ao Russia-gate, acusações falsas, inventadas por facções da comunidade de inteligência dos EUA e pela campanha da candidata Clinton, de que a Rússia teria influenciado as eleições nos EUA e até cometido crime de “colusão” com Trump.
Só hoje, Washington Post traz duas matérias e uma coluna assinada sem qualquer fato, puro opinionismo, em que repetem as mesmas acusações anti-Rússia, sem qualquer substância.
Em Trolls do Kremlin agitam toda a Internet, enquanto Washington debatia alternativas, os autores insinuam que um autor autônomo que publicou umas poucas peças em Counterpunch e noutros veículos seria parte de uma operação russa. Não oferecem qualquer prova que sustente as acusações. O que aquele autor escreve (vejam a lista ao final) pouco ou nada algum dia teve algo a ver com as eleições nos EUA. A coluna então se afunda em ciberoperações contra a Rússia já discutidas pelos governos Obama e Trump.
Uma segunda matéria no jornal de hoje baseia-se num “relatório sigiloso dos serviços de inteligência da Rússia que ao qual o Washington Post” teria tido acesso.” Diz que o serviço de inteligência militar russo, GRU, teria iniciado uma operação de mídias sociais um dia depois que o presidente Viktor Yanukovych da Ucrânia foi derrubado por golpe para mudança de regime orquestrado pelos EUA.
A matéria relaciona, como se fossem postados por fantoches dos agentes do GRU russo, conversas que não passam do corriqueiro na internet, nos grupos que se opuseram à mudança fascistizante de regime que foi forçada em Kiev. O Washington Post atropela, absolutamente sem qualquer explicação, a questão de quem teria entregado ao jornal um suposto relatório da inteligência militar russa, de 2014; quem impôs sigilo àquele relatório e como, se alguém o fez, verificou a veracidade do que ali se lia. Na minha avaliação, a matéria e tudo que ali se diz como se fosse fato, mas sem uma prova sequer, e todas aquelas supostas conclusões exalam forte fedor de merda de vaca.
Uma coluna assinada no mesmo Washington Post exala idêntico fedor. Vem assinada por conhecidos lacaios das agências de inteligência, Michael Morell e Mike Rogers.
Morell sonhava ganhar a diretoria da CIA, se Hillary Clinton tivesse sido eleita. A coluna (que inclui grave erro de compreensão do conceito de “contenção”) afirma que a Rússia jamais interrompeu seus ciberataques contra os EUA:
As táticas russas de operações de informação desde a eleição são mais numerosas do que se podem listar aqui. Mas para se ter ideia da amplidão da atividade russa, considerem a quantidade astronômica de mensagens distribuídas por contas controladas pelo Kremlin no Twitter, que especialistas em cibersegurança de táticas para desinformação rastrearam como parte da Aliança do Fundo Marshall Alemão para Segurança da Democracia.
O autor acrescenta um link que leva a essa página que oferece o que seria uma lista de hashtags do Twitter usadas atualmente por agentes russos. Se o que ali se lê é informação aproveitável, o tema que os agentes russos especialistas em influenciar opiniões nos EUA mais promovem nesses dias é “#merrychristmas” [#feliznatal].
Quando os autores dizem que o número de operações russas é “alto demais para listá-las todas aqui”, estão na prática admitindo que não têm sequer uma operação, uma, que fosse, suficientemente plausível para ser denunciada. Trata-se de mentira e farsa, para justificar a exigência, que os autores apresentam, de mais e mais medidas políticas e militares contra a Rússia. Mais uma vez, tentativa para distanciar os norte-americanos que confiam nessa mídia-empresa das reais razões pelas quais Clinton perdeu a eleição, e iniciar o tema de uma nova Guerra Fria, que beneficiará os fabricantes de armas e o poder de influência dos EUA na Europa.
Nenhum dos episódios da saga conhecida como Russia-gate até agora resiste a qualquer análise séria. Nenhuma prova de coisa alguma, nada que faça qualquer sentido objetivo, nenhum indício real de que a Rússia tenha influenciado diretamente as eleições, nos EUA ou em qualquer lugar do mundo. E não há prova alguma de que a equipe de campanha de Trump tenha cometido crime de “colusão” com algum russo.
Uma das mais arrasadoras denúncias das mentiras que a mídia ainda insiste em repetir sobre esse assunto, pode ser lida no número mais recente da London Review of Books: “O que não se diz, ao falar do hacking russo” [ing. What We Don’t Talk about When We Talk about Russian Hacking]. Consortium News também publicou várias matérias sobre a mesma questão, além de análises e avisos sobre o que pode advir. Muitos outros autores já identificaram e desmascararam incontáveis incriminações, perfeitamente falsas. A revista Nation lista vários casos de jornalismo de má fé além de incontáveis mentiras sobre o caso conhecido como Russia-gate.
O pessoal que promove a sandice da “influência russa” são operadores políticos ou autores de aluguel. Tome-se por exemplo Luke Harding do Guardian, que acaba de publicar livro intitulado Collusion: Secret Meetings, Dirty Money, and How Russia Helped Donald Trump Win [Colusão: Encontros Secretos, Dinheiro Sujo e como a Rússia ajudou Donald Trump a vencer]. Foi convidado de um dos programas de Real News que o entrevistou (vídeo) sobre o livro. O entrevistador chama atenção para o fato de que o livro não oferece sequer uma prova, uma, que fosse, que confirme o que o autor escreve insistentemente, repetidas vezes.
Quando diretamente questionado sobre provas, Harding assume posição defensiva e diz que está “contando uma história” –, em outras palavras, que escreve ficção. Harding já publicou um livro sobre Edward Snowden, em tudo semelhante a esse. Julian Assange disse do livro que não passa de “serviço de pena de aluguel, no mais puro sentido do termo”. Harding também é conhecido por plagiar.
Quando trabalhou em Moscou copiou matérias e longas passagens da publicação hoje já inexistente, Exile, dirigida por Matt Taibbi e Mark Ames. O Guardian foi obrigado a publicar um pedido de desculpas.
O governo mexicano controla a mídia-empresa porque compra quantidade descomunal de espaço publicitário. Assim fazendo, garante que a empresa de mídia sobreviva, enquanto seguir caninamente a linha que interessa ao governo. O governo dos EUA tem seus próprios meios de também controlar a mídia-empresa. Dos anos 1950s até os anos 1970s, a CIA manteve a Operation Mockingbird [Operação Cotovia, provavelmente pq a cotovia canta ao amanhecer, no horário em que começam a circular os primeiros noticiários (NTs)] que lhe garantiu o controle sobre grande parte do noticiário e das colunas de opinião na mídia-empresa nos EUA. Naquele período, cerca de 400 dos principais jornalistas da grande mídia trabalhavam para a CIA.
O método de controle também mudou. O modo como lidaram com o affair Snowden permite assumir que a CIA induz bilionários a comprar os próprios veículos e a implementar, através deles, as políticas que a CIA favoreça em cada caso. Não se sabe o que os bilionários ganham em troca do serviço. A CIA sem dúvida tem muitos meios para garantir que recebam informação sobre os concorrentes ou para influenciar as leis e regulações comerciais em outros países. Uma mão sempre suja a outra.
James Clapper como Diretor da Inteligência Nacional; John Brennan como diretor da CIA; e James Comey do FBI “avaliaram” que a Rússia teria influenciado a eleição presidencial nos EUA. O Anexo B do relatório deles, que praticamente nenhum jornal ou jornalista deu-se o trabalho de citar, diz:
Nossas avaliações não visam a significar que tenhamos provas de que alguma coisa seja fato. As avaliações baseiam-se em informações coletadas, as quais muito frequentemente são incompletas ou fragmentadas, assim como a lógica, a argumentação e os precedentes.
Essa sentença é o coração do Russia-gate. São muitas acusações, afirmações e ‘sentenças’, mas absolutamente nenhuma prova de que qualquer parte da tal ‘influência russa’ tenha realmente acontecido.
Por provável influência descabida dos serviços de inteligência, os veículos e profissionais da mídia-empresa adotaram como aquele padrão do Anexo B, também para o trabalho jornalístico. Em relação à Rússia (e a outras questões) atualmente já basta que qualquer um diga qualquer coisa – nenhum jornalismo precisa investigar, buscar a verdade ou checar as ‘declarações’ e os diz-que-fulano-disse.
E como operará esse sistema de produção incansável de versões e mentiras, sem nenhum fundamento na realidade, no caso de um acidente, se algum jato foi derrubado, e se a guerra escalar? Será que ainda restará repórter nos veículos da mídia-empresa dominante, que tenha permissão dos editores e patrões para fazer perguntas reais, interessado em obter respostas reais?
Traduzido por Vila Vudu
26/12/2017, Moon of Alabama
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