Brasil: catástrofe à vista

Desde a posse de Temer, que participou da conspiração contra Dilma Rousseff, o Brasil está em queda livre e parece avançar para um regime autoritário

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No ano passado, a controversa destituição de Dilma Rousseff permitiu que a direita brasileira tirasse o Partido dos Trabalhadores do poder e assumisse a presidência da República, para a qual fora rejeitada quatro vezes seguidas, por meio do sufrágio universal. Desde a posse de Michel Temer (PMDB), que participou ativamente da conspiração contra a presidenta e bate recordes de impopularidade (97%!), o Brasil está em queda livre e parece avançar para um regime autoritário.
 
República das bananas de 210 milhões de habitantes
Uma verdadeira “organização criminosa”, nas palavras do ex-procurador-geral da República, se instalou do poder e já se mostrou disposta a qualquer coisa para ali permanecer e perpetuar suas práticas condenáveis. Em setembro, a polícia federal descobriu um esconderijo com R$ 51 milhões em dinheiro, administrados por um velho amigo de Temer, Geddel Vieira Lima. Alguns meses atrás, Rodrigo Rocha Loures, homem de confiança do presidente, também foi surpreendido recebendo um suborno de R$ 500 mil, cujo destinatário poderia ser o chefe de Estado.
 
Por estes e outros motivos, Michel Temer foi recentemente alvo de duas acusações do Ministério Público por corrupção passiva, obstrução da justiça e organização criminosa. Esta, que inclui dois importantes ministros, teria recebido R$ 350 milhões na Câmara dos Deputados. Mas Temer não terá a oportunidade de lavar sua honra ultrajada ou provar sua inocência: ele literalmente comprou dos deputados o arquivamento das denúncias através de farta distribuição de subsídios, nomeações para cargos disputados, ampliação de orçamentos etc, num total de R$ 32 bilhões.
 
Para agradar os latifundiários, Temer procurou afrouxar os critérios que definem a escravidão moderna e limitar os poderes dos inspetores do trabalho. Ele também tentou entregar uma reserva natural para as empresas de mineração, mas voltou atrás. No governo de Temer, os grandes proprietários de terras estão totalmente á vontade para expandir seus já vastos domínios e expulsar todos os que incomodam – pequenos agricultores, índios, sindicalistas – à força, muitas vezes através de execuções.
 
Dessa forma, o governo negocia sua sobrevivência e sua impunidade diariamente, liquidando as riquezas nacionais e fechando os olhos ao que há de pior da sociedade brasileira em detrimento do interesse da maioria da população.
 
A demonização de Lula
O maior aliado de Temer, Aécio Neves, foi flagrado em um ato de extorsão de R$ 2 milhões, em gravação que revelou também sua linguagem de gangster. Aécio Neves, no entanto, segue ileso como senador, com a benção de seus colegas.
 
Enquanto isso, o ex-presidente Lula foi condenado a nove anos de prisão em primeira instância, pela acusação baseada em simples denúncias de possuir um confortável apartamento em um balneário considerado cafona. Lula certamente não é um santo, e nunca confrontou um sistema de corrupção generalizada. Mas, ao contrário dos casos mencionados acima, nenhuma gravação, nenhum extrato bancário, nenhuma mala de dinheiro pesam sobre ele. Seus bens, sequestrados pela justiça, provocariam pena à elite brasileira. Como disse o ex-prefeito Eduardo Paes entre risos, Lula manteve a "alma de pobre": dois carros, três apartamentos em São Bernardo do Campo e alguns investimentos. Nada extravagante para quem foi presidente do Brasil durante oito anos.
 
Lula – que deixou o poder em 2010 com 87% de aprovação, após ter tirado da pobreza mais de 30 milhões de pessoas, assegurado o pleno emprego e colocado o Brasil no mapa das relações internacionais – tornou-se, para a direita, o homem a ser derrubado, em quem se tenta colar a etiqueta de "o maior ladrão em toda a história do Brasil". Apesar desta campanha sistemática de difamação, que compromete a imagem do país no exterior, ele continua na frente nas pesquisas de intenção de voto para 2018, graças às classes populares, mas muito provavelmente se tornará inelegível. A esquerda não-Lulista é politicamente inexistente e não oferece, por enquanto, nenhuma alternativa.
 
O crescimento da extrema direita e a caça às bruxas
Para ganhar as próximas eleições e evitar a volta da esquerda ao poder, a direita brasileira vem se mostrando capaz de fazer alianças até com o diabo. Os partidos de direita tradicionais – o PSDB e o DEM – tentam montar todo tipo de combinação para ganhar nas urnas, mas esses cálculos e ambições individuais correm o risco de ser varridos pela violenta onda da extrema direita que vem tomando forma no horizonte do país.
 
Segundo as últimas pesquisas, o candidato disputaria o segundo turno com Lula, se as eleições fossem hoje, seria Jair Messias Bolsonaro, ex-paraquedista militar, deputado federal desde 1991. Bolsonaro é um entusiasta da ditadura militar (1964-1985) em seus aspectos mais repressivos. Ele faz apologia da tortura e da justiça sumária, é abertamente racista, misógino e homofóbico e pretende acabar definitivamente com a democracia e a esquerda, tarefa inacabada pela ditadura.
 
Em entrevista concedida em 1999, ele anunciava sem rodeios que o Brasil precisava de uma boa guerra civil e de 30 mil mortes para voltar aos trilhos. Bolsonaro, que carrega com ele toda a extrema direita militar fascistizante, não é o único a trabalhar por um Brasil autoritário. 
 
Associações desenvolvidas a partir das redes sociais encontram um eco crescente em uma sociedade atravessada pela rejeição visceral de um "comunismo" que não passa de pura fantasia.
 
O MBL (Movimento Brasil Livre), muito ativo na mobilização de multidões contra Dilma Rousseff, foi criado por jovens de meios privilegiados de São Paulo, e tem a pretensão de escolher o futuro presidente. Ele prega ao mesmo tempo um neoliberalismo integral e uma ordem moral ultraconservadora. O MBL, que se tornou uma inquisição ultrapuritana, se distingue por atos violentos contra qualquer evento cultural que supostamente contrarie os valores da família tradicional. Artistas, incluindo ilustres representantes da MPB como Caetano Veloso, são assim gratuitamente acusados %u20B%u20Bde "pedofilia" e outros crimes inexpiáveis %u20B%u20Bcontra a moral, como a chamada "teoria do gênero", a abominação suprema.
 
O evangelismo como filosofia política 
O MBL trabalha lado a lado com outro movimento perigoso, o da "escola sem partido", que avança sua agenda nos municípios e estados da Federação e se esforça para impor na escola pública uma educação desprovida de qualquer senso crítico e cuidadosamente enquadrada e “pura”. Professores acusados %u20B%u20Bde "marxismo" são denunciados por alunos e pais e incorrem em penas pesadas.
 
Além disso, alguns grupos evangélicos, como a riquíssima multinacional Igreja universal do Reino de Deus (IURD), não escondem suas ambições. Trata-se de um evangelismo político, com baixo grau de espiritualidade, cujos objetivos são a conquista do poder, a demolição do que resta de laicidade no Brasil, a restrição das liberdades, dos direitos das mulheres e das minorias.
 
A IURD ganhou as últimas eleições municipais na cidade do Rio de Janeiro, com o voto quase unânime de bairros populares e ataca, entre outras coisas, as expressões de cultura "pagã", como os cultos afro-brasileiros ou o famoso carnaval do Rio. Outra seita, ainda confidencial e chamada "Geração Jesus Cristo", lançou uma "cruzada" para substituir a Constituição pela Bíblia e inclui na categoria "pedófilo" sua vasta lista de inimigos.
 
Seria apenas um folclore triste não fosse a multiplicação de pichações e adesivos "Bíblia Sim, Constituição Não" nos muros e carros no Rio de Janeiro.
 
Um grande salto no abismo? 
Em um país onde a esquerda está completamente desorientada, onde partidos totalmente desacreditados organizam as condições para sua perpetuação no poder, as autoridades não são capazes de garantir a segurança dos bens e das pessoas, os salários dos funcionários públicos já não são pagos (como no estado do Rio de Janeiro), e onde, dia após dia, vêm á tona vertiginosos escândalos e revelações de somas de dinheiro desviadas, é muito grande a possibilidade de que, em 2018, os eleitores se deixem guiar pela raiva e não pela razão.
 
A burguesia brasileira está atualmente em uma lógica "antes Hitler que Blum", neste caso, "antes Bolsonaro que Lula". O apreço dos brasileiros pela democracia derreteu como a neve sob o sol, enquanto cresce o interesse por soluções autoritárias e apressadas.
 
Há muitas razões para temer que a operação "mãos limpas" local (Lava Jato), que abalou a vida política brasileira desde 2014, só tenha servido para aniquilar a esquerda reformista e pavimentar o caminho não para um Berlusconi – o que, nas atuais circunstâncias, seria quase um mal menor – mas para uma ditadura retrógrada baseada na aliança do neoliberalismo mais extremo com o neoconservadorismo evangélico.
 
Armelle Enders é historiadora (Institut d'Histoire du Temps Présent), CNRS, Universidade Paris 8 - Vincennes Saint-Denis
Tradução de Clarisse Meireles

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