Truques e negociatas da Matrix - Educação Privada à moda EUA não entrega o que promete

8/10/2017, Seth Ferris, New Eastern Outlook
"É feito deliberadamente, porque quanto mais execrada e desacreditada é a educação pública, mais pais e alunos buscam as empresas de educação privada, o que gera mais desigualdade e estimula as maiorias pobres a crer que, quanto mais o cidadão é pobre e explorado, mais ele/ela tem de se agarrar a, e defender, qualquer coisa que já tenha, por imprestável e envenenada que seja."


Não existe o tal de sistema educacional neutro. Ou a educação ensina a comprar sem questionar o que o status quo lhe vende e a apoiar esse arranjo, ou a educação treina para solucionar problemas que capacitem para mudar o status quo. Por isso governos estrangeiros quase sempre estimulam a controvérsia em torno de ações em países que eles estejam trabalhando para influenciar. Quanto mais as pessoas reclamem das posições políticas das forças invasoras/de ocupação e polemizem em torno de quem faz o que contra quem e para quê, menos atenção elas dão à educação, 3ª coluna das forças de ocupação.


Onde embaixadas e agências de ajuda 'humanitária' mandam, o que jamais falta é reforma educacional e escolar. São incontáveis. Mas ninguém fala muito disso, porque as recompensas potenciais de explorar o sistema – encontrando a pequena porta na Matrix – são tão grandes, que as pessoas desistirão de praticamente qualquer coisa em nome da progressiva destruição das gerações futuras.

Que benefícios trazem as tais reformas? Mais ajudam ou mais prejudicam um país em transição?

As pessoas tendem a ver as mesmas coisas de diferentes modos em diferentes partes do mundo. Cidadãos de monarquias compreendem os princípios da monarquia, cidadãos de repúblicas em geral sonham com voltar a ser república. Isso se deve em grande medida a diferenças na educação: o que parecia natural em gerações anteriores, por exemplo a conquista de povos "primitivos" no além-mar para benefício deles, hoje já soa esquisita, porque mudanças na educação levaram as pessoas a ver as coisas desse outro modo, sem para isso terem de examinar a questão 'tecnicamente', ou de bem perto.

As políticas públicas e o modo como a ajuda é distribuída nos dizem muito sobre a atitude profunda real, não só sobre a atitude declarada, que países mais importantes têm em relação a outros ditos menos importantes. Mas os países maiores também se servem de outra alavanca de influência, menos notável porque poucos têm a coragem necessária para ver que é usada como alavanca.

Os culpados de sempre 

Considere-se, por exemplo, a República Democrática da Geórgia, quase sempre ignorada quando se discutem políticas para a educação. A Geórgia é aliada dos EUA, e todos perguntam o que fazem lá os EUA, quem os EUA apoiam e que relação há entre os princípios dos EUA e o que os norte-americanos fazem realmente na Geórgia. Mas os que se opõem a coisas como o dinheiro da ajuda ser desviado para financiar a corrupção política, mesmos assim continuam a desejar para os filhos, na Geórgia, aquela educação baseada nos EUA, porque creem que ela os ajudará a chegar a locais controlados pelos mesmos EUA.

Geórgia tem pouco a oferecer aos seus cidadãos pobres, em termos de educação. Citando uma ex-aluna, Anna Simonishvili, "as escolas georgianas não estão garantindo o conhecimento e as competências necessárias para que os alunos sejam bem-sucedidos na vida acadêmica e profissional. O nível de educação sequer é suficiente para que os candidatos passem nos exames de escola e nacionais ou consigam entrar nas melhores universidades na Geórgia."

Mas, apesar disso há sempre mais e mais ajuda disponível para instituições que forneçam educação à ocidental, do que para as que fornecem educação à georgiana. Há sempre candidatos excedentes para programas de intercâmbio internacional, e poucos dos recursos nacionais alocados no país são usados para elevar os georgianos a nível aceitável de formação e educação. Mesmo os que se dedicam a criticar fortemente o modelo de educação à norte-americana na República da Geórgia ficam sem alternativa que não seja a própria educação à moda EUA na Geórgia, concebida para fazê-los esquecer-se do que ainda haja neles de georgiano.

Por tudo isso, há um lucrativo mercado para escolas privadas que oferecem educação que extrairá crianças da Geórgia e as despachará para outro estado-vassalo dos EUA, e de fato lhes ensinará algo útil hoje, quando a educação pública georgiana foi reduzida a nada, para abrir espaço para o mercado 'educacional'. Poucos podem pagar por essa educação 'de qualidade', mas quanto menor o número dos que possam pagar, mais prestígio a escola assegura e mais dinheiro pode cobrar. Ninguém ousa questionar o que é ensinado ou por quê, ou que trilhas abrem-se para os que compram essa 'educação', porque muitas perguntas podem espantar para longe também essa última chance, deixando os georgianos médios sem nenhuma 'educação'.

Escola nova, velhos truques 

Considerem-se a New School e a American High School em Tbilisi, sempre listadas como lugares óbvios para educar jovens georgianos ambiciosos. As duas estão entre as muitas escolas que desapontaram levas sucessivas de pais e alunos. Como em outros casos, não precisaria ser assim. Mas as escolas desapontam deliberadamente os próprios clientes, porque se realmente entregassem a boa educação que propagandeiam os georgianos seriam realmente formados como cidadãos do mundo, iguais aos demais, com chances iguais a jovens de outros países... Precisamente o que os patrocinadores estrangeiros de 'educação' entendem que precisam evitar que aconteça, e custe o que custar.

A New School é escola pequena, com talvez 30 professores estrangeiros e menos de 50 funcionários georgianos. Oferece vagas aos que querem obter certificado escolar que lhes permita sair da Geórgia – e custe esse certificado o quanto custar. A escola portanto trata a clientela como público cativo.

Na New School e outras, o American Way, disfarçado sob uma máscara de educação europeia/internacional, é o único way à venda. Se você não concorda, adeus futuro. Se concordar, fará qualquer coisa que a escola o mande fazer. Ninguém precisa chantagear políticos ou quem peça e receba 'ajuda' educacional, se o alvo da 'ajuda' já foi persuadido, desde bem antes, de que nunca teve nem terá arma alguma para resistir.

A propaganda da New School na Geórgia oferece programa de "International Baccalaureate (IB), com superior rigor acadêmico e ênfase no desenvolvimento pessoal dos estudantes", mas nem por isso se sente obrigada a cumprir todas as exigências do IB. A coisa é simplesmente metida lá na fachada, como se se tratasse de verdadeira escola IB, para atrair mais dinheiro. Mas é tudo, sempre, uma isca. Se você pagar, logo começará a aceitar qualquer coisa que lhe digam, em troca dos benefícios que você espera obter. Inevitavelmente significa que você será adestrado para ver as coisas como os norte-americanos as veem – porque até o curriculum já chega pronto. Mas... e que vantagens reais adviriam disso?! 

Atualmente, quase tantos georgianos vivem no país, quanto no exterior. Quantos georgianos proeminentes você poderia citar, que vivem em outros países? Os poucos que alguém talvez lembre são pessoas que fizeram carreira no esporte ou na arte, áreas nas quais as qualificações educacionais não são prioridade.

Bem poucos conseguem um bom emprego no ocidente, simplesmente porque 'pensam' como um norte-americano, porque continuam a ser georgianos. A matrix norte-americana, como é adotada nas escolas IB, torna os georgianos dependentes para sempre, sempre precisando do Tio Sam para indicar-lhes como fazer coisas que, antes, faziam sozinhos sempre que podiam fazer – e essa é precisamente a razão pela qual foram escolhidos em primeiro lugar para serem doutrinados.

Quanto pior a realidade, melhor o sonho 

Os pais alegam que foram atraídos para os ginásios privados por panfletos coloridos e discursos escorregadios, dos Relações Públicas, RPs, os marketeiros das escolas – gente especializada em manipulação, de integridade questionável, em tudo assemelhados aos 'especialistas' midiáticos que o governo da Geórgia emprega e põe na mídia, como Patrick Worms, leitor assíduo dos meus artigos. Os pais reclamaram que os filhos mal sabem escrever, e que o programa de matemática foi-se convertendo em desastre absoluto com o passar do tempo.

Os professores georgianos têm salários inferiores para o mesmo serviço, para encorajar os alunos a preferir os estrangeiros ("mais valiosos"), não os professores georgianos. Plágios e traições são frequentes, mas tratados como parte da forma mental cultural coletiva, de modo que as mesmas práticas, no futuro, podem ser usadas contra os georgianos. De fato, os alunos são encorajados a fazer qualquer coisa, sem qualquer punição, para assim criminalizar todo o país na pessoa de seus mais brilhantes representantes. Assim se 'demonstra' que georgianos do "baixo nível" são inerentemente ainda piores que suas 'elites'.

A New School faz de tudo para entregar o certificado DP [Diploma Programme , para alunos de 16-19 anos], custe o que custar, sem qualquer consideração aos méritos do aluno. Essa é uma das principais razões pela qual a New Scholl mantém seu status, apesar da concorrência de outras escolas. Como acontece com qualificações paquistanesas de profissionais engenheiros, o diploma em si nada vale. Apenas mostra que o aluno é filho da classe 'certa', conhece as pessoas 'certas' e está satisfeito com a corrupção à volta dele, desde que lhe renda as vantagens 'certas'.

Se você examina os líderes políticos georgianos pró-EUA, todos eles se distinguem por precisamente essas características aos olhos do público georgiano. Os raros políticos georgianos que são pobres quando chegam ao Parlamento pela primeira vez, logo aprendem que o título "Deputado" ou "Senador" aposto ao seu nome gera riquezas misteriosas, inexplicáveis. O sistema funciona assim, e os clientes zelam para que continue a funcionar. Não importa quantas manifestações haja contra 'as políticas dos EUA', nenhum manifestante morderá a mão que o alimenta, sobretudo quando nenhuma outra mão poderá jamais alimentá-lo, porque todos são produto da mesma política educacional.

A atitude dos EUA diante da Geórgia torna à prova de tudo, o modelo de negócio da New School. A escola cobra preços altos dos pais, para garantir que os filhos saiam de lá com o diploma DP, mas na sequência cria condições nas quais é impossível ensinar/aprender adequadamente. Assim sendo, as crianças não terão condições para prestar exames legítimos e obter legitimamente o mesmo diploma, em outra escola.

Ou você joga o jogo sujo, ou perde tudo. Onde todos saibam que você aceitou a escroqueria, o que faz de você um escroque a mais, como são todos os egressos da tal escolas, você fatalmente terminará sem credibilidade e sem salário – embora com o diploma. Mas quanto mais isso acontece, mais pais abraçam a única estrada que essa política deixou para eles, na esperança de que, ninguém sabe como, a tragédia não acontecerá com os filhos deles.

Muitos professores estrangeiros acabam por se dar conta de que são usados para dar uma pátina de legitimidade a esse sistema de distribuir diplomas inúteis para ricos tolos, empregados exclusivamente para satisfazer pais ricos que querem professores estrangeiros para os filhos. 
Não podem fazer o que poderiam talvez fazer, porque estão em posição precaríssima, mas têm de assinar exames fraudadas e avaliações internas fraudadas e ignorar as mentiras e os testes sem qualquer controle. Se alguém é por acaso descoberto (o que, parece, nunca aconteceu até hoje), o coordenador dos diplomas IB/DP e a escola, certamente dirão que a culpa é do professor.

Se um professor autentica exames ou testes de ingresso que sabem que foram adulterados, seu nome está arruinado para sempre. Se não "mantém o programa e segue adiante", não só e demitido como vê seu nome incluído numa lista negra dos demitidos daquela escola, o que implica dizer que o professor perde sempre, não importa o que faça.

Os EUA é um dos países que cuida de manter seus embaixadores em perpétua circulação, para evitar que sejam 'contaminados' pelos locais, se permanecerem num local por muito tempo. Assim também os professores da New School, não permanecem por mais de dois anos. Essa falta de estabilidade, além das insustentáveis condições para lecionar e garantir instrução inadequada, contribui para manter os alunos sempre abaixo do nível de competência que se poderia esperar deles em todos os campos acadêmicos, praticamente sem nenhuma culpa dos alunos. Se a Geórgia deseja permanecer no nicho que lhe cabe entre aliados dos EUA, e enquanto os georgianos aceitarem fazer concessões cada vez maiores, a coisas são assim, porque é assim que devem ser.

Uma moeda de prata

A New School é apenas uma das muitas que oferecem educação à moda ocidental. Mas é a que tem mais longas listas de espera. Cada um decida por si o que são as outras, lendo sobre QSI e European School.

A República da Geórgia fez algumas tentativas para reformar seu sistema público escolar. Mas na prática não passaram de reformas 'tamanho único'. Muito do que foi implementado não considerava as diferentes carências dos alunos e das comunidades, nem tradições culturais nem a natureza de cada economia local. 

É feito deliberadamente, porque quanto mais execrada e desacreditada é a educação pública, mais pais e alunos buscam as empresas de educação privada, o que gera mais desigualdade e estimula as maiorias pobres a crer que, quanto mais o cidadão é pobre e explorado, mais ele/ela tende a se agarrar a, e a defender, qualquer coisa que tenha, por imprestável e envenenada que seja.

Na essência, a mensagem 'educacional que o Ocidente impôs à República da Geórgia é que tudo é permitido, contanto que você arranque alguma vantagem do próximo, qualquer próximo. Políticos e cidadãos da Geórgia foram obrigados a comprar esse sistema, e assim continuarão as coisas, dado que ninguém vê aí nada de errado. Nem teriam como ver, porque todas as escolas privadas operam do mesmo modo e todas as escolas públicas são forçadas a oferecer lixo, de modo a não interferir no projeto daquelas escolas privadas. Ninguém precisa de exército para invadir/ocupar, porque a população absolutamente não vê chegarem as forças invasoras/de ocupação.

Tudo se encaixa na Matrix – como no filme Matrix Revolution, no qual quem resistir acabará presa do agente Smith, agente do mal. Ele se apossa dos resistentes, como faz o Borg. O fato de a Geórgia ser estado independente, que produzia acadêmicos e profissionais respeitados antes de os EUA chegarem, já foi convenientemente apagado pelos que criaram essa situação, e continua apagado pelos georgianos que ainda esperam beneficiar-se desse apagamento.*****

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