Socialismo, Terra e Banking: 2017 vs 1917. Por Michael Hudson

19/10/2017, Michael Hudson, The Vineyard of the Saker

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"Enquanto os grandes pontos de estrangulamento econômicos e políticos forem deixados em mãos privadas, eles continuarão a servir como gatilho para subverter políticas de reforma real. Eis a razão pela qual a política marxista teve de ir além dessas pretensas reformas socialistas." (...)
"A Guerra Fria mostrou que os países capitalistas planejam continuar combatendo contra economias socialistas, forçando-as a se militar para autodefesa. E o opressivo gasto militar excedente resultante passa a ser declarado culpa da burocracia e da ineficiência dos socialistas." (...)
"O colapso pós-sovietes nos anos 1990s não foi fracasso do Marxismo, mas da ideologia reacionária antissocial que está jogando as economias ocidentais sob o domínio de uma simbiose entre três modalidades de extração de renda pelo setor Finança, Imóveis, Seguros, FIS: renda da terra e dos recursos naturais; renda de monopólio; e juros (renda financeira). Esse é precisamente o destino do qual o socialismo e o Marxismo – e até o capitalismo de Estado – tentaram salvar as economias industriais."(...)
"A palavra 'reforma' como a usa hoje a mídia-empresa neoliberal significa desfazer as reformas da Era Progressiva, desmantelar a regulação pública e o poder de governo – exceto se for para forçar ainda maior controle pela finança e por seus interesses organizados aliados." (...)
"É a 'diplomacia' do capital financeiro, tentando consolidar uma hegemonia dos EUA sobre um mundo desejado unipolar. (....)
"O capital financeiro apoia essa sua estratégia com um currículo acadêmico neoliberal, que pinta a finança predatória e os ganhos do rentismo como se se acrescentassem à renda nacional, não como o que realmente são – ação de transferir a renda nacional para o bolso das classes rentistas. Esse quadro enganador da realidade econômica é ameaça real contra a China, que insiste em mandar seus alunos estudar Economia em universidades norte-americanas e europeias." (...)
"Assim, a única saída que restou para salvar a sociedade do poder que a finança tem hoje para converter renda em juros é uma política de nacionalização de recursos naturais, plena taxação da renda da terra (onde terra e minérios não sejam postos diretamente sob domínio público) e a reprivatização da infraestrutura e de outros setores chaves."

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Há um século, o socialismo parecia ser a onda do futuro. Havia várias escolas de socialismo, mas o ideal comum era garantir suporte às necessidades básicas e a propriedade do Estado, a sociedade livre de latifundiários, bankeiragem ["a Banca"] predatória e monopólios. No Ocidente essas esperanças estão hoje ainda muito mais distantes do que parecia em 1917. Terra e recursos naturais, monopólios básico da infraestrutura, assistência à saúde e aposentadorias foram cada dia mais privatizados e financializados.

Em vez de Alemanha e outras nações industriais avançadas abrirem o caminho, como se esperava, quem deu o maior salto foi a Revolução de Outubro de 1917 na Rússia. Mas os fracassos do stalinismo tornaram-se argumento contra o marxismo – culpado por associação com a burocracia soviética. Partidos europeus autodenominados socialistas ou "trabalhistas" desde os anos apoiam políticas neoliberais que são o oposto da política socialista. A própria Rússia escolheu o neoliberalismo.

Poucos partidos socialistas ou teóricos do socialismo realmente enfrentaram a ascensão do setor Finança, Imóveis, Seguros, FIS [ing. Finance, Insurance and Real Estate, FIRE) que hoje garante o maior aumento na riqueza. Em vez de evoluir na direção do socialismo, o capitalismo ocidental está sendo destruído pela finança predatória e pelo rentismo usurário que impõem a deflação da dívida e o arrocho [chamado 'austeridade', o que o arrocho não é] à indústria como ao trabalho.

O fracasso das economias ocidentais, incapazes de se recobrarem da crise de 2008 está levando a um renascimento da pregação marxista. A alternativa à reforma socialista é estagnação e recaída nos privilégios financeiros neofeudais e do monopólio.

O socialismo floresceu no século 19 como um programa para reformar o capitalismo mediante a elevação dos padrões de vida e do status do trabalho, com uma ampliação do alcance dos serviços públicos e subsídios para tornar mais eficientes as economias. Reformadores esperaram promover essa evolução ampliando os direitos de voto para toda a população trabalhadora.

A discussão que faz Ricardo sobre o aluguel da terra [orig. rent[1]] levou os primeiros capitalistas industriais a opor-se à classe dos proprietários hereditários de terra na Europa. Mas, apesar da reforma política democrática, o mundo tem renda de terra não taxada e ainda lida com o problema de como manter a moradia a preço baixo, em vez de só bombear renda para a classe dos latifundiários – mais recentemente o processo foi modificado para juros de hipoteca que proprietários pagam aos bancos que cobram o valor do aluguel pelo dinheiro que emprestam. Grande parte dos empréstimos bancários hoje são feitos em troca de hipotecas. O efeito disso é pressionar os preços da terra até o ponto em que todo o aluguel é pago a título de juros. Pode vir a ser problema para a China socialista, tanto quanto para as economias capitalistas.


Latifundiários, bancos e o custo de vida 


Economistas clássicos procuraram manter mais competitivas as respectivas nações mantendo baixo o preço do trabalho, para assim derrubar a concorrência. O principal custo para sobreviver era a comida; hoje, é moradia. Moradia e custos dos alimentos são determinados, não pelos custos materiais de produção, mas pelo que custe a renda da terra – o crescente mercado do preço da terra.

Na era dos Fisiocratas Franceses, Adam Smith, David Ricardo e John Stuart Mill, essa renda da terra acumulava-se na classe hereditária dos proprietários de terra na Europa. Hoje, a renda da terra é paga principalmente aos banqueiros – porque as famílias precisam de crédito para comprar uma casa. Ou, se alugam, os respectivos latifundiários usam a renda da propriedade para pagar juros aos bancos.

A questão da terra foi crucial para a Revolução Russa de Outubro, como também foi para a política europeia. Mas a discussão da renda da terra e dos impostos perdeu muito da clareza e da paixão que guiou o século 19, quando dominava a economia política clássica, a reforma liberal e, de fato, grande parte da política socialista inicial.

Em 1909/10, a Grã-Bretanha conheceu uma crise constitucional, quando a Casa dos Comuns democraticamente eleita aprovou um imposto sobre a terra, só para que fosse em seguida derrubado pela Casa dos Lords, governada pela velha aristocracia. A crise política que adveio foi resolvida por uma regra segundo a qual a Casa dos Lords nunca mais voltaria a derrubar lei aprovada na Casa dos Comuns. Mas foi a última real oportunidade da Grã-Bretanha para taxar a renda dos latifundiários e proprietários de recursos naturais. O movimento liberal para taxar a terra fracassara, e nunca mais teria chance séria de ser aprovado.

A democratização da propriedade da moradia durante o século 20, levou eleitores de classe média a se opor a impostos sobre a propriedade4 – incluindo impostos sobre locais comerciais e recursos naturais. A política de impostos em geral tornou-se pró-rentistas [ing. pro-rentier] e antitrabalho – o oposto retrógrado do liberalismo do século 19 como desenvolvido pelos "Ricardianos socialistas" como John Stuart Mill e Henry George. O individualismo econômico de hoje perdeu a consciência de classe dos primeiros tempos, que buscou taxar a renda do dinheiro e socializar o Banking.

Os EUA criaram um imposto de renda em 1913, sobretudo sobre a renda do rentismo, não sobre a população trabalhadora. Ganhos de capital (a principal fonte de riqueza crescente hoje) pagavam a mesma porcentagem de imposto que outras rendas. Mas interesses organizados trataram de acabar com esse espírito, cortando os impostos sobre ganhos de capital e tornando a política de tributos muito mais regressiva. Resultado é que hoje, grande parte da riqueza não é gerada pelo investimento de capital para juros. Em vez disso, os ganhos no preço dos ativos são financiados por uma inflação alavancada em dívidas, dos preços da propriedade imobiliária, de ações e de títulos.

Muitas famílias devem pela própria casa quase todo o próprio valor líquido dos preços sempre ascendentes. Mas a parte do leão cabe, por ampla diferença, aos ganhos do mercado imobiliário e de ações, que vão para apenas 1% da população. E ao mesmo tempo em que o crédito bancário permite que compradores paguem preços cada vez mais altos pela moradia, o preço a pagar por hipotecas ou aluguéis consome parcelas cada vez maiores da renda do trabalho. Resultado disso, a finança é hoje o que foi antes e ao longo da história: principal força a polarizar as economias entre devedores e credores.

Empresas globais de petróleo e mineração criam bandeiras de conveniência para se tornarem isentas de impostos, fingindo que ganham seus lucros de produção e distribuição em paraísos ao longo da trilha de transporte, como Libéria e Panamá (que usam o EUA-dólar e não são verdadeiros países com moeda própria e o próprio sistema de impostos).


O fato de que propriedades imobiliárias e extração de recursos naturais cujos proprietários são tipicamente ausentes sejam praticamente livres de imposto de renda mostra que a reforma política democrática não foi garantia suficiente para o sucesso socialista. 


Regras de impostos e regulação pública são processos já capturados pelos rentistas [ing. rentiers], o que detonou as esperanças dos reformadores clássicos do século 19, de que políticas tributárias progressivas produziriam o mesmo efeito que a propriedade pública dos meios de produção, ao mesmo tempo em que deixaram "o mercado" como alternativa individualista à regulação ou ao planejamento pelo governo.

Na prática, planejar e alocar recursos passou às mãos do setor de bancos e finança. Muitos observadores esperavam que isso evoluísse para o planejamento estatal ou, pelo menos, que trabalharia em conjunção com ele, como na Alemanha. Mas o "socialismo Ricardiano" liberal falhou, como também falhou o "socialismo de Estado à moda alemã – financiamento público para transporte e outras infraestruturas básicas, aposentadorias e outros custos de vida "externos" semelhantes e em negócios com os quais, sem o Estado, os empregadores industriais teriam de arcar. Tentativas de "meio-socialismo" mediante política de impostos e de regulação contra monopólios e a Banca falharam insistentemente, repetidas vezes. Enquanto os grandes pontos de estrangulamento econômicos e políticos forem deixados em mãos privadas, eles continuarão a servir como gatilho para subverter políticas de reforma real. Eis a razão pela qual a política marxiana teve de ir além dessas pretensas reformas socialistas.


Para Marx, a tarefa histórica do capitalismo foi preparar a via para socializar os meios de produção, varrendo para longe os restos do feudalismo: uma classe de proprietários hereditários de terra, a Banca predatória e os monopólios que interesses financeiros sequestraram do controle governamental. A via de menor resistência foi socializar a terra e a infraestrutura básica. Esse impulso para livrar a sociedade da sobrecarga econômica na forma do privilégio da hereditariedade e da renda não trabalhada confiscada pelos "ricos ociosos" foi um passo na direção da gestão socialista, porque minimizava os custos do rentismo ("faux frais [falsos custos] da produção"[2]).


Reforma proto-socialista nas nações industriais ricas 


Marx absolutamente não foi o único a esperar que fatia cada vez maior da atividade econômica fosse afastada do mercado, para o setor público. O socialismo de Estado (basicamente, capitalismo sob patrocínio do Estado) garantia subsídios às aposentadorias e saúde pública, à educação e outras necessidades básicas, para assim preservar a empresa industrial, que ficaria livre dessa carga.

Nos EUA, Simon Patten – primeiro professor de Economia na nova Escola de Comércio Wharton da Universidade da Pennsylvania – definiu a infraestrutura pública como um "quarto fator de produção", ao lado de trabalho, capital e terra. O objetivo do investimento público não seria o lucro, mas reduzir o custo de vida e negociar de modo a minimizar a contra de salários e infraestrutura da indústria. Saúde pública, aposentadorias, rodovias e outros transportes, educação, pesquisa e desenvolvimento seriam subsidiados ou gratuitos.[3] 

As economias industriais mais avançadas pareciam estar-se encaminhando para algum tipo de socialismo. Marx partilhou do otimismo de uma Era Progressiva, que esperava que o capitalismo industrial evoluísse do modo mais lógico, livrando a economia da propriedade privada da terra e da Banca predatória herdadas da era feudal da Europa. Tratava-se sobretudo do programa clássico de reformas de Adam Smith, John Stuart Mill e dos intelectuais mainstream.

Mas o período que se seguiu à 1ª Guerra Mundial assistiu a interesses organizados que montaram um Contra-Iluminismo. Em todo o mundo ocidental a Banca encontrou seu principal mercado no empréstimo sob hipoteca, na extração de recursos naturais e nos monopólios – o modelo anglo-norte-americano, não o modelo da Banca alemã industrial que, no final do século 19, parecera ser o futuro do capitalismo financeiro.

Desde 1980, as nações ocidentais reverteram as esperanças otimistas iniciais de que haveria reformas nas economias de mercado. Em vez do sonho clássico de taxar a renda da terra que garantira apoio as aristocracias hereditárias da terra, a propriedade imobiliária comercial foi tornada virtualmente isenta de qualquer imposto sobre a renda. Proprietários ausentes evitam todos os impostos, graças a uma combinação de dedutibilidade dos juros pagos (como se pagar juros fosse gasto necessário do negócio) e superdepreciação fictícia de créditos de impostos (como se prédios e propriedades estivessem perdendo valor, quando os respectivos preços de mercado subiam sem parar).

Essas isenções e imunidades fizeram dos proprietários de imóveis os maiores clientes dos bancos. O efeito disso foi financializar a renda da propriedade, como pagamentos de juros. Assim também, na esfera industrial, lobbyistas dos grandes monopólios capturaram a regulação/legislação e imobilizaram os esforços públicos para quebrar ou regular os monopólios e assim manter os preços alinhados com o custo da produção. Esses grandes monopólios também se tornaram grandes clientes dos bancos.


Começo e fim do socialismo russo 


Muitos Marxistas esperaram que o socialismo emergisse primeiro na Alemanha, como a economia capitalista mais avançada. Depois de sua Revolução de Outubro de 1917, a Rússia pareceu saltar adiante, primeira nação a livrar-se do rentismo e dos altos juros herdados do feudalismo. 

Ao pôr terra, indústria e finança sob controle do Estado, a Revolução Soviética de Outubro da Rússia criou uma economia sem latifundiários e banqueiros privados. O planejamento urbano russo não considerou interesses da renda natural da locação, nem criou juros para quem usasse o dinheiro gerado pelo banco estatal. O banco estatal criava dinheiro e crédito, de modo que não era preciso depender de uma classe financeira rica. E como proprietário da propriedade, o Estado nada ganhava com tributar a renda da terra ou a renda de monopólios.

Por ter libertado a sociedade da classe pós-feudal de rentistas latifundiários, banqueiros e da finança predatória, o regime soviético foi muito mais que uma revolução burguesa. Os primeiros líderes da Revolução buscaram livrar da exploração o trabalho assalariado, tomando a indústria sob domínio público. Companhias estatais garantiam trabalho, almoço, educação, esportes e lazer grátis, e moradia modesta.

Problema foi a posse da terra agrícola. Dado que centralizava o papel do mercado, o Estado poderia ter realocado a terra para construir um campesinato rural e ajudado os camponeses a investir em modernização. O Estado poderia ter manipulado os preços das colheitas para distribuir ganhos da agricultura – mais ou menos como faz a empresa Cargill, nos EUA. Em vez disso, o programa de coletivização de Stálin declarou guerra aos kulaks. Esse choque político levou à fome. Foi preço exorbitante a pagar para evitar que se pagasse aluguel pela terra à classe dos proprietários de terra ou a camponeses ricos.

Marx nada disse sobre a dimensão militar da transição do capitalismo industrial progressivo até o socialismo. Mas a Revolução Russa – como a chinesa, 30 anos depois – mostrou que a tentativa de criar uma economia socialista teve uma dimensão militar que absorveu a parte do leão do excedente econômico. A agressão militar por meia dúzia de nações capitalistas que queriam derrubar o governo bolchevique obrigaram a Rússia a adotar o Comunismo de Guerra. Por mais de meio século, a União Soviética devotou a maior parte do capital a investimento militar, não a garantir moradia ou bens de consumo à população, além de alfabetização e educação e saúde públicas.

Apesar desse descompasso militar, o fato de a União Soviética estar livre de uma classe rentista de financistas e de proprietários latifundiários ausentes deveria ter feito da União Soviética a economia de baixo custo mais competitiva em teoria. Em 1945, sem dúvida os EUA temiam a eficiência do planejamento socialista. Os diplomatas norte-americanos opunham-se à participação de soviéticos nas assembleias mundiais, sob o argumento de que a empresa estatal e preços geridos pelo Estado permitiriam que aquela economia destruísse os países capitalistas.[4] Então, os países socialistas foram mantidos fora do FMI, do Banco Mundial e da planejada Organização Mundial do Trabalho, sob o argumento explícito de que eram livres de aluguel da terra, aluguel de recursos naturais, aluguel de monopólios e de custos financeiros.

Agora, as economias capitalistas estão privatizando e financializando as próprias necessidades básicas e a própria infraestrutura. Toda e qualquer atividade é empurrada a força para "o mercado" a preços que têm de cobrir não só os custos tecnológicos de produção, mas também juros, taxas financeiras auxiliares e reservas para aposentadorias. O custo de vida e de fazer negócios é ainda mais privatizado, porque interesses financeiros capturam tudo, rodovias, atenção à saúde, água, comunicações e outras utilidades públicas, tirando-os do setor público, ao mesmo tempo em que empurram a propriedade imobiliária (moradia e/ou comércio) cada vez mais fundo, para o endividamento.

A Guerra Fria mostrou que os países capitalistas planejam continuar combatendo contra economias socialistas, forçando-as a se militar para autodefesa. E o opressivo gasto militar excedente resultante passa a ser declarado culpa da burocracia e da ineficiência dos socialistas."


O colapso do Stalinismo russo 


A Revolução da Rússia terminou depois de 74 anos, deixando a União Soviética tão espiritualmente exaurida que terminou em [autoextinção] colapso. O contraste entre os baixos padrões de vida dos consumidores russos e o que parecia ser o sucesso do ocidente acentuava-se cada dia mais. Em contraste com a política chinesa de construção de moradias, o regime soviético insistiu que as famílias partilhassem casas. Roupas e outros bens de consumo tinham todas o mesmo design, sem variedade, é claro. Para arremate de males, a oposição pública à morte de pessoal militar russo no Afeganistão fazia aprofundar o ressentimento popular.

Quando a União Soviética se autodissolveu em 1991, os líderes estavam recebendo aconselhamento neoliberal do seu principal adversário, os EUA, na esperança de que assim encontraria a trilha capitalista para a prosperidade. Mas fazer da Rússia qualquer tipo de potência industrial era a última coisa que os conselheiros norte-americanos desejavam fazer da Rússia.[5] O objetivo deles era converter a Rússia e seus ex-satélites em colônias fornecedoras de matérias primas para Wall Street, a City de London e Frankfurt. – Aqueles países convertidos em vítimas do capitalismo, não em produtores rivais.

Rússia havia chegado ao anti-socialismo mais extremo, ao adotar imposto único, que não distinguia entre salários e lucros extraídos do trabalho e da renda não merecida sobre o capital. Mas também tendo de pagar uma taxa de valor agregado sobre bens de consumo (sem qualquer imposto sobre comércio de ativos financeiros), o trabalho pagava impostos muito mais altos que a classe rica.

Grande parte da "criação de riqueza" ocidental é obtida pelo aumento de preços alavancado por dívidas por propriedade imobiliária, ações e bônus, e pela privatização do domínio público. Esse último processo ganhou impulso desde o início dos anos 1980s na Grã-Bretanha de Margaret Thatcher e nos EUA de Ronald Reagan, seguidos por países do 3º Mundo atuando sob tutela do Banco Mundial. O pretexto foi que as privatizações maximizariam a eficiência tecnológica e a prosperidade para toda a economia como um todo.

Seguindo esse conselho, os líderes russos concordaram que as maiores fontes de renda econômica – riqueza em recursos naturais, propriedade imobiliária e empresas estatais – devessem ser transferidas para proprietários privados (frequentemente eles mesmos e insiders associados). A "magia do mercado" acabaria por levar os novos proprietários a tornar mais eficiente a economia, como subproduto de fazer dinheiro à máxima velocidade possível.

Cada trabalhador russo ganhou um "voucher" que valia cerca de $25. Muitos eram simplesmente vendidos para obter dinheiro para comprar comida e outros itens indispensáveis, porque muitas empresas pararam de pagar salários. Depois de 1991, a poupança doméstica foi varrida na Rússia, pela hiperinflação.

Não deve surpreender ninguém que os bancos tenham-se tornado principais centros de controle da economia, como nas economias ocidentais de bolhas. Em vez da prosperidade prometida, uma nova classe de bilionários foi empoderada, chefiada pelos conhecidos Sete Banqueiros que se apropriaram da produção antes estatal de petróleo e gás, níquel, platina, eletricidade e alumínio, e dos itens de propriedade imobiliária, instalações de produção de eletricidade e outras empresas públicas. Foi o maior saqueio de toda a história moderna. A nomenklatura soviética assumiu o lugar dos novos senhores, numa uma captura de riqueza que Marx teria definido como "acumulação primitiva".

Os conselheiros norte-americanos sabiam o óbvio: a poupança russa fora desintegrada na hiperinflação pós-1991. Assim sendo, os novos proprietários só poderiam fazer dinheiro vendendo ações a compradores ocidentais. Os cleptocratas não desapontaram, venderam como era esperado, baixando até o descalabro o preço das próprias ações compradas por investidores estrangeiros tão rapidamente, àqueles preços escandalosos, que o mercado russo de ações tornou-se o maior do mundo para investidores ocidentais nos anos 1994-96.

Os oligarcas russos mantiveram a maior parte do que obtiveram naquelas vendas em bancos no exterior, britânicos e outros, fora do alcance de autoridades russas para serem recuperados. Muito foi convertido em propriedades imobiliárias em Londres, em equipes esportivas, em paraísos fiscais. Praticamente nada foi investido na indústria russa. Os atrasos nos salários chegavam frequentemente a seis meses. Os padrões de vida encolheram; as taxas de natalidade despencaram aos níveis da economia soviética. A mão de obra qualificada emigrou.

A ideia básica de prosperidade neoliberal é ganho financeiro baseado em converter extração de renda em um fluxo de pagamentos de juros por gente que compra a crédito. Essa política favorece a engenharia financeira, muito mais que o investimento industrial, fazendo andar para trás o capitalismo industrial da Era Progressiva que Marx previu que seria um estágio de transição na trilha para o socialismo. A Rússia abraçou a correria do ocidente, antissocialista, regressista, para trás, rumo a um neofeudalismo.

As autoridades russas não compreenderam a Teoria do Estado do dinheiro, que é a base da Moderna Teoria Monetária: os Estados podem criar o próprio dinheiro e dar-lhe valor, se o aceitam como pagamento de impostos. O governo soviético financiou a própria economia durante 70 anos sem precisar criar lastro para o rublo com moeda estrangeira. Mas o banco central da Rússia foi persuadido de que para ter "rublo firme", teria de garantir a própria moeda doméstica com papéis do Tesouro dos EUA, para controlar a inflação. Os líderes russos não viram que EUA-dólares ou quaisquer moedas estrangeiras só eram necessários para financiar déficits do balanço de pagamentos, não para gasto doméstico, exceto se aquele dinheiro é gasto em importações.

Rússia adotou o padrão EUA-dólar. Comprar bônus do Tesouro significa emprestar dinheiro ao governo dos EUA. O banco central comprou securities dos EUA, como garantia para sua moeda doméstica. Essas compras ajudaram a financiar a escalada da Guerra Fria nos países em torno da Rússia. Rússia pagou juros anuais de 100% em meados dos anos 1990s, criando uma bonanza para investidores norte-americanos. Ao mesmo tempo, essa política neoliberal escancarou a economia da Rússia ao saqueio por instituições financeiras que buscavam renda de recursos naturais, renda da terra e renda de monopólios para elas mesmas. Em vez de atacar esses rentistas e rentismos, a Rússia impôs impostos sobre o trabalho, mediante imposto único regressivo – tão direitista que não poderia ser adotado nem nos EUA!

Quando a União Soviética se autodissolveu, seus funcionários não deram sinal de apreensão ante a alta velocidade com que as várias economias nacionais ex-soviéticas seriam desindustrializadas, resultado de terem aceito o conselho dos EUA para que privatizassem empresas estatais, recursos naturais e infraestrutura básica. Qualquer conhecimento do que Marx ensinara sobre o capitalismo que algum dia tivesse existido (talvez no tempo de Nicolai Bukharin) já se exaurira há muito. É como se nenhum funcionário russo jamais tivesse ouvido falar dos volumes II e III de O Capital de Marx (ou Teorias da Mais-valia), nos quais Marx revisou as leis da renda econômica e dos juros do endividamento.

A incapacidade da Rússia, dos países Bálticos e de outros países pós-soviéticos para compreender o setor Finança, Imóveis, Seguros, FIS [ing. Finance, Insurance and Real Estate, FIRE) e sua dinâmica financeira é lição objetiva para outros países sobre o que evitar. Ao reverter os princípios da Revolução de Outubro de 1917 na Rússia, a cleptocracia pós-soviética fez como a "acumulação primitiva" da terra e dos bens comuns da época feudal. Adotaram o plano de negócio neoliberal: estabelecer monopólios, primeiro e mais facilmente mediante a privatização de infraestrutura pública que haja construída, extraindo renda econômica e consumindo o resultado como lucros e dividendos.

Esse aconselhamento financeiro do ocidente aos pós-soviéticos tornou-se como um manual de como não organizar qualquer economia.[6] Tendo-se aproximada sem dívidas da economia global em 1991, a população, empresas e governo russos rapidamente afundaram-se em dívidas, como resultado da própria catástrofe construída. Famílias entregaram as próprias casas praticamente grátis, assim como empresários receberam empresas inteiras também praticamente grátis. Mas os gerentes russos eram tão anti-trabalho quanto gananciosos na luta para arrancar para si a riqueza do domínio público. Preços estratosféricos da moradia em pouco tempo se converteram em praga que assolou a economia russa com um dos mais altos custos de vida e custos comerciais. Assim se bloqueou qualquer ideia que surgisse de fazer concorrência industrial aos EUA ou à Europa. 

Ao que passou por Marxismo Soviético faltou compreender como a renda econômica e os decorrentes altos custos do trabalho afetaram os preços internacionais, ou como o serviço da dívida e a fuga de capitais afetaram a taxa de câmbio da moeda.

Adversários do socialismo decretaram a morte da teorias Marxista, como se a dissolução dos sovietes significasse o fim do Marxismo. Mas hoje, menos de três décadas depois, as principais economias ocidentais já sucumbem, elas próprias, sob o peso de um ultra crescimento da dívida, com encolhimento dramático da prosperidade. 

A Rússia não soube ver que assim como sua própria economia expirava, a o mesmo aconteceria à economia ocidental. O capitalismo industrial agoniza nas garras de um capitalismo financista predatório que está adoecendo as economias ocidentais pelo excesso de endividamento.[7] As causas subjacentes já estavam claras há um século: financistas rentistas sem qualquer controle, proprietários ausentes e monopólios.

O colapso pós-sovietes nos anos 1990s não foi fracasso do Marxismo, mas da ideologia antissocial que está jogando as economias ocidentais sob o domínio de uma simbiose entre três modalidades de extração de renda pelo setor Finança, Imóveis, Seguros, FIS [ing. Finance, Insurance and Real Estate, FIRE): renda da terra e dos recursos naturais, renda de monopólio e juros (renda financeira). Esse é precisamente o destino do qual o socialismo e o Marxismo – e até o capitalismo de Estado – tentaram salvar as economias industriais.

Uma parte boa do estágio "final" dos sovietes foi ter libertado a análise marxista do que nela havia de Marxologia Russa. Aquele foco da Marxologia Soviética não foi análise de como as nações capitalistas estavam-se convertendo em economias financializadas neo-rentistas; não passou de propaganda, ossificando-se numa identidade política estereotipada que apelava ao trabalho e a minorias oprimidas. 

O renascimento que se vê hoje dos estudos marxistas começa a mostrar como a economia global centrada nos EUA está entrando num período de arrocho crônico [dito 'austeridade'], deflação da dívida e polarização entre credores e devedores.


Financialização & privatização estão fazendo o capitalismo naufragar na deflação da dívida


À altura de 1991, quando os líderes da União Soviética decidiram trilhar o caminho "ocidental", as próprias economias ocidentais já chegavam a um terminus. Salvaram-se algumas aparências com uma onda de crédito não produtivo e geração de dívida, para sustentar a economia de bolha que afinal explodiu em 2008.

As armadilhas dessa dinâmica financeira talvez não fossem aparentes nos primeiros anos depois da 2ª Guerra Mundial, em grande parte porque as economias emergiram com os respectivos setores privados livres de dívidas. O boom que se seguiu pareceu benéfico para as classes médias nos EUA e em outros países, mas era financiado com dívida, primeiro para a compra da moradia e imóveis comerciais, depois para crédito ao consumidor para a compra de automóveis e utilitários domésticos, e finalmente dívida de cartão de crédito apenas para conseguir pagar os gastos de sobrevivência.

O mesmo supercrescimento da dívida ocorreu no setor industrial, onde o crédito bancário desde os anos 1980s tem ido cada vez mais para ataques a outras empresas, recompra de ações da própria empresa e até para conseguir distribuir dividendos. A indústria tornou-se veículo para engenharia financeira para aumentar o preço de ações e destruir patrimônio, não para aumentar os meios de produção. O resultado é que o capitalismo tornou-se presa de interesses rentistas que ressurgem, em vez de libertar as economias do dano que lhes causam os latifundiários ausentes, a Banca predatória e os monopólios. 

Bancos e acionistas encontraram o mais lucrativo dos mercados, não no setor da manufatura, mas nos setor imobiliário e de extração de recursos naturais.

Esses interesses organizados traduziram seus assaltos em poder político para retirar taxas e impostos e desmontar qualquer regulação que houvesse sobre a riqueza. A política de contrarreformas inverteu a ideia de "livre mercado", que hoje significa economia livre para os interessados em extrair renda, não economia livre dos latifundiários, monopolistas e da exploração financeira como sonharam Adam Smith, John Stuart Mill e outros economistas clássicos. A palavra "reforma" como a usa hoje a mídia-empresa neoliberal significa desfazer as reformas da Era Progressiva, desmantelar a regulação pública e o poder de governo – exceto se for para forçar ainda maior controle pela finança e por seus interesses organizados aliados.

Tudo isso é o contrário de socialismo, que agora naufragou até seu ponto mais baixo em todo o Mundo Ocidental. As últimas quatro décadas assistiram à maioria dos partidos europeus e norte-americanos autodeclarados "socialistas" darem as costas ao socialismo para seguir o 'Neo-trabalhismo' de Tony Blair, os socialistas franceses só-no-nome e os Neo-democratas de Clinton. Todos esses apoiam a privatização, a financialização e o fim de qualquer taxação progressiva, rumo a taxa de valor agregado que pesa sobre os consumidores, não sobre a finança ou sobre a propriedade imobiliária.


A diplomacia socialista da China no mundo hostil de hoje 


Agora que o capitalismo financista ocidental está estagnando, ele luta ainda mais furiosamente para impedir que a crise pós-2008 leve a reformas socialistas que ressocializarão a infraestrutura que tenha sido privatizada e substituirá a Banca que há por sistema bancário público. Pintando o contraste entre economias socialistas e economias de capitalismo financeiro como um choque de civilizações, a diplomacia "ocidental" centrada nos EUA está usando a subversão militar e politica para impedir qualquer transição do capitalismo para o socialismo.

A China é o principal exemplo de sucesso socialista em economia mista. Diferente da União Soviética, a China não fez proselitismo de seu sistema econômico nem buscou promover qualquer revolução em outros países para divulgar a própria doutrina econômica. Precisamente o contrário: para evitar ataques, a China deu aos investidores estrangeiros uma fatia do próprio crescimento econômico. O objetivo tem sido mobilizar interesses norte-americanos e outros como aliados, como consumidores interessados para as exportações chinesas e como fornecedores da produção de modernas instalações de produção na China.

É o oposto do antagonismo que a Rússia encontrou. O risco é que esse movimento envolve investimento financeiro. Mas a China protegeu a própria autonomia, ao exigir maioria chinesa na propriedade em quase todos os setores. O principal perigo é doméstico, na forma de dinâmica financeira e extração privada de renda. A grande escolha que a China tem hoje pela frente tem a ver com quais recursos em terra e riquezas naturais devem ser taxados.

O estado é proprietário da terra, mas impõe impostos totais sobre a valorização crescente ou renda-de-locação que enriqueceu muitas famílias. Deixar que a propriedade e a riqueza financializada resultantes dominem o crescimento econômico tem dois perigos: Primeiro, aumenta o preço que novos compradores têm de pagar pela moradia. Segundo, preços altos das moradias forçam as famílias a tomar empréstimos – a juros. Assim o valor da renda a extrair da terra – valor criado pela sociedade e investimento público em infraestrutura – é convertido num fluxo de juros para os bancos. Eles terminam recebendo mais, ao longo do tempo, que os vendedores, ao mesmo tempo em que sobre o custo de vida e o custo de fazer negócios. Esse é destino que uma economia socialista tem de evitar a todo custo.

A questão é como a China pode fazer a melhor gestão possível do crédito e da renda de recursos naturais de modo que mais bem satisfaça as necessidades de sua população. Agora que a China construiu indústria e propriedade imobiliária próspera, o principal desafio e evitar a dinâmica a que está submetido o Ocidente de deflação da dívida, que enterra as economias ocidentais. Para evitar essa dinâmica, a China deve impedir a proliferação de dívida improdutiva, criada meramente para transferir propriedade sobre o crédito, inflacionando no processo os preços dos ativos.

O Socialismo é incompatível com uma classe rentista de latifundiários, de proprietários de recursos naturais e monopolistas – exatamente os clientes preferidos dos bancos que esperam converter renda econômica em taxas de juros. Como veículo para alocar recursos "o mercado" reflete o status quo da propriedade dos bens e privilégios de criar crédito em qualquer dado momento do tempo, sem considerar o que é justo e eficiente, ou predatório. Interesses organizados alegam que esse mercado seria uma força imutável da natureza, cujo curso não pode ser alterado pela "interferência" de governos. 

Essa retórica de passividade política visa a paralisar políticos e eleitores, para que não regulem a economia, deixando os ricos livres para privatizar propriedade imobiliária, recursos naturais, a Banca e todos os monopólios, e assim extraírem o máximo de renda econômica e de juros que os mercados possam oferecer.

Essa busca de rentismo é uma antítese do objetivo do socialismo, de retomar para o domínio público todo aquele patrimônio. Por isso os setores financeiro, de extração de petróleo e minérios e monopolistas combatem tão empenhadamente para desmantelar o poder do setor regulatório do Estado e os bancos públicos. É a 'diplomacia' do capital financeiro, tentando consolidar uma hegemonia dos EUA sobre um mundo desejado unipolar.

O capital financeiro apoia essa sua estratégia com um currículo acadêmico neoliberal, que pinta a finança predatória e os ganhos do rentismo como se se acrescentassem à renda nacional, não como o que realmente são – ação de transferir a renda nacional para o bolso das classes rentistas. Esse quadro enganador da realidade econômica é real perigo para a China, que insiste em mandar seus alunos estudar Economia em universidades norte-americanas e europeias. 

O século que transcorreu desde a Revolução Russa de Outubro de 1917 produziu substancial literatura Marxista que mostra como o capitalismo financeiro já sobrepujou o capitalismo industrial. Sua dinâmica ocupou Marx nos volumes II e III de OCapital (e também em suas Teorias do Mais-valor ['livro IV', organizado por Karl Kaustsky e publicado em 1905, natradução brasileira da Editora Boitempo, que modifica a terminologia antiga, onde se lia "mais-valia"] (NTs)). Como muitos observadores do seu tempo, Marx esperava que o capitalismo desse um passo substancial na direção do socialismo e derrotaria a dinâmica do capital parasitário, principalmente a tendência de expansão contínua da dívida, puxada a juros compostos, até uma catástrofe financeira.

O único modo de controlar bancos e os setores rentistas a eles aliados é a completa socialização. O século passado mostrou que, se a sociedade não controla os bancos e o setor financeiro, eles controlarão a sociedade. A estratégia deles é bloquear a criação de dinheiro pelo Estado/governo, de modo que as economias serão forçadas a depender de bancos e detentores de papéis. A autoridade regulatória para limitar essa agressão financeira, limitar o poder dos monopólios para fazer preços e limitar a extração de rendas que os monopólios defendem foi paralisada no Ocidente pela "captura do poder regulatório" pela oligarquia rentista.

Tentativas para tornar dedutível a renda do rentismo (alternativa liberal ao assalto para tomar a propriedade imobiliária e os recursos naturais diretamente do patrimônio público) são como um convite à ação predatória dos lobbyes à procura de furos e vias para evasão, mais notoriamente via centros offshore da Banca em enclaves para fugir de impostos, e as "bandeiras de conveniência" [ing. "flags of convenience"] patrocinadas pelas empresas globais de petróleo e mineração. 

Assim, a única saída que restou para salvar a sociedade do poder da finança para converter renda em juros é uma política de nacionalização de recursos naturais, plena taxação da renda da terra (onde terra e minérios não são postos diretamente sob domínio público) e a reprivatização da infraestrutura e de outros setores chaves.


Conclusão


Depois de 2008, os mercados não se recuperaram para os produtos da indústria e do trabalho norte-americanos. O capitalismo industrial foi sacrificado ante uma forma de capitalismo financeiro que já parece mais pré-capitalista (ou simplesmente oligárquico e neofeudal) a cada ano que passa. A polarização daí resultante força todas as economias – inclusive a China – a escolher entre salvar seus banqueiros e outros credores, ou livrar os devedores e reduzir a estrutura de custo da economia. O governo atenderá aos clamores dos bancos e acionistas, ou dará prioridade à economia e ao povo? Aí está a eterna pergunta política que se dissemina pelas economias pré-capitalistas, capitalistas e pós-capitalistas.


Marx descreveu a matemática dos juros compostos sempre em expansão para absorver toda a economia como capitalismo industrial predatório. Caracterizou o antigo modo de produção dominado pela escravidão e pela usura e a Banca medieval como predatórios. Essas dinâmicas financeiras existem em economias socialistas, como existiram nas economias medievais e antigas. O modo como os governos fazem a gestão da dinâmica de crédito e dívida é, pois, a força dominante em cada era; e deve merecer máxima atenção hoje, quando a China modela seu próprio futuro socialista.*****



[1] "Rent é aquela porção do produto da terra que é paga ao proprietário pelo uso das potências originais e indestrutíveis do solo" (Ricardo). [A expressão aparece na literatura especializada em português, traduzida como "renda da terra" e "aluguel da terra"; a segunda nos parece mais compreensível para os não especialistas (NTs).]
[2] "Metamorfose formal, "falsos custos" (faux frais): "A lei geral é que todos os custos de circulação que só se originam da transformação formal da mercadoria não lhe agregam valor. São apenas custos para a realização do valor ou para a sua conversão de uma forma em outra. O capital despendido nesses custos (inclusive o trabalho por ele comandado) pertence aos faux frais da produção capitalista" (Marx, O Capital,vol. 2 p. 108) [NTs].
[3] Ofereço detalhes em "Simon Patten on Public Infrastructure and Economic Rent Capture," American Journal of Economics and Sociology 70 (October 2011):873-903.
[4] Em meu livro Super-Imperialism (1972; nova ed. 2002) reviso essa discussão dos anos 1944-46.
[5] Discuto o plano do FMI e do Banco Mundial para acabar com a poupança russa com hiperinflação e tornando não econômico o investimento na indústria, em "How Neoliberal Tax and Financial Policy Impoverishes Russia – Needlessly [Como os impostos e a política financeira neoliberais empobreceram a Rússia – Desnecessariamente],"Mir Peremen (The World of Transformations), 2012 (3):49-64 (em russo). МИР ПЕРЕМЕН 3/2012 (ISSN 2073-3038) Mir peremen М. ХАДСОН, "Неолиберальная налоговая и финансовая политика приводит к обнищанию России" 49-64.
[6] Dou detalhes em "How Neoliberals Bankrupted ‘New Europe’: Latvia in the Global Credit Crisis," (with Jeffrey Sommers), in Martijn Konings, ed., The Great Credit Crash (Verso: London and New York, 2010), pp. 244-63, e em "Stockholm Syndrome in the Baltics: Latvia’s neoliberal war against labor and industry," in Jeffrey Sommers and Charles Woolfson, eds., The Contradictions of Austerity: The Socio-Economic Costs of the Neoliberal Baltic Model (Routledge 2014), pp. 44-63.
[7] Para análise mais detalhada, ver Dirk Bezemer and Michael Hudson, "Finance is Not the Economy: Reviving the Conceptual Distinction," Journal of Economic Issues50 (2016: #3), pp. 745-768.


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