Em entrevista à Sputnik, Dilma acusa Bolsonaro de apoiar 'tortura e ditadura' no Brasil
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Um dos episódios mais citados quando a gente fala da biografia da ex-presidente brasileira, Dilma Rousseff, é seu histórico de luta contra a ditadura militar. Em uma entrevista exclusiva, a Sputnik Brasil falou com a política sobre a abertura dos respectivos arquivos e "reminiscências" de ideias totalitárias nas Forças Armadas brasileiras.
A ex-chefe de Estado brasileira, a petista Dilma Rousseff, esteve nas cidades russas de Moscou e São Petersburgo entre os dias 2 e 6 de outubro. A Sputnik Brasil teve uma oportunidade única de entrevistar a senhora ex-presidente para falar dos assuntos internos e internacionais.
Sputnik Brasil: Muitas vozes, até então caladas, na sociedade brasileira e na caserna vêm mencionando a necessidade de intervenção militar no Brasil. Dada a sua história de resistência à ditadura, como a senhora vê isso? Por que não houve um esforço durante o seu governo para a abertura dos arquivos da ditadura, a fim de que se buscasse um processo de revisão do período?
Dilma Rousseff: Bom, eu vou te explicar a primeira parte. A minha experiência é como Presidente da República. Eu acredito, de forma bastante sincera e profunda, que as Forças Armadas brasileiras têm hoje uma noção clara da importância da democracia e dos perigos que provocam nas Forças as intervenções militares. As Forças Armadas do Brasil, eles têm compromisso democrático. O atual comandante do Exército eu nomeei. O atual comandante da Aeronáutica eu nomeei. O atual comandante da Marinha eu nomeei. São pessoas que têm compromisso democrático.
Entretanto, a ex-presidente brasileira reconheceu que o problema das crescentes ideias radicais entre os círculos militares verdadeiramente existe.
"O que é que está acontecendo no Brasil? É que algumas vozes militares começam a falar e isto — por alguns motivos. Primeiro, porque o escândalo é muito grande, então houve uma manifestação nesse sentido. Outros — porque ainda dentro do exército tem, não é grande, mas tem, reminiscentes e reminiscências da ditadura", confessou.
Contudo, embora tais ideias, de fato, sejam expressas de vez em quando, Dilma defendeu que não vê uma hipótese, de fato, de "um movimento de intervenção militar neste momento no Brasil" e considera tais alegações como algo "precipitado e é incorreto".
Além disso, defendeu que no cenário político brasileiro há figuras que contribuem para alastramento de tais ideias.
"Por que é que no Brasil isso ainda foi cogitado? Não só pelos militares. O próprio candidato que está em seguida ao Lula [Jair Bolsonaro], ele é uma pessoa que votou pela tortura e pela ditadura no dia 17 de abril, no Congresso Nacional, votando a favor do meu impeachment. Não foi a favor do impeachment, mas foi a favor da tortura e da ditadura", expressou a petista.
Democratização dificultada dos anos 80
Segundo enfatizou Dilma em uma conversa com a Sputnik Brasil, o futuro dos arquivos da ditadura militar foi definido ainda na época de transição democrática, que foi, aliás, bastante conturbada.
"Aí, o processo de transição é um processo negociado. Fazem uma eleição indireta no Congresso. Nessa eleição indireta, cria-se um governo, o presidente morre, há um substituto que é um substituto do governo anterior, que apoiou a ditadura. Um cara que apoia a ditadura e que faz a transição. E a transição foi feita. Quando fazem uma transição, negociam uma principal questão: chama-se anistia recíproca. […] Anistia recíproca é "eu não processo as organizações de esquerda, e vocês não processem os torturadores". Acordo absurdo […], porque as organizações de esquerda cometeram atos de violência. Mas eram atos de violência sem a força do Estado. Uma coisa é terrorismo do Estado, outra coisa são atos violentos por indivíduos que no Brasil não foram muito expressivos", defendeu.
Analisando aquele período da história brasileira, a Dilma observou que no processo houve marcantes diferenças em relação aos outros países latino-americanos afetados por tendências políticas iguais.
"Então, fizeram um acordo. Isto é, no final dos anos 80. Aí, com isso a população não viu serem julgados os torturadores. A população não viu serem julgados aqueles que cometeram crimes, assim como ocorreu na Argentina, que eles condenaram e botaram na cadeia, ou no Chile, […] ou no Uruguai. O que a população viu foi esse acordo", confessou a petista.
Segredos negros do passado brasileiro
De acordo com a ex-presidente brasileira, foi exatamente a esse "pacto" que se deve a ausência de arquivos para abrir na época em que o PT chegou ao poder.
"Bom, aí a vida passa. Quando nós chegamos, o que você acha que tinha para abrir? Eles saem no final de 1980, vamos falar em 1988, é antes, mas damos de barato que é 1988. Que é que tem para abrir em 2013, o que é que você acha? Que alguém deixou para ser descoberto, por 13 anos, você acredita? […] Então, nós fizemos de tudo, inclusive prometemos absoluta discrição para quem entregasse esses arquivos", revelou.
Destacou, porém, o grande papel da Comissão Nacional da Verdade, instituída pela própria ex-presidente, que foi crucial nessas tentativas de fazer virem à tona os novos detalhes das páginas negras da história brasileira.
"A Comissão Nacional da Verdade, ela pediu os arquivos para as Forças Armadas. Que arquivo é que as Forças Armadas naquela altura do campeonato tinham? Nenhum. O que é que você acha que a pessoa faz logo que o regime muda de ditadura para democracia? De duas uma: ou queima arquivo, ou esconde em casa. O resto, nós tínhamos de fazer isso, pegamos alguns arquivos que sobraram. Mas os arquivos fundamentais tinham de ser pegos antes, logo após a abertura, mas os governos não queriam mexer com isso. É simples assim", partilhou a ex-presidente à Sputnik.
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