Saul Leblon: Brotos verdes no sertão

Multidões imprevistas afluem à passagem de Lula no sertão. A passividade eleitoral talvez não seja mais o fio condutor desse anseio por existir.

por Saul Leblon - na Carta Maior - 01/09/2017

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Tem um filme novo passando nas telas de cinema; não é a superprodução da Lava Jato.
 
Invisível na mídia conservadora, um Brasil pobre, mas teimoso em seu viço, emergiu nas redes alternativas e delas atingiu uma parte do imaginário nacional em imagens exuberantes.
 
O que elas contam é a arrebatadora história de uma fronteira onde o Brasil impossível se mistura ao da esperança.
 
Colhidas ao longo da caravana na qual Presidente Lula percorre 25 cidades em nove estados do Nordeste, desde o dia 17 de agosto, as imagens estabelecem um contraste chocante com a estética e a agenda do país oficial.
 
Ambas são recortes da mesma realidade.
 
Essa, retorcida, convulsionada, exasperante, tal a distância estabelecida entre as suas partes contrapostas, a partir do golpe que agora completa um ano.
 
A dificuldade que tem a mídia conservadora de incluir os dois lados na sua pauta, e de contempla-los com o mínimo de equidade jornalística, ilustra o asfixiante esgotamento do sistema de representação do conflito social na democracia brasileira.
 
Não há nesse momento nenhuma dimensão institucional na qual o Brasil possa se enxergar por inteiro na diversidade de seus interesses e possibilidades.
 
Nem o conservadorismo, essa é a verdade, se identifica plenamente com a sua representação golpista.
 
Ademais do habitual oportunismo, as dissidências no interior do PSDB refletem  esse descompasso.
 
 De um Congresso vocalizado pelo repertório do boi, da bíblia e da bala, tampouco se espera a modulação das partes em um todo que contemple o interesse mais geral da nação e do seu desenvolvimento.

Falta ar democrático nos pulmões da nação.
 
Alvo-síntese da gigantesca asfixia em marcha, Lula respondeu ao seu pretendido velório com um salto para a vida que está desconcertando seus coveiros de togas e pautas.
 
No histórico anseio nordestino por inclusão, o retirante de Garanhuns que se tornaria o maior líder popular da história brasileira, foi escancarar a existência de uma nação irredutível à estreiteza do projeto conservador imposto ao conjunto da sociedade.
 
O resultado é um transbordamento arrebatador.
 
Tudo o que se pretendia envazar e lacrar por pelo menos vinte anos, como preconiza a purga do teto fiscal, jorra em tintas de um vigor que cativa e desarruma a narrativa da ordem usurpadora.
 
O fato é que o morto, esse Brasil abduzido dos noticiosos, não apenas respira.
 
Ele irradia a teimosa demanda por uma vida melhor e nisso converge o seu repto ao de Lula.
 
 Impactos semelhantes ao desse transbordamento itinerante tiveram também, para citar duas referências históricas, a Coluna Prestes, nos anos 20, e a Marcha sobre Washington, organizada há 54 anos (agosto de 1963) por Martin Luther King, que levaria 250 mil pessoas à capital norte-americana.
 
A multidão incomum que afluiu a Washington de todos os cantos do país exigia cidadania plena aos negros dos EUA.
 
Nos dois casos, o sistema institucional ao redor mostrava-se impermeável à expressão dos interesses externos aos círculos associados ao poder.
 
Nos EUA, embora as Emendas à Constituição (13, 14 e 15) tenham estendido cidadania e direito de voto aos negros desde o final da Guerra da Secessão ( 1861/65), na prática as barreiras da pobreza e do preconceito interditavam o caminho para a liberdade e a igualdade. O sistema político era funcional à exclusão.
 
A Coluna Prestes percorreria 25 mil quilômetros no Brasil nos anos 1925, 1926 e 1927, empurrada igualmente pelo duplo efeito ejetor de um sistema oligárquico fechado, ademais de varado por crise terminal.
 
A República Velha tornara-se incapaz de responder aos desafios sociais e econômicos de um país que deixaria de ser escravocrata, sem dispor ainda de uma representação política capaz de expressar a nova diversidade dos seus conflitos.
 
Essa deficiência impedia o país de repactuar o passo seguinte da economia e da sociedade, que se desdobrava em colapsos retroalimentados.
 
O engessamento transbordou nas revoltas oriundas do próprio estamento burocrático, refletindo uma circularidade ilustrativa da ausência de um projeto para a nação que emergia.
 
O Tenentismo foi a expressão fardada desse interlúdio convulsivo.
 
A Coluna Prestes, a versão épica de uma fuga para frente, só concluída quando o aguçamento da crise rachou o tenentismo e Prestes, anos depois, personificou um lado da resposta ao aderir ao marxismo.
 
Sendo uma mobilização em defesa de direitos negados e subtraídos, a exemplo das marchas de Luther King, mas também a expressão de um Brasil interditado pela obtusidade histórica das elites, como na República Velha, a caravana de Lula carrega também o carisma da esperança, num intermezzo histórico em que um ciclo de desenvolvimento se esgotou e outro precisa ser construído.
 
Sua marcha, porém, encerra singularidades não negligenciáveis.
 
Prestes, nos anos 20, a exemplo do Tenentismo, não tinha um projeto de nação no qual o povo se enxergasse e fosse visto --por ele inclusive--  como o protagonista decisivo do processo.
 
Sua coluna arregimentou adesões, mas não organizou a população por onde passava, nunca vista como o novo sujeito histórico.
 
A caravana de Lula tampouco se propôs, originalmente, a arregimentação popular para a luta por uma democracia social efetiva, que inclui mas vai além da eleição de 2018  na construção de um novo sujeito coletivo.
 
Talvez seja arriscado dize-lo, mas as imagens insistem em sugerir.
 
Lula e a caravana foram surpreendidos –como de resto, todo o país.
 
Multidões imprevistas barraram a comitiva no interior nordestino, impedindo-a de prosseguir com impressionante recorrência e determinação, exceto depois de cumprido um acordo.
 
Qual?
 
Lula falar à gente do lugar.
 
Falar o que ele sempre disse e fez.
 
Mas que desde 31 de agosto de 2016, o golpe, sua mídia, seus colunistas engomados, os economistas de banco e suas prioridades argentárias decidiram sonegar.
 
Qual seja, o lugar do povo brasileiro no bonde da nação.
 
O que os barramentos queriam ouvir da voz rouca familiar é que o seu assento é um direito e será restituído.
 
Os fatos sugerem que a passividade meramente eleitoral talvez não seja mais o fio condutor desse anseio.
 
Vale recordar.
 
Um dos episódios mais emblemáticos da luta antirracista nos EUA deu-se em 1955, em Montgomery, na capital do Alabama,
 
Uma negra, Rosa Parks, ocupou um assento nas fileiras intermediárias do ônibus e se recusou a ceder o lugar a um branco, como mandava a lei segregacionista do lugar.
 
Presa, Rosa ganharia a solidariedade de um massivo movimento civil liderado, entre outros, por Martin Luther King.
 
Um ano depois, os negros conquistariam o direito de ocupar qualquer assento nos coletivos de Montgomery.
 
O que o golpe está dizendo –e o país sertanejo parece determinado a não aquiescer clamando por alguém que o desminta— é que o povo brasileiro, a vasta maioria da sociedade, incluindo-se boa parte das camadas médias, deve ceder seu lugar no ônibus do desenvolvimento.
 
Para quê?
 
Para preservar a segurança e o conforto da riqueza e do poder em mais uma transição turbulenta da história nacional.
 
As cenas observadas no interior sertanejo sugerem a possibilidade de uma coisa.
 
Possivelmente um horizonte mais amplo de participação, e mais profundo na resposta à crise, do que o teto previsto pelo calendário eleitoral de 2018, ainda que sem excluí-lo.
 
A mídia conservadora desdenha dessa que talvez seja a novidade política capaz de sacudir o tabuleiro de um golpe que apenas aguardaria a condenação agalopada de Lula para consagrar seu xeque-mate contra o povo e o país.
 
Esse lance derradeiro do jogo viciado talvez não seja mais suficiente.
 
As manifestações populares no caminho de Lula podem indicar que a suposta passividade atribuída ao povo brasileiro talvez decorra muito mais da falta de um catalisador convincente – originalmente até involuntário, neste caso-- do que da prostração decorrente do conformismo ou da indiferença com a própria sorte e o destino do Brasil.
 
O transbordamento nordestino adiciona outras variáveis importantes à equação sobre a qual o conservadorismo imaginava ter controle absoluto.
 
 O jogo está longe de terminar, é um primeiro ponto.
 
Mesmo que Lula seja barrado na cédula de 2018 –como se planeja desde o início--  seu carisma e poder de liderança demonstram inegável resiliência, ademais de ecoarem  junto a uma juventude atenta que prestigia a caravana em cada parada.
 
Como ele mesmo diz: se não for candidato, será o mais poderoso cabo eleitoral da disputa de 2018. Ponto pacífico.
 
Mais que isso: preso, tornar-se-á o símbolo carismático da injustiça social e política a ser apeada. Pelo voto ou pela rua.
 
Há outras novidades afloradas sob o sol do sertão.
 
Lula continua a ser o líder popular de extração sindical que acredita na necessidade da mobilização e da negociação para empurrar a fronteira da justiça social e da correlação de força em cada ciclo de luta.
 
A altura do sarrafo, porém, pautada pela origem de berço e de aprendizado político, mudou de novo.
 
As causas e consequências do golpe, ruminadas durante um ano de cerco impiedoso a ele, à família, ao PT, ao governo Dilma e ao seu legado afloraram em brotos verdes sob o sol sertanejo.
 
Lula é um mestre da tradição oral. Pensa falando e fala pensando, talento de poucos -- Brizola era um caso-- que dá fluência magnetizadora à oratória.
 
O que ele pensou e disse às multidões que acorreram generosamente para ouvi-lo revela sinapses amadurecidas, que esperavam o calor dos discursos massivos para aflorarem.
 
Um futuro governo popular –seu ou com o seu apoio – buscará alianças, reafirmou mais e uma vez sua convicção.
 
Mas o discernimento da sociedade sobre os desafios do país, requisito para uma repactuação participativa do desenvolvimento –ou não haverá repactuação alguma e sim rendição ao mercado--  não pode mais ser manipulado diariamente, advertiu, ‘pelas mentiras da Globo’.
 
Lula asseverou com todas as letras a determinação de atravessar um divisor sempre evitado desde 2003: vai regular a mídia.
 
Não abdica da interlocução ecumênica com o amplo espectro político do centro à centro-direita.
 
Subiu no palanque com Renan; jantou com a família de Eduardo Campos, foi elogioso a prefeitos do PSDB, como o de Ouricuri (CE), que o recepcionaram com honras de chefe de Estado.
 
Mas vai revogar medidas antissociais e antinacionais tomadas pelo golpe, disse-o de novo explicitamente.
 
Porque acredita que só assim, com crescimento e soberania, será possível dilatar outra vez a fronteira da inclusão social, que persiste como o seu Norte, seu Sul, seu Leste e seu Oeste político.
 
Há mais.
 
Lula não subestima o poder de boicote do exército rentista.
 
Mas vai utilizar um pedaço das reservas para compor um fundo garantidor do investimento em infraestrutura, de modo a acionar a ignição do crescimento.
 
Vai perseguir a retomada do PIB, do emprego e da renda.
 
E o fará ainda que isso implique, de início, algum crescimento da dívida interna.
 
A ressalva pressupõe medidas mitigadoras desse impacto, seja pela negociação, seja pela redução do juro, seja por alguma forma de controle da conta de capitais para evitar a previsível chantagem cambial.
 
Terá que ser assim até que a recuperação da receita reequilibre o processo.
 
Alianças pontuais que a correlação de forças determinar ele as fará.
 
‘Quantos representantes dos sindicatos nós teremos no Congresso? Cinquenta? Hoje são três. A bancada ruralista tem 240’, argumentou em entrevista em Pernambuco, questionado sobre o tema.
 
 Ele as fará, mas sob o escopo da nova altura do sarrafo.
 
O conjunto sugere um líder em trânsito.
 
Sem abdicar de seu enraizamento negociador, Lula talvez chegue ao final da caravana receptivo ao broto mais viçoso da colheita nordestina.
 
Esse que define a mobilização e a organização popular como a variável-chave na reordenação democrática de um novo ciclo de desenvolvimento brasileiro.
 
Trata-se de um passo crucial.
 
Já no final do primeiro mandato da Presidenta Dilma, a quilha da governabilidade progressista gritava a necessidade de outro mix entre a rua e a negociação parlamentar.
 
Gargalos clamavam a necessidade de mudar o lastro para o exercício do poder –e isso implicava uma recomposição de prioridades, mas sobretudo do método de luta.
 
A política fiscal contracíclica  havia esgotado seu fôlego diante de uma persistente desordem global do neoliberalismo. A escolha de um ajuste rápido baseado em aperto de gastos e desvalorização cambial  –para crescer ancorado em exportações, subestimaria a natureza sistêmica da crise internacional e a voracidade da conspiração doméstica
 
Ao negligenciar a dimensão política do impasse econômico, o governo perdeu o lastro junto ao empresariado sem amplia-lo no campo popular.
 
O golpismo nativo –ademais do Departamento de Estado e suas sucursais no país– farejou a deriva.
 
A aliança da mídia com a escória, o dinheiro e o judiciário fez o resto.
 
A exata compreensão da encruzilhada que propiciou o golpe de 31 de agosto tornar-se-ia assim uma questão de vida ou morte à retomada da iniciativa popular, que inclui 2018, repita-se, mas vai além da urna, imperiosamente.
 
A caravana nordestina talvez tenha trazido a energia necessária para fazer girar essa roda da história -- na cabeça de Lula e nas fileiras progressistas que o tem como referência.
 
O desafio não é pequeno.
 
A agenda antissocial e antinacional do golpe terá que ser afrontada por bandeiras e projetos, mas sobretudo por formas de organização que ofereçam ao conjunto da sociedade uma nova referência crível de futuro e estabilidade para a economia, o seu cotidiano e a sua esperança.
 
Foi essa conjunção que talvez tenha começado a fazer sentido na atilada intuição de Lula ao se deparar com o cerco das multidões num roteiro que escolheu as estradas de um Brasil normalmente ignorado nas incursões aéreas dos políticos.
 
O requisito subjacente a essa mutação é o desassombro para enxergar o esgotamento de um ciclo e as balizas que podem pavimentar o próximo.
 
Entre elas, como já se disse neste espaço, inclui-se o requisito de trazer uma parte da classe média brasileira para fora da agenda do golpe e assim estender as linhas de passagem entre uma nação dilacerada por fraturas imobilizantes e a repactuação do seu desenvolvimento.
 
A ‘caravana’ capaz de semear esse broto verde nos redutos da classe média precisa ser construída.
 
E não poderá se pautar pelo acanhamento se não quiser fracassar  esfericamente.
 
 Contra a espiral descendente vivida pelas faixas de renda média, atingidas globalmente pela precarização do trabalho e o esgarçamento industrial, é inútil prometer uma ‘volta’ a um status que sustentou a afluência no pós-guerra.
 
Esse mundo de mobilidade ascendente de extratos de renda intermediária não voltará a existir.
 
 Nem existirá um outro que  compense sem uma reforma tributária corajosa que atinja o núcleo duro da riqueza, sobretudo a financeira.
 
Repita-se o que expôs em artigo recente o economista Sergi Gobetti: a classe média com renda de R$ 7.000 mensais, na verdade é tão vítima da injustiça fiscal quanto os pobres. Proporcionalmente mais taxada que os ricos, ressente-se, como os pobres, de um retorno equivalente em serviços públicos dignos e suficientes.
 
 Encontra-se nesse anseio sonegado a trilha da nova ‘caravana’ que desafia um futuro estirão progressista de repactuação do país com o seu desenvolvimento.
 
 O gargalo mora mais acima.
 
Os verdadeiramente muito ricos formam hoje 0,05% da população brasileira ativa--  detém 8,2% da renda.
 
Juntamente com bancos e corporações, emprestam ao Estado o que deveriam pagar em tributos. Recebem em troca 6,9% do PIB em juros, todos os anos.
 
Sua riqueza é a contraface  de uma dívida pública que avança para atingir 80% do PIB e ameaça engarrafar a nação em um formol de arrocho e carência constitucional, como quer o golpe.
 
É nesse sumidouro rentista que se degradam e escasseiam os serviços públicos, de cuja oferta e qualidade os pobres e a classe média reclamam com razão.
 
 À descrença, ao medo, à incerteza e à angústia que flertam com o autoritarismo trata-se, portanto, de contrapor o horizonte de uma rede de segurança feita de justiça fiscal, serviços públicos e espaços públicos de inédita audácia e qualidade.
 
Só recauchutar a máquina do desenvolvimento brasileiro, como em ciclos anteriores, não basta mais.
 
É preciso reorientar o seu rumo.
 
A valorização cambial acumulada nas últimas três décadas asfixiou o parque fabril do país sob a avalanche das importações asiáticas. Cristalizou-se uma inserção internacional capenga, que já perdera o bonde tecnológico dos anos 80/90, engasgada na digestão da dívida externa da ditadura.
 
O risco agora é perder o comboio da revolução 4.0 que adiciona a inteligência artificial, automação e saltos de produtividade aos sistemas industriais, com abate correspondente de vagas.
 
O bonde perdido de um ciclo mundial não passa de novo. O que os chineses tomaram da manufatura brasileira –liderança em bens duráveis etc—não volta.
 
Por isso o pré-sal e o mercado de consumo doméstico --restauradas as balizas sociais do ciclo do PT--  bem como o PAC na infraestrutura e, objetivamente, o agronegócio, são tão importantes.
 
Esse é o novo chão do desenvolvimento brasileiro no século XXI.
 
Os encadeamentos inscritos na partilha do pré-sal e a exigência de conteúdo nacional, ambos demonizados e revogados pelo golpe, encerram potencial industrializante de ponta, com escala capaz de criar, aí sim, a adesão virtuosa do país à revolução  4.0.
 
A costura da travessia de excelência em serviços públicos, infraestrutura em expansão e aderência à revolução tecnológica envolve uma operação essencialmente política.
 
Alguém precisa querer tenazmente esse Brasil.
 
Ou seja, um sujeito coletivo que enxergue aí o requisito à vigência efetiva do arcabouço de direitos inscrito na Carta Cidadã de 1988, que o golpe quer destripar para tomar de volta o pedaço do PIB aí destinado à emancipação da cidadania brasileira.
 
A opção por maior igualdade pressupõe maior justiça tributária.
 
A alternativa conservadora é regredir o eixo orçamentário para tornar a inclusão social tão rígida quanto o eletrocardiograma de um morto.
 
Os que hoje se avocam em depuradores da nação entendem desse açougue.
 
Eles sangraram Getúlio em 54; sangraram Jango em 1964; sangrariam Lula em 2005 se não tivesse reagido; sangraram a Presidenta Dilma em 2016 até derruba-la.
 
Esse retrospecto não endossa projetos exclamativos que descartem a negociação (entre interesses distintos, por definição) na longa marcha para se construir uma verdadeira democracia social no país.
 
Ao contrário.
 
É na renovada capacidade de arregimentar forças para liderar essa travessia, como se viu nos transbordamentos massivos em torno da caravana nordestina, que se reafirma o espaço de Lula à revelia dos seus algozes.
 
O passo seguinte da marcha ficou esboçado nos brotos verdes aflorados no sertão.
 
Mas o economista Ianis Varoufakis, ex-ministro das finanças da Grécia, que experimentou na carne as feridas de uma negociação com o capital na era da globalização, extraiu dessa experiência uma lição histórica que serve agora referência ao desafio posto diante do povo brasileiro e de sua principal liderança:
 
‘Só tem algo a negociar quem está preparado para romper’.

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