Nassif: Xadrez da marcha da insensatez

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por Luis Nassif - no GGN - 28/09/2017 - 20:50

Cena 1 – o descuido com a segurança política

Há uma enorme dificuldade das instituições brasileiras de interpretar desdobramento da crise e entender cada episódio de corte e e suas consequências.
Na montagem da cúpula do Judiciário e do Ministério Público Federal, foi fatal o descuido dos governos petistas, não entendendo o poder desestabilizador da Justiça e do MPF. A segurança institucional e a estabilidade política deveriam ter sido o foco principal nas escolhas. E, por tal, entenda-se avaliar as pessoas em um quadro de stress elevado.
Como se comportaria, por exemplo, uma Carmen Lúcia em uma situação de stress político? E um Dias Toffoli? E um Rodrigo Janot? Um Luís Roberto Barroso? Um Ayres Brito?

Não se tratava apenas de avaliar o conhecimento jurídico, mas a personalidade, o caráter – mais afirmativo, mais tímido -, a coerência, a propensão ao deslumbramento. Vai-se buscar esse histórico junto aos colegas de faculdade, aos colegas de profissão, aos juristas com quem o governo tenha afinidades políticas.
Houve um descuido monumental. Escolheu-se Joaquim Barbosa pela cor e pelo conhecimento e já se sabia, no próprio MPF, do seu comportamento desequilibrado. Ayres Brito já era conhecido pelo comportamento dúbio na ditadura.
Essa cegueira manteve-se durante todo o governo Dilma. O único procurador que enfrentava Gilmar Mendes de igual para igual, no Tribunal Superior Eleitoral, Eugênio Aragão, foi preterido devido a barganhas políticas com Gilmar Mendes.

Peça 2 – a incapacidade de perceber os momentos de corte

Com essa mediocrização ampla dos Poderes, pelo modelo político em voga, e das instituições, pelas escolhas erradas, o resto é consequência: a incapacidade do poder civil de entender os momentos de corte, os episódios que fariam o país ingressar em novas etapas, degrau a degrau rumo à insensatez.

Momento 1 – o mensalão

Ali estava nítida a aliança mídia-Ministério Público Federal, com este ensaiando os primeiros voos fora dos limites constitucionais. A montagem da narrativa pelo Procurador Geral Antônio Fernando de Souza e pelo ex-Procurador e Ministro do STF Joaquim Barbosa, mantida pelo sucessor Roberto Gurgel em cima de uma falsificação: o tal desvio da Visanet que nunca ocorreu.
De certa forma, o mensalão foi um presente dos deuses, pois teria permitido ao governo entender explicitamente as ameaças contidas na total falta de controle do MPF. Mas o sucesso de Lula no segundo governo passou a ilusão de que seu gênio político sempre encontraria meios de contornar as tentativas de golpe.
Depois primeiro escândalo, que levou ao mensalão, foram indicados para o STF a Ministra Carmen Lúcia (2006), Dias Toffoli (2009), Luiz Fux (2011), Rosa Weber (2011), Teori Zavascki (2012), Luís Roberto Barroso (2013), Luiz Edson Fachin (2015).
Em 2009 Roberto Gurgel foi indicado para PGR. Em 2013, Rodrigo Janot. Nem com os sinais claros de que os PGRs já andavam à reboque da opinião pública e da corporação, cuidou-se de uma estratégia clara ou ao menos da indicação de um PGR sólido.
Consequência - São esses personagens que se tornam responsáveis por conduzir suas respectivas instituições no período mais turbulento da história recente.

Corte 2 – a condução coercitiva de Lula e o vazamento de conversas familiares

Esse episódio deflagrou um novo normal, em que a Constituição foi atropelada. Esteve nas mãos do Ministro Teori Zavascki o enquadramento da Lava Jato nos limites legais. Limitou-se a admoestar Sérgio Moro.
Consequência - o grupo da Lava Jato de Curitiba ganhou vida própria e passou a se impor sobre a PGR. A partir dali todos os abusos foram tolerados.

Corte 3 – a prisão de Delcídio do Amaral

Em cima de um grampo armado – possivelmente em uma operação controlada articulada pelo PGR -, com declarações esparsas, o STF endossou a posição de Teori, de mandar prender o senador Delcídio do Amaral. Não apenas isso. Permitiu-se a divulgação de conversas comprometendo Ministros sérios do STJ.
Consequência -  Depois que caiu a ficha, o STF se recolheu. Tornou-se personagem passivo do impeachment.

Corte 4 – o processo contra Eduardo Cunha

O Ministro Teori segurou por meses e meses a autorização para o processo contra Eduardo Cunha. Segundo alegou para amigos, evitava apresentar ao STF por não ter segurança em conseguir os votos necessários. Afinal, havia uma torcida surda pelo impeachment.
Consequência - Esse episódio marcou o ingresso definitivo do Supremo na abulia com que assistiu à consumação do golpe.

Corte 5 – a delação da JBS

Tirou definitivamente a blindagem que a mídia mantinha sobre o PSDB. E escancarou o inacreditável: em pleno exercício do mandato de presidente, Michel Temer indicando um assessor de confiança para receber uma bolada de uma empresa e a principal liderança do golpe negociando propinas em forma de empréstimos.
Consequência – Ali enterrou-se definitivamente a era das grandes passeatas. A opinião pública deu-se conta de que fora enganada no impeachment.

Corte 6 – a declaração do general Mourão

Essa soma de fatores leva a crise institucional ao ponto mais grave: as declarações do general Mourão, sem nenhuma reação do Executivo e do Ministro da Defesa.
O Congresso ficou mudo, o Supremo ficou calado, a ponto de nem a Ministra Carmen, nem o Ministro Barroso exercitarem seu hobby predileto: frases de efeito vazias. Restaram as manifestações isoladas do Ministro Marco Aurélio de Mello e da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, do Ministério Público Federal.
Consequência – as Forças Armadas entraram no jogo. Voltarão as vivandeiras dos quartéis. E qualquer candidatura em 2018 terá que beijar a mão e bater continência ao Estado Maior.

Peça 3 - os episódios desmoralizantes

A entrada do fator militar se dá no momento em que há um conjunto de episódios rocambolescos, capazes de ruborizar o analista mais cínico, sem que os poderes consigam apresentar uma resposta adequada.
Caso Aécio - a impunidade de Aécio é um fator de desgaste extremo. Depois da filmagem do primo levando dinheiro e da irmã negociando, era caso de renúncia imediata ao posto de senador, independentemente de qualquer iniciativa judicial.  Por aqui, Aécio não renunciou e sequer o PSDB tevê força para tirá-lo do cargo.
A teimosia de Marco Aurélio de Mello - que devolveu-o ao Senado como represália pelo fato do STF não ter aceito sua ordem de prisão contra Renan Calheiros - acentuou a impressão de impunidade. E a mídia, com ideia fixa na criminalização de Lula, limitou-se a reportagens episódicas sobre Aécio.
Caso Gilmar - os sucessivos abusos de Gilmar Mendes com o IDP (Instituto Brasiliense de Direito Público), com sua parcialidade, com seus ataques aos colegas e mesmo a defesa meritória do garantismo comprovam que o arrogante engoliu o esperto. Isso, mais o controle absurdo sobre os sorteios do Supremo - que o fizeram relator dos processos envolvendo justamente os três políticos tucanos mais barras-pesadas - Aécio, José Serra e Cássio Cunha Lima - vão cobrar seu preço. Gilmar valeu-se de um vácuo político e no STF para abusos sem fim. Não tem como essa falta de limites não cobrar seu preço no desgaste inédito do Supremo.

Peça 4 – o curto-circuito dos poderes

Essa disputa Supremo Tribunal Federal x Senado,  STF x STF, Câmara x PGR não leva em conta o básico: a crise atinge todas as instituições. Não se trata mais de disputa de espaço institucional entre instituições representativas do Poder Civil, mas de autofagia de instituições doentes, com a ameaça de um governo autocrático na primeira curva da estrada
Sobrevindo o vendaval, nenhuma escapará. E o que se vê é a insensibilidade de dançarinos no restaurante do Titanic, instituições em frangalhos, incapazes de administrar sequer os próprios conflitos internos.
Executivo - não sei o que é mais desmoralizante, se uma chusma de corruptos assumindo o controle do país, ou se a incrível mediocridade dessa turma. A resposta que deram à entrevista de Rubens Ricúpero não merecia estar nem em jornaleco do interior. O assalto continua sendo perpetrado à luz do dia. Cortes em todos os programas e benesses aos deputados, para garantir a manutenção da quadrilha no poder.
Supremo - uma disputa de egos entre Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso, uma presidente incapaz de um gesto sequer em defesa da Constituição e Ministros derrotados em votações insuflando o Congresso a derrubar as sanções contra Aécio Neves.
Ministério Público – uma tropa à deriva, dirigida – finalmente – por uma procuradora de larga experiência na área penal e de direitos humanos. Mas com nenhum traquejo para o jogo das intrigas palacianas, entre instituições e na sua própria corporação.
PT – Tenta compensar a falta de iniciativa durante todo o processo do impeachment, com um ativismo extemporâneo. Não aprendeu ainda que republicanismo e bons modos políticos – como a defesa da legalidade no tratamento de um inimigo – não têm lugar à mesa, nesse grande banquete bárbaro. A nota em defesa do Senado ignorou que há um novo agente na praça.
Aí vem o Globo, que é grande por ser esperta, principal responsável pela ascensão da quadrilha de Temer ao poder, e estampa a chamada maliciosa;

Peça 5 – marcha da insensatez

Essa confusão monumental não permite uma visão otimista do futuro.
O caos amplo abre espaço para uma infinidade de possibilidade, nenhuma positiva – a que implicasse em um pacto entre instituições e partidos visando atender às expectativas da opinião pública.
O que se tem é um avanço da maré conservadora e uma aliança que se torna cada vez mais explícita entre a Lava Jato, a ultradireita, insuflando a maior intervenção militar.
Prova disso é o factoide da carta-arrependimento de Antônio Palocci, com o uso de expressões, como a “peçonha da corrupção” e outras do mesmo gênero, mostrando que os acordos de delação têm um copidesque com bastante afinidade com o linguajar da extrema direita.
Em um momento de bom-senso, o Senado adiou o julgamento da decisão do STF, permitindo a este chegar a alguma solução interna que impeça o transbordamento da crise.
Mas não há nenhuma luz no horizonte próximo.

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