Greg não é tão News

por João Feres Júnior — na Carta Capital - publicado 04/09/2017

O programa de Gregório Duvivier na HBO é um alento, mas erra ao se abster de criticar certos setores reacionários, em especial os meios de comunicação

Greg não é tão News
Greg News, um contraponto na tevê
A comparação é uma das principais ferramentas da cognição humana, talvez a mais fundamental, como conjecturaram alguns filósofos. Vejamos os EUA, nosso objeto predileto de comparação. Pois bem, lá, como aqui, há no poder um presidente de direita e impopular. Lá como aqui há um sentimento de grande alienação da população frente à representação política, isto é, uma certa esclerose da democracia representativa.

É claro que precisamos fazer a ressalva de que Donald Trump, apesar de não ter obtido a maioria dos votos, foi legalmente eleito, enquanto Michel Temer usurpou o poder por meio de um golpe institucional. Mas não é isso que me prende hoje, mas outro aspecto que difere na comparação enquanto vários outros permanecem similares: o lugar da mídia.
Nos EUA, o presidente de direita se elegeu em campanha contra a maior parte dos meios de comunicação e governa em oposição aberta a eles. No Brasil, o golpe institucional foi dado sob os auspícios da mídia, que organizou e insuflou a campanha em prol do impeachment de Dilma Rousseff e sustentou, e em parte ainda sustenta, o presidente altamente ilegítimo que a substituiu.
Lá os gringos têm the liberal media, aqui temos uma mídia neoliberal e historicamente aliada a tentativas de supressão do regime democrático, repressão dos movimentos sociais e combate aberto a partidos de esquerda. 
Nos EUA, além do jornalismo mainstream, bastante mais crítico e plural do que o brasileiro, há uma miríade de programas de entretenimento e comédia que têm a política como objeto. Também neste caso, a diferença entre os países continua. Ou seja, o posicionamento político da área jornalística se reflete no entretenimento. Danilo Gentili, Rafinha Bastos, Marcelo Tas, Tom Cavalcanti, integrantes do Casseta e Planeta e do Pânico na TV, Band News FM, Jovem Pan, são todos de direita. Misturam em doses diversas antifeminismo, machismo, elitismo, discurso antipolítica, antipetismo e ataques frequentes a Lula, com não poderia deixar de ser.
Até muito recentemente, o humor político no País era ou despolitizado ou de direita, até que a HBO brasileira resolveu produzir o Greg News, programa que imita o jornalismo político de maneira jocosa e altamente crítica ao mesmo tempo. Greg News é transplante de Last Week Tonight, também da HBO, que é capitaneado pelo frenético e extremamente competente humorista inglês John Oliver, e foi vencedor do Emmy de melhor roteiro para série de variedade de 2016, entre outros prêmios.
Semana após semana, Oliver dedica meia hora de seu show a examinar criticamente temas complexos como saúde pública, indústria farmacêutica, lixo atômico, educação sexual etc.. Como não poderia deixar de ser, a ridicularizar Trump em quase todos os seus atos. O nível de jornalismo investigativo praticado por Oliver e sua equipe é impressionante, particularmente se levarmos em conta o fato de tratar-se de um programa de comédia. Gregório Duvivier, o humorista do Porta dos Fundos à frente de Greg News, tenta fazer o mesmo, seguir o modelo que deu certo “lá fora”. Mas será que consegue?
De cara dá para perceber que o nível do jornalismo investigativo praticado pela equipe de Duvivier é muito menos intenso do que o do congênere gringo. Mas não é isso que quero sublinhar, mas uma certa captura do programa brasileiro pelo que eu chamaria de "coxismo de esquerda".
É claro que faz parte da pegada humorística fazer troça de gregos e troianos. Como a inclinação de Greg News é à esquerda, este campo recebe eventuais cutucadas enquanto sua antípoda política é de fato objeto preferencial do sarcasmo. Até aí nada mais refrescante no cenário midiático nacional. Mas Duvivier é bem parcial quando o assunto é cutucar a esquerda. Ridiculariza generosamente Dilma e Lula, mas ao falar sobre os avanços sociais da última década utiliza como sujeito da frase um “nós” genérico, omitindo os principais agentes políticos desse avanço.
Fala do acordo pretérito entre PT e PMDB, que sustentou por bastante tempo os governos Lula, Dilma e Sérgio Cabral, no Rio de Janeiro, como uma grande armação em que todos eram praticamente iguais, sem se dar conta de que os avanços sociais que acabara de elogiar foram conquistados com o apoio dessa aliança e que a saída do PMDB dela lançou o partido à direita e jogou o sistema político nacional no esgoto. Todo mundo perdeu com isso. Mas o "coxismo" acha que quando a política perde, a sociedade ganha, ou ao menos, na sua versão de esquerda, alguns pequenos partidos políticos que se imaginam mais radicais. 
Os sinais estão todos lá. Duvivier quer fazer um programa nacional, mas com uma perspectiva assaz paroquial: a do PSOL carioca. A brincadeira final da edição de Greg News sobre partidos, com Marcelo Freixo fazendo o papel de si mesmo em uma propaganda eleitoral fictícia, a despeito da intenção humorística, chega a ser constrangedora. Não dá para sequer saber se é piada. Mas lá está Freixo, um político profissional, fazendo troça de seu próprio metier. Será que Freixo se imagina um tipo especial de político, ou é somente amigo do apresentador?
O mais preocupante do "coxismo" que caracteriza o PSOL carioca é, além da postura antipolítica generalizada e o antipetismo epidérmico, uma intensa aversão a criticar uma das piores mazelas do cenário político brasileiro: a mídia, acima de tudo a Rede Globo.
Duvivier passa a quase meia hora de seu programa sobre partidos a falar de financiamento de campanha, propaganda eleitoral etc., mas não tem uma palavra sequer para a mídia. Ele acusa os partidos por se coligarem usando o tempo de tevê como moeda de troca, mas esquece de defender a importância crucial do horário eleitoral gratuito, por sinal, seriamente prejudicado pela redução recentemente imposta por Eduardo Cunha.
Ele se indigna contra o financiamento público de campanhas, como se ele fosse um assalto dos políticos aos cofres públicos, sem perceber que se pouco ou nenhum dinheiro é dado aos partidos, os ricos terão multiplicadas ainda mais as suas chances de eleger candidatos. É a mesma lógica do velho moralismo "coxinha" que preconiza a extinção do salário dos representantes: fórmula mais certa para eleger ricos não poderia ser pensada. O programa se declara a favor dos partidos e da política representativa, mas a sua aversão moralista de classe média a quase tudo que a política é, na realidade, indisfarçável.
Nos EUA, John Oliver, Stephen Colbert, Seth Meyers, Bill Maher e tantos outros se fartam de sacanear a mídia de direita, particularmente a Fox News. Enquanto isso, aqui no Brasil, crítica alguma é feita aos veículos que não parta de canais alternativos.
A HBO ousa ao levar ao ar Greg News, mas nem ela nem Duvivier parecem ter coragem de criticar a Rede Globo, as manipulações do Jornal Nacional, os comentaristas ridículos e ridiculamente reacionários da Globo News, do Jornal da Globo, isso para não falar de outros meios e jornalistas igualmente perniciosos. Ao mesmo tempo, é preciso ter claro que esse canal por assinatura bastante caro é assistido por uma minoria de brasileiros de classe média alta: a mesma parcela da nossa sociedade que bateu panelas contra o PT e cujos filhos, alguns deles, engrossam as fileiras do PSOL.
Greg News é mais do que bem-vindo nesse cenário de devastação da  mídia brasileira. Mas para de fato termos um movimento vibrante de sátira política de esquerda, é preciso que programas desse tipo saiam dos canais exclusivos dos pacotes mais caros da tevê a cabo e apareçam em meios de maior alcance popular, e que, acima de tudo, se libertem do ranço moralista e elitista que o PSOL carioca representa tão bem. 

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