Nassif: Xadrez de como a Lava Jato protegeu Michel Temer
Peça 1 – a teoria do fato, o supérfluo e o essencial
As denúncias feitas pelo Ministério Público Federal de Curitiba contra o Almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, em função de manipulações nas licitações da Eletronuclear, têm características polêmicas.
Como se sabe, o método de investigação do MPF é chamado de “teoria do fato” (não confundir com teoria do domínio do fato), que nada mais é do que a tática de definir uma narrativa inicial do crime, para poder organizar melhor os elementos levantados na investigação.
A teoria do fato da Eletronuclear foi que o Almirante Othon direcionava licitações para as empreiteiras em troca de pagamentos feitos através do pagamento de serviços não realizados por empresa de sua propriedade e das filhas. Ponto.
Ficou aí e daí não saiu nem quando os fatos começaram a apontar em direções mais elevadas.
Como se sabe, ninguém é alçado ao comando de uma grande estatal sem ter um padrinho político. Principalmente quando se dispõe a fazer negócios.
A “teoria do fato” do MPF é um cartapácio de 135 páginas, assinado por onze procuradores, tendo 14 testemunhas relacionadas.
Foi um levantamento minucioso em que foram apurados até valores minúsculos (em relação aos números globais do golpe).
· Na página 7, identificam um repasse de R$ 276 mil para a Aratec (a empresa de Othon).
· Na página 12, três, de R$ 2,9 milhão, R$ 2, 7 milhões de R$ 1,4 milhão
· Na página 13, uma de R$ 300 mil.
· Na página 15, uma de R$ 1,5 milhão e outra de R$ 30 mil.
Colocaram tudo na denúncia, menos o essencial.
Jabuti não sobe em árvore. Principalmente em setores onde há negociatas, dirigente não entra pelo currículo. A grande questão que ficou em aberto:
1. Quem era o padrinho político de Othon.
2. Como o padrinho era remunerado.
Nas provas e depoimentos levantados, existem evidências fortíssimas permitindo destrinchar os dois pontos centrais. Mas foram deixados de lado pela força tarefa. O principal suspeito foi citado de raspão, a estrutura do golpe revelada, mas não houve um movimento sequer para aprofundar as investigações.
Peça 2 – os golpistas que escaparam
O principal contrato de Angra 3 foi o GAC.T/COJ-004/2010 e o Contrato GAC.T/CT- 4500151462.
O golpe é bem descrito na denúncia.
As licitações eram na modalidade preço-técnica. O golpe, usual, consistia em conferir mais peso à técnica e defini-la de forma bastante genérica, para permitir o subjetivismo do julgamento.
Todas as pistas estavam aí. Era uma concorrência internacional, e com o maior valor de contrato: R$ 162 milhões.
1. Foi vencido pela AF Consult LTD da Finlândia
2. Por exigência contratual, a AF Consult subcontratou a Engevix Engenharia e a AF Consult Ltda Brasil.
3. 20% dos valores foram remetidos para o exterior.
Tem-se, aí, a primeira chave: a AF Consult.
Mais: há um e-mail de Samuel Fayad, funcionário da Engevix, de 21 de agosto de 2014, em que informa os destinatários que Othon chamou “Roberto e o Lima para fechar o aditivo”. Na denúncia, os procuradores se limitam a informar que “Roberto e Lima são pessoas ligadas à AF Consult”. Nada mais disseram e, aparentemente, não investigaram.
Pela denúncia constata-se que os procuradores sabiam que a peça chave do golpe era a AF Consult e que os seus representantes eram Roberto e Lima.
Quinze pessoas foram denunciadas. Lima e a AF Consult, peças centrais da trama, ficaram de fora. Não há denúncias, não há investigações, não há teorias de Deltan Dallagnol, por mais estrambólicas que sejam, que expliquem essas lacunas.
A denúncia foi apresentada no dia 31 de agosto de 2015.
Cinco dias depois, a manchete da Folha era: “Governo tenta minimizar impacto da fala de Temer”. Temer declarou que, se mantida a baixa popularidade, Dilma dificilmente concluiria seu mandato. Já estava à frente do golpe.
Peça 3 – o notório coronel Lima
No dia 26 de junho de 2017, três parlamentares do PT – deputados estaduais João Paulo Rillo (SP) e Carlos Alberto Pletz Neder (SP) e o senador Lindbergh Farias – entraram com uma representação junto à Procuradoria Geral da República, denunciando as omissões da força tarefa da Lava Jato.
No capítulo I, falam da amizade histórica de Temer com João Baptista Lima Filho, o coronel Lima. Lembram o período em que Temer foi Secretário de Segurança do estado de São Paulo, e que coincide com o crescimento da empresa Argeplan Arquitetura e Engenharia, que tinha Lima como sócio. À esta altura, o tema já havia vazado para a imprensa.
A representação avançou em consultas na Junta Comercial, e reconstituiu a caminhada societária do golpe.
· A Argeplan e a Drosera Participações Ltda (atual AF Consult do Brasil Ltda) se tornaram sócias em 10/08/2009, dez meses antes da publicação do edital.
· O contrato com a Eletronuclear foi assinado em 24/05/2012.
· Sete dias depois, em 31/05/2012 a AF Consult Ltda da Finlândia se retira da sociedade ingressando em seu lugar a AF Consult Switzerland Ltda, da Suiça.
A hipótese é que a AF Consult da Suiça tenha entrado para receber os 20% da propina, já que não há nem sinal de sua participação nos trabalhos.
Pelos dados divulgados pela imprensa, a divisão do bolo ficou assim:
1. O contrato total era de R$ 162 milhões.
2. R$ 113,4 milhões foram repassados para a Engevix que, embora subcontratada, foi quem realmente tocou a obra.
3. A AF Consult do Brasil Ltda, sem nenhuma experiência na área foi subcontratada pela Engevix por R$ 48 milhões, havendo indícios de que os serviços não foram prestados.
No dia 10 de agosto de 2015, o diretor da Engevix José Antunes Sobrinho, prestou depoimento à Lava Jato de Curitiba.
A licitação para o pacote Eletromecânico 1 exigia uma empresa internacional, já que nenhuma nacional tinha experiência na área. Mas precisava ter um braço nacional. Venceu a finlandesa AF Consult Ltd, que subcontratou a Engevix. Para melhor avaliar a importância do contrato, segundo Antunes Sobrinho, foi o maior obtido pela Engevix.
Nenhuma pergunta sobre a AF Consult ou sobre Lima.
No dia 21 de abril de 2016, reportagem da revista Época já mencionava o nome de Temer na delação de Antunes. Segundo a matéria, os advogados de Antunes tentavam o acordo, com ele disposto a entregar Temer, Erenice Guerra, José Dirceu, João Vaccari e – como pedágio – a afirmação genérica de que os negócios só eram possíveis graças à caneta do presidente da República.
Na reportagem foi mencionada a Argeplan. Depois de ganhar uma licitação para a reforma da biblioteca do Tribunal de São Paulo, conquistou a licitação de R$ 162 milhões.
Segundo a matéria
Lima foi diretamente responsável pela indicação de Othon junto a Michel Temer, e por sua manutenção no cargo de presidente da Eletronuclear”. O delator disse ainda ter ouvido de Lima que a manutenção de Othon na presidência da empresa estava diretamente associada a “resultados”.
Há uma grande probabilidade das fontes da revista serem membros da Lava Jato, o que comporvaria que tinham todas as informações sobre o esquema Temer. Uma das observações era a forma imperativa com que o coronel Lima se dirigia ao Almirante Othon:
Não é a primeira vez que Lima surge na Lava Jato. O nome do coronel é citado em uma troca de e-mails de Antunes sobre o contrato Eletromecânico 1 de Angra 3, justamente o que foi firmado pela Engevix, com participação da Argeplan. Lima e sua empresa também aparecem em interceptações telefônicas do almirante Othon Pinheiro. Em 7 de julho de 2015, Lima perguntou se Othon teria previsão de ir a São Paulo para um encontro. Num diálogo que denotava subordinação de Othon a Lima, o almirante dizia que não tinha previsão, porém poderia rapidamente organizar a viagem para segunda-feira, menos de uma semana depois da ligação. “Segunda-feira, se o senhor vier aqui, a gente precisava ter uma conversa. Tem de tomar uma providência aí que... eu acho que tá chegando no ponto que vai culminar naquele tema”, diz Lima na gravação.
Antunes disse que foi procurado pelo coronel Lima para entrar no contrato de Angra 3. A empresa de Lima, afinal, não tinha quaisquer condições de executar os serviços. Antunes topou e foi subcontratado pelo consórcio AF/Argeplan, criado, segundo ele e documentos comerciais, por Lima e pessoas ligadas ao almirante Othon. Antunes afirma que “entre as condições para que Othon fosse mantido no cargo, estava a de ajudar Lima nesse contrato e em outros futuros, de modo que a Argeplan/AF e mesmo a Engevix se posicionassem bem nos futuros projetos nucleares”. Fontes da Engevix ouvidas por ÉPOCA garantem, contudo, que, apesar de integrar o consórcio, a AF Consult do Brasil não realizou nenhuma obra em Angra 3, e que sua participação no contrato jamais foi explicada pela direção da empresa.
No dia 24 de junho de 2016, o nome de Temer finalmente apareceu em reportagem da revista Época “Operador ligado a Temer admite ter recebido R$ 1 milhão da Engevix”. Antunes estava em prisão domiciliar em Curitiba, e acusava Temer de ter sido beneficiário de R$ 1 milhão decorrente dos contratos da Angra 3. Era uma proposta de delação premiada.
Mencionava o pagamento de R$ 1 milhão à PDA Projetos, outra empresa de Lima.
Segundo a matéria
“Com as revelações do executivo, o dinheiro pode ser rastreado pelos investigadores para que seja verificado se Temer foi de fato beneficiado, como afirma Antunes – o que, novamente, o presidente interino nega com veemência. Pouco tempo depois do pagamento da propina, Lima fez viagens ao Panamá e ao Uruguai, dois conhecidos paraísos fiscais usados por operadores da Lava Jato para esconder dinheiro”.
Já se sabia, então, que Lima e Temer tinham forte influência sobre o Almirante Othon. Antunes revelou que a Argeplan apenas reformava telhados e cuidados de pequenos projetos arquitetônicos.
Segundo a matéria, desde novembro de 2015 advogados de Antunes tentavam o acordo com a PGR.
“Janot era representado nas negociações com Antunes pelo promotor Sérgio Bruno, do grupo de trabalho de Brasília, pelo procurador Athayde Ribeiro, da força-tarefa de Curitiba, e pelo procurador Lauro Coelho Júnior, da força-tarefa do Rio de Janeiro. O Ministério Público não informa oficialmente o motivo da recusa às revelações de Antunes, que só podem ser usadas como ponto de partida em investigações criminais caso seja assinado um acordo. Nada impede, no entanto, que a investigação prossiga a partir de outros atos iniciais – como informações fornecidas por outros delatores ou outras representações enviadas ao Ministério Público. Reservadamente, porém, negociadores comentam que Antunes parecia fazer “contenção de danos”. Ou seja, avaliam que ele não contou tudo o que sabia e vivenciou”.
Ora, é sabido que a revista é alimentada por integrantes da Lava Jato. As informações que obteve foram de suas fontes da Lava Jato. Qual a razão, no entanto, para nada disso entrar na denúncia?
Peça 4 – Moro convalida o jogo
A denúncia dos procuradores curitibanos foi apresentada no dia 1o de setembro de 2015. Foi acolhida pelo juiz Sérgio Moro apenas dois dias depois, apesar do tamanho do documento.
Na denúncia aceita, nada de João Baptista Lima Filho, o coronel Lima, nem a AF Consult, nem os diretores responsáveis pela AF Consult Finlândia e AF Consult Switzerland.
No dia 30 de outubro de 2015, houve o fatiamento do Inquérito Eletronuclear, decidido pelo pleno do STF. E o caso foi transferido para o MPF e a Justiça Federal no Rio de Janeiro.
No dia 4 de agosto de 2016 saiu a sentença condenando 12 dos 13 réus em regime fechado e a sentença de 43 anos para o Almirante Othon.
Nada ocorreu com o coronel Lima e seu padrinho político Michel Temer,
Em abril de 2016, Antunes Sobrinho apresntou proposta de delação premiada.
No dia 20 de junho de 2016, matéria de O Globo informa que “Executivo que citou pagamento a Temer desiste de colaboração”. Um dos motivos foi o fato de ter sido absolvido pelo juiz Sérgio Moro em processo sobre a Petrobras.
No dia 4 de maio de 2016, em matéria do Valor Econômico, com o título “Foi todo mundo ludibriado, eu me sinto um idiota”, Antunes é questionado sobre a delação premiada
Valor: Quando o sr. esteve preso em Curitiba, foram publicadas informações de que estava negociando delação premiada, inclusive mencionando o presidente Michel Temer. Por que desistiu?
Antunes: Te respondo só com uma frase. Não fui eu quem desistiu.
Valor: Então o sr. ainda está disposto a colaborar?
Antunes: Você me perguntou por que eu desisti. Estou dizendo que eu não desisti. Ponto.
Peça 5 – a representação para o PGR
Na representação entregue ao PGR, os três parlamentares solicitam:
· Investigar a suposta participação do Coronel Lima na articulação de licitação e contrato superfaturado nas obras de Angra 3, que favoreceu a AF Consult Ltd. Finlândia, que, por sua vez, subcontratou AF Consult do Brasil Ltda. para realizar 30% da obra, empresas estas sem experiência alguma em assuntos de energia nuclear;
· Ouvir a testemunha dos fatos aqui narrados, o atual Diretor Presidente da Engevix, José Antunes Sobrinho, independente de eventual delação premiada ou acordo de leniência que possa ser aceita pelo Ministério Público Federal;
· Apurar se a constituição da sociedade AF Consult Brasil Ltda. (da qual participam como sócias as sociedades Argeplan e a AF Consult da Finlândia, esta última vencedora da licitação) maculou o processo licitatório;
· Promover a quebra dos sigilos fiscal e bancário das seguintes pessoas físicas:
o João Baptista Lima Filho, CPF 029.709.378-91;
o Maria Rita Fratezi, CPF 059.153.868-73;
o Carlos Alberto Costa, CPF 026.907.308-63;
o Roberto Liesegang, CPF 913.231.507-49, procurador da Af Consult - Switzerland Ltd.;
o Carlos Jorge Zimmermann, CPF 169.302.749-68, procurador da AF Consult Ltd - Finlândia.
Promover a quebra dos sigilos fiscal e bancário das seguintes pessoas jurídicas, nas quais João Baptista Lima Filho participa como sócio:
· PDA Projeto e Direção Arquitetônica Ltda., CNPJ 02.986.279/0001-50. Nesta sociedade civil constam como sócios João Baptista Lima Filho e Maria Rita Fratezi;
· PDA Administração e Participação Ltda., CNPJ 14.657.413/0001-58. Nesta são sócios João Baptista Lima Filho e a PDA Projeto e Direção Arquitetônica Ltda.;
· Argeplan Arquitetura e Engenharia Ltda., CNPJ 45.070.687/0001-70. Nesta são sócios João Baptista Lima Filho e Carlos Alberto Costa.
Promover a quebra dos sigilos fiscal e bancário da AF Consult Ltd, da Finlândia, extensiva às empresas nas quais teve ou tem participação societária:
· AF Consult do Brasil Ltda. – CNPJ 08.307.539/0001-08;
· AF Consult Switzerland Ltd, sociedade suíça.
Verificar se as movimentações financeiras das pessoas jurídicas acima mencionadas foram compatíveis com suas atuações no mercado nos últimos 10 anos;
Verificar se as evoluções patrimoniais das pessoas físicas citadas foram compatíveis com seus rendimentos nos últimos dez anos;
Por último, promover o rastreamento do dinheiro para se chegar aos destinatários finais da suposta propina.
Peça 6 – a título de conclusão
Não há uma explicação razoável para essa omissão da Lava Jato e do juiz Sérgio Moro.
Incompetência apenas não explica. Afinal, tinham todos os dados sobre a importância da AF Consult e do não tão misterioso Lima.
Uma das hipóteses foi a da partidarização da Lava Jato, já de cabeça na campanha do impeachment, evitando qualquer passo que pudesse atrapalhar o desfecho. E denunciar o braço direito de Temer significaria enfraquecer a principal frente do golpe, justamente os defensores da tal “Ponte para o futuro”.
Pode ter sido um impulso político, pode haver mais mistérios por trás dessa omissão.
Só o tempo esclarecerá.
Peça 7 - construindo o conhecimento
Aqui vai uma relação de documentos levantados na representação ao PGR, para quem quiser ajudar a construir conhecimento:
Comentários