Nassif: Bolívar Lamounier, e a miséria da intelectualidade tucana

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por Luis Nassif - no GGN - 17/08/2017

O cientista político Bolívar Lamounier permite uma boa análise de caso. Não apenas por sua história política, que se confunde com a do PSDB, mas por explicitar bem os grupos que compõem o partido.
No plano histórico, saiu da social-democracia da Constituinte para a visão simplista e preconceituosa do neoliberalismo tipo irmãos Kock, aquela que reduz o projeto de Nação a uma mera questão de corte de gastos sociais. A idade enrijeceu a alma e o espírito do sobrinho neto de Gastão Lamounier, o lírico compositor de almas.

Na quadra atual, ele expõe de maneira crua as divisões do partido. Ele e seu líder, Fernando Henrique Cardoso, historicamente alinhados com o Partido Democrata norte-americano, representam o elo com o pensamento dos EUA e de lideranças de mercado, como Jorge Paulo Lehman, Armínio Fraga, os herdeiros do Itaú entre outros grupos. Na mídia, os ideólogos mais ostensivos são os economistas Marcos Lisboa e Samuel Pessoa. São eles que fazem as ligações com a alta tecnocracia pública do Tribunal de Contas da União, Secretária Nacional do Tesouro, entre outros.
Os demais grupos são os fisiológicos, como Aloysio Nunes e outros Ministros, e as bandas barra pesadas de Aécio Neves e José Serra.
A entrevista de Bolívar ao Valor de hoje, tocada por dois belos entrevistadores - Ricardo Mendonça e Cristiane Agostine – é um bom raio X desse grupo que, agora que o PSDB se esfacela, se prepara para pular para outro barco. E não há barco no horizonte porque eles, com o notável distanciamento que sempre mantiveram em relação ao povo, não sabem como iniciar a construção de um mero salva-vidas.
Começa pela fé cega nas duas reformas – a da Previdência  e a trabalhista. Segue o padrão Globonews de simplificação: basta as duas reformas para o investimento retomar. Capacidade zero de analisar o quadro político, o clima de conflagração social, os impactos da PEC do Teto na miséria, na fome, na saúde e na educação e também na democracia, já que medidas dessa ordem só passam em regimes de exceção, como o atual. Como farão com as eleições de 2018? Aplicarão outro golpe parlamentar?
Bolívar repete a mantra da “equipe econômica de primeira linha”. Tomem-se esses papagaios de fraque – ele, o Ministro Luís Roberto Barroso – e peçam-lhes o nome dos membros da equipe. Com exceção do Ministro da Fazenda e do presidente do Banco Central, não saberao o nome de nenhum. Mas são obedientes às ordens de repetição de slogans sobre a "equipe de alto nível".
Defende a legitimidade do governo Michel Temer, porque ele foi votado na chapa de Dilma Rousseff, logo tem a legitimidade dos votos dela. Aí se trata de um caso do militante que atropelou miseravelmente a idoneidade intelectual do cientista político.
Na sequência, endossa a tese de que a impopularidade de Temer é um trunfo, na medida em que um presidente impopular não precisa se preocupar em agradar os eleitores. Ou seja, tem a legitimidade dos votos mas, por ser impopular, não precisa da legitimidade dos eleitores para fazer as reformas. Entenderam? Eu também não. Conseguiu suplantar até Carlos Guilherme Motta, o Motinha, no desrespeito à sua própria biografia.
Enaltece as reformas de Temer e, ao mesmo tempo, desanca o Congresso – que vota a favor das reformas de Temer – admitindo que se move alimentado pela corrupção. Mais um pouco, chegará ao nível de Marco Antônio Villa.
Sobre o apoio do PSDB a Temer, a única crítica é em relação ao racha do partido. Se fosse todo a favor de Temer, sem problema, continuaria partido político.
Em sua opinião, o PSDB “é um partido paralisado, incapaz de tomar decisões porque não tem identidade. E sequer prudência e sabedoria”. Provavelmente porque não tem mais sábios. Mas, a não ser a constatação óbvia de que o partido virou uma miscelânea, não há uma conceituação mais apurada, à altura do cientista político que, em fins dos anos 80, teorizava sobre o novo agente político, a opinião pública pós-ditadura.
Mas reage energicamente quando indagado se o PSDB precisa pedir desculpas. Aí, consegue vocalizar o único discurso com que ele e outros intelectuais, como seu guru FHC, orientaram o partido: o anti-petismo.
Depois de dizer que o partido se desmilinguiu, o anti-petismo acende a única vela a iluminar essa escuridão cósmica, e o bravio Bolívar faz um chamamento à guerra: "Mas não vamos dar a mão à palmatória. Vamos repor os problemas em discussão. Fazer a fuga para frente, não para trás”. E tudo isso depois de dizer que o partido acabou.
Bolívar corre um risco grande. Se aparecer em uma reunião de neotucanos e disser seu nome, será espancado como um bolivariano,  pois essa é a única turma que os intelectuais tucanos cativaram com sua profundidade de piscina infantil e, além disso, precisa disputá-la com Bolsonaro.
Aí, a pergunta fatal do belo entrevistador: “No manifesto, o PSDB diz que nasceu para ficar longe das benesses do poder, mas perto do pulsar das ruas. Apoiar Temer é isso?”
E o que o intelectual Bolívar respondeu? Adivinharam: "A adesão ao governo Temer foi pela governabilidade, para Temer ter 40 votos e alguns ministros de prestígio. Os quatro ministros não estão lá para extrair benesses, mas para ajudar”.
Alvíssaras!

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