MPT pede indenização de R$ 100 milhões por trabalho escravo em MT
A ação é contra a família Xavier, que tem inúmeras denúncias de crimes ambientais e trabalhistas. Também é pedida a expropriação da fazenda e do grupo
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O MPT pede na ação que a fazenda, os sete sócios (Bruno Pires Xavier, Cyro Pires Xavier, Gláucia Pires Xavier Cardone, Rosana Sorge Xavier, Sebastião Douglas Sorge Xavier, Susete Sorge Xavier e Silvia Margarida Américo Pires Xavier) e outras três empresas do grupo familiar, a Agropecuária Princesa do Aripuanã Ltda., a SSB-Administração e Participações Ltda. e a BX Empreendimentos e Participações, sejam condenados ao pagamento de indenização de R$ 100 milhões por danos morais coletivos.
Em razão do último flagrante, ocorrido no dia 9 de junho, e da reincidência de exploração de trabalho em condições análogas às de escravo em propriedades da família, o MPT também pediu a expropriação, para fins de reforma agrária, da fazenda e dos imóveis dos ‘Sorge Xavier’, envolvido com denúncias de crimes ambientais e trabalhistas, sem qualquer indenização aos donos e sem prejuízo das demais sanções administrativas, civis e penais cabíveis.
É competência da União expropriar propriedades rurais que não cumpram sua função social, com práticas que ferem a dignidade da pessoa humana, o valor social do trabalho, o direito à cidadania e outros valores estabelecidos na Constituição Federal. Entre 1997 e 2005, mais de 300 trabalhadores foram resgatados em operações do Ministério do Trabalho das fazendas Santa Luzia e Vale do Juruena, de posse de Susete, Rosana e Sebastião Douglas Sorge Xavier.
Auditores-fiscais do Trabalho, uma procuradora do Trabalho, uma defensora pública da União e servidores e policiais rodoviários federais integraram a força-tarefa que libertou as vítimas da fazenda Santa Laura Vicuña. Segundo os integrantes do Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), os proprietários deixaram os empregados e seus familiares, em especial crianças e uma trabalhadora grávida e lactante, expostos a graves e iminentes riscos, resultantes do generalizado descumprimento de normas de saúde e segurança no trabalho. “Os trabalhadores e seus familiares tinham seus direitos trabalhistas mais elementares sonegados sistematicamente (registro, pagamento de salários, condições higiênicas básicas, água potável e outros)”, registraram as autoridades.
Os trabalhadores eram designados para atividades de lavoura (roço, aplicação de agrotóxicos, catação de raízes), serralheria e construção civil. Perto do alojamento onde estavam instalados, sem qualquer isolamento, havia várias bombas de veneno. Em torno delas ciscavam as galinhas que serviriam, em algum momento, de alimentação para as vítimas. Um menino de dois anos, filho da trabalhadora gestante, também costumava brincar próximo ao local.
Conforme constatado pela fiscalização, era a trabalhadora grávida quem lavava a roupa utilizada pelo companheiro para “bater” veneno. Os proprietários não forneciam uniformes e equipamentos de proteção para os empregados executarem esse e outros serviço.
Durante da operação, Marinaldo Veras Cavalcante, gerente da fazenda, foi conduzido à Polícia Federal de Sinop e teve a prisão em flagrante decretada. Os empregadores responderão pelos crimes previstos no Código Penal e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Estão sujeitos, ainda, às multas aplicadas pelo Ministério do Trabalho e à inclusão de seus nomes na Lista Suja do Trabalho Escravo.
Expropriação - Na ação, o pedido de expropriação leva em conta o histórico predatório e escravagista da família “Xavier” no Estado de Mato Grosso, com o sistemático descumprimento de direitos sociais e humanos e exploração desenfreada de recursos naturais.
“No presente caso, não se está diante de uma mera fazenda que desenvolve, normalmente, suas atividades. É um caso de resgate de trabalhadores num ambiente de empregadores reincidentes, por décadas, em trabalho escravo. O que se tem é a perpetuação de uma lesão por parte de um importante grupo familiar, o qual deve sofrer a justa sanção como forma de se impedir, de vez, a contumácia infratora”, salientam o procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Fleury, e os procuradores Tiago Muniz Cavalcanti, coordenador Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete); Catarina von Zuben, coordenadora regional da Conaete do MPT em Capinas (15ª Região); e Lys Sobral Cardoso, coordenadora regional da Conaete do MPT em Mato Grosso (23ª Região).
Após intensa pesquisa, os procuradores verificaram que o patriarca Sebastião Bueno Xavier, falecido 2016, é conhecido como um dos grandes produtores rurais do estado. Migrou para Mato Grosso em 1986 e se estabeleceu abrindo fazendas e fundando frigoríficos na zona de fronteira agrícola. De acordo com o atual ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, senador Blairo Maggi, Xavier foi “um dos grandes bandeirantes que ajudaram a construir o Brasil (...)”.
Os procuradores observam que, historicamente, casos de desmatamento e escravidão estão intimamente ligados. O desmatamento iniciado por Sebastião Bueno Xavier continuou com seus herdeiros (Rosana, Suzete e Sebastião Douglas Sorge Xavier).
Além da devastação florestal, dois de seus filhos já figuraram no cadastro de empregadores que submeteram trabalhadores a condições análogas às de escravo, mantido pelo governo federal desde 2003. Em julho de 2009, Rosana Sorge Xavier foi incluída por submeter 16 trabalhadores rurais a condições degradantes de trabalho na fazenda Santa Luzia. Essa propriedade já havia sido incluída na “Lista Suja”, anos antes, quando estava sob a responsabilidade de seu irmão, Sebastião Douglas Sorge Xavier.
Violência - O Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM) descobriu, durante a operação de resgate, que um ex-empregado da propriedade, Terezinho Ribeiro Correa, fora esfaqueado por outro trabalhador e não teve qualquer amparo dos donos. Sozinho, sem parentes, ele aguarda o desfecho da ação ajuizada contra a Santa Laura Vicuña, onde laborou por cerca de um mês, em 2016, sem receber nenhum pagamento.
Relatos da equipe que resgatou 23 trabalhadores mostram um cenário “absolutamente estarrecedor”. Sem registro, os empregados estavam pessimamente instalados. No primeiro alojamento inspecionado, o chão era de cimento inacabado, e, em muitos trechos, de terra batida. Foram encontradas redes do lado de fora da habitação, já que o ambiente, em razão da inadequação da telha, era extremamente quente.
Como o banheiro do alojamento ficava na área destinada aos homens, foi improvisada uma fossa nos arredores da casa para uso das mulheres. À noite, em razão da distância até o “banheiro” externo, a trabalhadora grávida tinha que fazer suas necessidades no “chuveiro”, também sem cobertura e em péssimas condições. Não era fornecido material de limpeza e nem papel higiênico.
Tudo que havia dentro da casa era adquirido por um encarregado e descontado dos empregados. Não havia forro no teto do alojamento masculino, que também era utilizado, contrariando todas as disposições normativas, como abrigo de famílias.
Um outro grupo de trabalhadores, também sem registro e alojado, improvisadamente, em edificações próximas à sede da fazenda e destinadas a maquinários, foi encontrado. Todas as camas do cômodo eram feitas de ripas de madeira. Uma das vítimas relatou que a água consumida vinha de um poço e tinha gosto de lama. Disse, ainda, que quando o poço secava (ele já ficou três meses sem água), tinha que ir até um ‘retiro’ localizado a dois quilômetros de distância do local. Outro empregado, menor de idade, lembra que “que para fazer suas necessidades ia no mato, pois o banheiro da casa não funcionava”.
Fraude - Na ação é apontada, ainda, a tentativa de fraude dos integrantes da família, por meio de sucessivas alterações em quadros societários, inclusive com acréscimo de cláusulas de impenhorabilidade e incomunicabilidade, para manutenção dos bens. Para se ter uma ideia, Sebastião Douglas Xavier, apesar de não aparecer nos quadros societários da empresa e nem ser mais o atual proprietário das terras, é quem, efetivamente, comanda a fazenda, de acordo com os depoimentos dos trabalhadores.
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