Marcos Coimbra: Pesquisar para quê?

por Marcos Coimbra — na Carta Capital - publicado 23/08/2017

Graças ao Datafolha, esporádico e questionável, a "grande imprensa" pode fingir que se interessa pela opinião do cidadão comum
Ricardo Stuckert
Lula
"O ex-presidente é o candidato em que cerca de 70 milhões de cidadãos pensam em votar"
Nos últimos dois meses, uma sucessão de terremotos atingiu a política brasileira, com intensidade variando de moderada a muito forte. Michel Temer enfrentou uma votação na Câmara dos Deputados que lhe poderia ter custado o mandato. O Senado foi adiante no desmonte de nossa legislação de proteção social. 
Ruiu um dos polos das disputas eleitorais do passado recente, com o tiro, talvez fatal, que atingiu o PSDB com as delações da JBS. Aécio Neves nem sequer aparece mais nas especulações a respeito da próxima eleição e Geraldo Alckmin briga para sobreviver. O espólio tucano está à disposição de aventureiros.

Esses dois meses viram ainda a condenação de Lula em primeira instância. Com a sentença de Curitiba, ele corre o risco de não poder disputar a eleição de 2018 e ter seus direitos políticos suspensos por dez anos.
O principal líder político brasileiro e o mais popular dos presidentes de nossa história pode ser impedido de participar da vida pública, de manifestar-se e emitir opiniões. O ex-presidente é o candidato em quem cerca de 70 milhões de cidadãos pensam em votar.
Em algumas regiões do País, suas intenções de voto, sozinhas, representam o triplo da soma dos oponentes. Impedir que ele concorra é uma intervenção absurda e gravíssima.  

Em qualquer lugar civilizado do mundo, um conjunto de terremotos dessa magnitude estaria sendo acompanhado de perto por pesquisas de opinião. Os veículos de comunicação buscariam monitorar as reações da população, para informar leitores e espectadores, bem como para orientar sua cobertura. Onde estão as pesquisas de opinião brasileiras? Quantas foram contratadas ou divulgadas por nossa indústria de comunicação nos últimos dois meses? 

A rigor, nenhuma, pois a mais recente a merecer espaço adequado nos jornais e televisões é do fim de junho. Para comparar, somente nos primeiros dias de agosto foram publicadas na Argentina nove pesquisas, de diferentes institutos, tratando de temas nacionais.
O silêncio sepulcral da mídia brasileira a respeito do que pensam as pessoas comuns só é rompido quando o jornal Folha de S.Paulo resolve que é hora de mandar seu instituto, o Datafolha, fazer pesquisa. Sabe-se lá quando isso ocorre: no início de 2016, por exemplo (talvez para acelerar a queda de Dilma Rousseff), solicitou uma pesquisa ao mês, mas agora deixa-o sem serviço.
É pena, pois, apesar dos problemas de seu trabalho, o Datafolha é o responsável pela única pesquisa a que muita gente tem acesso. Há mais institutos fazendo-as, mas são pouco divulgadas e raramente comparáveis.
Algumas são limitadas, realizadas por telefone exclusivamente em determinados locais, outras usam “amostras” enormes, mas apenas entre os que concordam em preencher questionários na internet; outras ainda se baseiam em entrevistas telefônicas feitas por robôs.
Resta a pesquisa CUT/Vox Populi, a exceção depois que entidades patronais, como a CNT, suspenderam seu patrocínio a levantamentos periódicos ou os limitaram fortemente, como a CNI. Em relação a ela, no entanto, a “grande imprensa” age como avestruzes: para não reconhecê-la, fecha os olhos e enfia a cabeça no chão.
Curioso é que muita gente acha “mais verdadeiros” os resultados do Datafolha e discutíveis os da pesquisa CUT/Vox Populi. No Vox Populi, as entrevistas são domiciliares (o que permite que aposentados e donas de casa, por exemplo, sejam adequadamente ouvidos) e não há sub-representação dos mais pobres e com menos escolaridade. Quem reside em pequenas cidades e áreas rurais é procurado. Nada disso acontece no Datafolha, como é fácil verificar.  

O instituto paulista faz uma opção metodológica questionável, que contraria a prática do institutos internacionais mais conceituados: inicia as pesquisas a respeito de temas políticos e eleitorais sempre perguntando, em tom de quase cobrança, a intenção de voto: “Em quem você pretende votar para presidente na eleição de...?”
Trata o voto como se fosse uma questão de top of mind, aumenta artificialmente a indecisão e capta mal o cenário eleitoral. O Vox Populi segue o que é mais recomendado.
Para a mídia corporativa, o Datafolha é de casa. Foi transformado em padrão por comodismo: faz pesquisas de vez em quando e obedece à pauta de seu controlador. Com ele, a “grande imprensa” brasileira pode continuar a fingir que dá um vintém pelo que pensa o cidadão comum.
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Marcos Coimbra
Marcos CoimbraSociólogo, é presidente do Instituto Vox Populi e também colunista do Correio Braziliense

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