Fornazieri: Doria e Bolsonaro alimentam e crescem no ódio, enquanto setores da esquerda mostram sua face dócil, domesticada e covarde
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Eu tenho três filhos e todo dia digo aos meus três filhos pequenos: meus filhos, o trabalho compensa. […] Há filhos de gente decente no Brasil. Não são os filhos do Lula. João Doria, pregando o ódio ao PT e fazendo ataques à família do ex-presidente Lula, na avenida Paulista, em 13.12.2015
Doria e Bolsonaro e a marcha fascistóide
Algumas pessoas de esquerda e democratas bem pensantes se apressaram em condenar a ovada que o prefeito João Dória recebeu em Salvador.
Na verdade, os manifestantes soteropolitanos devem ser parabenizados, pois Dória merece ser alvo de muitas ovadas por ser um elemento provocador, desrespeitoso, estimulador do ódio, usando frequentemente uma linguagem e práticas que resvalam para a arruaça política.
Dória precisa ser tratado como inimigo, já que ele trata as pessoas progressistas e de esquerda como inimigas.
O condoer dos progressistas com a situação de Dória mostra o quanto muitos setores de esquerda perderam a noção da luta política.
Antes de tudo, note-se que ovadas são práticas de protesto recorrentes nas democracias.
Para citar casos recentes, Emmanuel Macron foi atingido com um ovo na cabeça nas últimas eleições francesas, Marine Le Pen recebeu uma chuva de ovos e François Fillon foi enfarinhado. Nícolas Maduro também foi atingido por ovo nas últimas manifestações. Para lembrar outros casos aqui no Brasil, José Serra, Paulo Maluf, Marta Suplicy, Mário Covas e vários outros políticos também foram atingidos por ovos.
Nessas ocasiões, ninguém fez tanta fumaça como está sendo feito agora com o prefeito bem-vivente dos Jardins.
Os progressistas condoídos parecem ser seguidores da moral dos evangelhos e dos pacifistas, bem assinalada por Max Weber: “se alguém te ferir na face direita, ofereça-lhe também a outra”, o “não resistas ao mal pela força” ou o pacifista que depõe as armas e as lança longe em respeito ao Evangelho.
Em política, todas essas máximas expressam uma ética sem dignidade, como indica o sociólogo. É assim que hoje vemos progressistas dóceis, domesticados, sem virtù e sem coragem em face da virulência dos brutos, dos soberbos, dos violentos, dos pregadores do ódio, dos arrogantes e dos raivosos.
Dória e Bolsonaro são dessa estirpe. Todos os estudos sobre o totalitarismo e o fascismo mostram que onde esses movimentos e líderes triunfaram, em grande medida, se deveu à covardia e à omissão dos democratas, dos liberais e dos progressistas.
A pregação da violência e do ódio por parte de Bolsonaro dispensa comentários, pois ele o faz de forma explicita, aberta e direta, galvanizando a simpatia de milhões de pessoas que perderam as esperanças nos partidos e nos políticos.
Já, Dória, vai pela via da mentira, da sinuosidade e do cinismo, num jogo em que estimula a violência ao mesmo tempo em que imputa aos seus alvos a prática da violência, enquanto ele se apresenta como o pacifista, o educado, o civilizado.
Basta ver os vídeos que gravou após a ovada para ver esse método tão praticado por movimentos totalitários, quanto por charlatões que enganaram suas vítimas em todos os tempos.
Após receber a ovada de militantes do PC do B, Dória afirmou que aquela intolerância expressa o caminho do PT, de Lula e das esquerdas.
Esta declaração é uma provocação clara. Nos dias seguintes se manifestou contra o ódio ao mesmo tempo em que chamava Lula de mentiroso e mandava os ativistas de esquerda para a Venezuela.
Outras declarações de Dória: “É melhor ser um nada do que ser um ladrão como o Lula”; “Trabalho desde os 13 anos e o Lula nunca trabalhou. Vive às custas dos amigos”. Afirmou várias vezes que visitaria Lula em Curitiba onde o petista estaria preso, provocou ativistas nas ruas e em eventos e recorre a uma linguagem de ódio e de exclusão.
Tudo isto são formas de violência política que desencadeia mais violência política. Acrescente-se que Dória sequer tem respeito aos fundadores do PSDB, como demonstrou com FHC e outros, e está empenhado de corpo e alma na empreitada de traição a Alckmin, seu padrinho, na disputa pela candidatura presidencial.
Tal como a propaganda totalitária dava ênfase às supostas fundamentações científicas de seus argumentos, Dória confere status de infalibilidade aos métodos de gestão empresarial que estaria aplicando na Prefeitura.
Ocorre que, tal como a cientificidade dos totalitários era falsa, a gestão empresarial de Dória também é falsa. A gestão Dória é uma montanha de mentiras. Quase todos os programas novos que anunciou são programas antigos que estavam em andamento, simplesmente rebatizados com nomes novos.
A “Cidade Linda” é a maior das mentiras, assim como o João trabalhador, o João gari, o João varredor de ruas etc.
São Paulo, como assinalaram alguns líderes tucanos, está abandonada, tem um prefeito que não prefeita, um gestor que só viaja pelo Brasil e pelo mundo, gastando o dinheiro dos cofres públicos para fazer proselitismo político e demagógico visando sua candidatura presidencial.
Basta ler as “Origens do Totalitarismo” de Hannah Arendt para saber a razão do sucesso de Dória junto à opinião pública.
Esse sucesso conta com três pilares principais: 1) carência, descrença e desesperança das massas; 2) sua atomização e desinformação; 3) sua crença nas ficções criadas pelas mentiras da propaganda.
O sucesso desses lideres e movimentos de viés totalitário e fascistizante antes de chegarem ao poder, se assenta, diz Arendt, “na sua capacidade de isolar as massas do mundo real”.
Dória ou Bolsonaro, certamente, não seriam capazes de criar um regime totalitário no mundo de hoje. Mas o totalitarismo e o fascismo hoje se manifestam de outras formas, em ondas parciais, que envolvem vários aspectos da vida social e arrastam as pessoas para práticas nada democráticas mesmo que acreditem na democracia.
Esses líderes e movimentos, investidos de poder, se tornam perigosos. No passado praticaram à larga o terrorismo de Estado e o extermínio em massa. Dória se mostrou capaz de pequenas vilanias, praticando pogrons contra drogados e doentes e mandando jogar jatos de água fria, em pleno inverno, em moradores de rua.
Os bem pensantes progressistas e de esquerda pregam que é preciso reduzir o ódio e aumentar o diálogo, promover debates de alto nível. Sim, tudo isto é necessário, mas onde é possível e com quem é possível. Com Dória e Bolsonaro não é possível.
Usar boas maneiras, oferecer a outra face, significa se deixar passar por cima por essas ondas protofascistas que estão vindo com força. Subestimá-las, representa um erro fatal. Convém lembrar que quase todos os líderes totalitários e fascistas foram subestimados no início de suas carreiras.
Para combater Dória e Bolsonaro é preciso entender o fenômeno que eles representam, compreender a especificidade de cada um e os seus métodos de fazer política e de se promover através da propaganda e das mentiras.
Os progressistas e as esquerdas vêm colhendo derrotas e fracassos sucessivos. Poderão colher uma estrondosa derrota em 2018.
Se é para ser derrotado, que o seja com luta, coragem e dignidade.
Que não seja com o mi mi mi das boas maneiras para com quem as trata como inimigas. E se for para buscar a vitória, que se mudem os métodos, os discursos e os modos de agir e que se saiba quem são e como agem os inimigos.
Aldo Fornazieri é professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP)
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