Entidades pró iniciativa popular devem ir ao STF para derrubar reforma política

LONGE DO IDEAL
Para representantes da OAB e CNBB e o juiz Marlon Reis, dependendo do que for aprovado vários itens do projeto da Câmara representam retrocessos e são inconstitucionais

por Hylda Cavalcanti, da RBA publicado 17/08/2017 
MÍDIA NINJato reforma política
Reforma política reclamada pelas organizações que lutam por democracia e representatividade não é essa
Brasília – Representantes das entidades que integraram o movimento de mobilização pela construção de um projeto de iniciativa popular de reforma política têm feito críticas duras ao projeto que está sendo apreciado pela Câmara dos Deputados. E avaliam acionar o Supremo Tribunal Federal (STF) para questionar a inconstitucionalidade de vários itens da proposta.

Contrários ao texto desde o início, por considerarem que o Congresso atual não tem condições de discutir uma reforma política, este grupo questiona a possibilidade de doação oculta de campanhas, a volta do financiamento privado e o distritão. Além disso, considera que o maior erro da proposta foi não ter contado com a participação da sociedade. Algumas entidades até demonstraram ser favoráveis ao voto distrital misto, mas não aceitam o distritão.
“Esta não é a reforma política que o Brasil precisa. O texto só apresenta retrocessos ao sistema que temos hoje”, afirmou o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Claudio Lamachia. Ele afirma que a Ordem entrará com uma ação no STF caso seja aprovado o item que permite a doação oculta para campanhas.
O relator da matéria, deputado Vicente Cândido (PT-SP), anunciou que vai tirar este trecho do seu texto, mas há articulações internas de vários deputados que têm interesse em trabalhar para que essas doações sejam mantidas. Na opinião de Lamachia, as doações ocultas ferem três princípios constitucionais: a transparência, a publicidade e a moralidade.
ARQUIVO PESSOAL FACEBOOK / OABmarlon reis e lamachia.jpg
Marlon Reis e Lamachia: reforma apresenta retrocessos em relação ao sistema que existe hoje
Lamachia destacou que o dispositivo, caso seja aprovado, apresentará margem grande para lavagem de dinheiro, ocultação de recursos e para que não se tenha transparência nas eleições. O representante da OAB ainda criticou o chamado “distritão” e defendeu o voto distrital misto.
“A ideia do distritão favorecerá, sem dúvida nenhuma, aquelas pessoas que já têm convivência na política, com mais aparição. Ela não serve nem como transição, pois facilita a perenização da classe política atual.  A OAB defende a ideia do voto distrital misto, passando ao TSE a regulamentação dos distritos. Essa é uma posição fechada pelo conselho pleno da Ordem”, contou.
Por fim, ele considera a proposta de criação de um fundo de R$ 3,6 bilhões para o financiamento de campanhas “um verdadeiro deboche com o cidadão brasileiro”. “Hoje vemos dificuldades de vários governos na aplicação de política públicas básicas, como saúde, educação e segurança. Quem vai financiar este fundo, que conspira contra aquilo que a própria sociedade quer: o barateamento das campanhas políticas?”

Soberania 

Também o ex-deputado Aldo Arantes, que coordena pela OAB a campanha de assinaturas para o projeto popular da reforma, afirmou que uma reforma política democrática deve ter como fundamento a soberania popular, o que não deve acontecer com o texto que está em tramitação.
Arantes afirmou que o sistema político brasileiro está em crise por falta de representatividade decorrente do sistema eleitoral e do financiamento empresarial de campanha. “Ele é o fator fundamental da corrupção eleitoral e de um parlamento que representa os financiadores e os eleitores. A consequência disto tudo é um parlamento formado por uma grande quantidade de corruptos e insensíveis às demandas populares. Assim explica-se seu desprestígio”, disse. 
O coordenador da campanha no âmbito da OAB também ressaltou que “para enfrentar tais problemas é necessário um sistema de financiamento de campanha e um sistema eleitoral que aumente a representatividade do parlamento.
Já em relação ao sistema eleitoral, ele reclamou do distritão. “É um sistema eleitoral que piora o que já é ruim no atual sistema. Elegerá, essencialmente, os candidatos que já têm mandato impedindo a renovação e fragilizará os partidos políticos, pois a campanha será feita em torno do candidato”.

‘Inconstitucional’

No caso do juiz federal Marlon Reis, autor da Lei da Ficha Limpa e criador do Movimento por Eleições Limpas, que organizou a campanha da reforma política por iniciativa popular, a avaliação é de que a proposta que o texto traz é inconstitucional em vários itens. Sobretudo na questão do financiamento oculto ele destacou que o trecho vai privar o eleitor do direito de saber quem financia o seu candidato. “Considero um grande retrocesso”, disse.
Apesar do fim do financiamento privado de campanhas, Reis afirma que o modelo “favorece eleições caras, mercantilistas e impede o debate ideológico”. Isto acontece, segundo o magistrado, porque mesmo impondo um teto, o STF não coibiu “gastos absurdos” por parte dos candidatos mais abastados. “Houve distorções nas últimas eleições, se observarmos municípios com o mesmo número de eleitores e gastos bem diferentes”, explicou.
Para o juiz, o grande problema é que “falta vontade do Congresso para fazer a respeito da reforma política uma coisa boa”, ressaltou, dizendo que não tem muito entusiasmo pelas propostas em tramitação.
Por parte da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que foi uma das entidades mais atuantes na campanha para coleta de assinaturas para o projeto de iniciativa popular, as declarações são no sentido de que a reforma deveria passar por maior discussão popular. O secretário-geral da CNBB, dom Leonardo Steiner, afirmou recentemente que “reformas não podem ser conduzidas sem debate” e pediu que a população fizesse manifestações para debater as reformas, incluindo a reforma política.
De acordo com o bispo, “o Brasil vive um momento muito particular de sua história, uma crise ética. E há situações de enorme complexidade nas quais estão envolvidas personagens do cenário político, sem falar da crise econômica que atinge a todos”, motivo pelo qual acha que as mudanças a serem feitas precisam passar pela sociedade.
Na mesma linha, o bispo emérito de Jales (SP), Luiz Demétrio Valentini, fez duras reclamações a todas as reformas que estão em curso no país. “Há uma espécie de trama que está sendo orquestrada para que isto se torne invisível e leve o Congresso a retrocessos políticos. Existe um interesse do liberalismo econômico que está voltando com força, como se a solução do Brasil fosse voltarmos aos tempos da revolução industrial em que se confrontavam os pequenos contra os poderosos, sempre com desvantagem evidente para os pequenos”, disse.
De acordo com o cientista político Rodrigo Augusto Prando, embora não exista uma reforma política que agrade a todos, sua posição é de que o distritão tende a transformar algo ruim em algo muito pior, “com vistas à manutenção dos donos do poder e do status quo em detrimento dos partidos e da qualidade da democracia e de nossa república”.
Durante videochat realizado pela Câmara dos Deputados, o deputado Vicente Cândido afirmou que para elaborar seu relatório estudou os sistemas políticos de vários países e coletou informações de muitas entidades da sociedade civil, inclusive da CNBB.
Cândido disse lamentar ter chegado a um momento em que estas entidades não quiseram mais colaborar com a proposta de sua relatoria por acharem que o Congresso não tinha credibilidade para tocar a reforma. Acentuou que respeita a posição de todos, mas disse que se por um lado a reforma política a ser aprovada não for ideal, está trabalhando para que seja “a reforma possível a ser feita nos dias de hoje”.



Comentários