Coreia do Norte mostra que o Imperador está nu? Por Pepe Escobar
Pepe Escobar, SputnikNews - 11/08/2017
Apesar do denso nevoeiro da guerra (retórica) entre Washington e Pyongyang, ainda é possível detectar algo de fascinante escrito no muro (não construído).
Já se disse que o presidente Trump está usando a Coreia do Norte para tirar de pauta e do ciclo de notícias dos EUA a narrativa do tal Rússia-gate incansavelmente repetida dia e noite, todos os dias e noites. Sem dúvida está funcionando. Afinal, naweltanschauung [visão de mundo, al. no orig.] do Excepcionalistão, a perspectiva de guerra e suas possíveis recompensas com certeza tira da mesa de jogo as nebulosas acusações de que os russos teriam hackeado documentos dos EUA e interferido nas eleições.
O Capitólio jamais sequer consideraria uma tentativa de declarar o impedimento (impeachment) de um presidente dos EUA — sobretudo se estiver cercado por seus generais – num momento em que o primado geopolítico dos EUA está sob alto risco. Além disso, o Congresso já deixou perfeitamente claro que Trump sequer tem permissão para bombardear a Coreia do Norte.
Assim sendo, nos termos dessa hipótese de trabalho, se Robert Mueller encontra alguma coisa gravemente prejudicial à marca Trump, o presidente pode na verdade considerar uma operação de bombardear a Coreia do Norte de tipo 'cauda abanando o cachorro'.
Enquanto isso, quem preste atenção ao que Edward Snowden revelou em detalhes já sabe que hackers de todas as tribos estão sintonizados com tudo que tenha a ver com sistemas de inteligência e comunicações por telefone celular relacionados a Mueller. Todos sabem que a Equipe Mueller deu jeito de saber de Trump em tempo real – e planeja seus movimentos conforme o que vai encontrando.
Quanto à guerra retórica ela mesma, uma fonte na inteligência dos EUA habituada a pensar fora da caixa Beltway [do Departamento de Estado] indica a variável crucial Coreia do Sul: "A Coreia do Sul porá fim à aliança com os EUA no instante em que se convencer de que os EUA atacarão a Coreia do Norte para se autoprotegerem mesmo à custa de matarem 30 milhões de pessoas na Coreia do Sul. A Coreia do Sul já está em conversações secretas com a China para construírem um grande tratado de segurança, porque consideram absolutamente infeliz a posição dos EUA, de que bombardearão a Coreia do Norte para se defender e não importa que destruam a Coreia do Sul."
Não esperem encontrar informação sobre essas conversações secretas Pequim-Seul na mídia-empresa ocidental. E, até aí, é só metade da equação. Minha fonte acrescenta que "há conversações secretas entre Alemanha e Rússia sobre as sanções conjuntas de EUA outra vez contra essas duas nações, e Alemanha está realinhando a própria posição, voltando à Ostpolitik ['nova política ocidental', al. no orig.] de Bismarck, de um novo Tratado de Ressegurança [ing. Reinsurance Treaty] com a Rússia."
Assumindo-se que essas negociações secretas deem frutos, as consequências serão nada menos que cataclísmicas: "Os sistemas de segurança europeu e asiático dos EUA podem estar a ponto de colapsar, por causa do tumulto em Washington que está enlouquecendo e pondo sob risco todas as alianças dos EUA. Com o Congresso boicotando Donald Trump, os EUA estão hoje gerando ameaças contra todos os seus principais relacionamentos estratégicos."
Seoul declarada "Dano Colateral"
Ao mesmo tempo persistem graves questões sobre as reais capacidades militares da Coreia do Norte. Como observa outra fonte, independente, bem informada sobre a península coreana, "há submarinos que lançaram mísseis balísticos (SLBMs) e mísseis com base em terra disponíveis no mercado negro; a Coreia do Norte não teria dificuldades para comprar esses itens. A Coreia do Norte sabe que, se não tiver capacidade nuclear de contenção, pode ser destruída como Iraque e Líbia. Além disso, as ameaças ensandecidas contra a Coreia do Norte feitas por [secretário de Estado dos EUA] Tillerson, que deveria aposentar-se e voltar às pescarias, podem causar grave dano aos EUA, porque se a Coreia do Norte convencer-se de que os EUA atacarão, ela não esperará como Saddam Hussein esperou, porque já aprendeu a lição que o Iraque tinha a ensinar: a Coreia do Norte atacará primeiro."
Assim sendo, a verdadeira questão, mais uma vez, é se Pyongyang já tem ou não os mísseis balísticos disparáveis de submarinos e capacidade nuclear em terra, que podem ter sido comprados no mercado negro. Minha fonte sobre inteligência na Ásia acrescenta que "atualmente a Coreia do Norte tem 20 submarinos classe Romeo, os quais, segundo Bruce Klingner, especialista de Heritage, têm capacidade para transportar SLBMs. Esses submarinos classe Romeo têm alcance de 14.484 km, e a distância de Pyongyang a New York City é de 10.916 km. Esses submarinos podem ser reabastecidos, digamos, em Cuba. Assim sendo, não é inconcebível que apareça um submarino norte-coreano ao largo de New York City equipado com um míssil balístico nuclear, num novo duelo em "O.K. Corral" com Washington D.C."
A think-tankelândia norte-americana está desenvolvendo um consenso assustador, no que tenha a ver com a Coreia do Norte. Cada analista que mereça o salário que lhe pagam sabe que os locais do programa nuclear norte-coreano são muito dispersos e super protegidos; todos sabem que a artilharia norte-coreana de devastação está concentrada perto da zona desmilitarizada, a distância de tiro de Seul. Mesmo assim, tudo isso continua a ser divulgado no bojo de uma narrativa asséptica, segundo a qual os EUA "estão extremamente relutantes" quanto a bombardear.
Obviamente é muito difícil para o pessoal da CIA reconhecer publicamente que Pyongyang está – com sucesso notável – criando o quadro geral para uma nova negociação com os EUA, e também com Coreia do Sul, China e Rússia. Qualquer intelectual racional não-Dr.Fantástico sabe que não há solução militar para esse drama. A Coreia do Norte é potência nuclear de facto – e a diplomacia terá de levar isso em consideração.
Mas o pessoal do Partido da Guerra Neocon/neoliberal/CIA aposta – e em que outra 'solução' apostariam?! – na guerra. E rápida – antes do muito citado e promovido ponto-sem-volta, quando Pyongyang afinal obtiver arma nuclear disparável. Esse é o ponto para o qual, como se poderia prever, muitos grupos do estado profundo convergem e encontram Trump. E disso são feitos todos os mais apavorantes cenários, apontando sempre na direção de Washington não ver qualquer impedimento a sacrificar seu "aliado" sul coreano.
O que o Estado Profundo realmente quer
Com todos os problemas intratáveis que afetam a península coreana, analistas independentes também estão considerando o quanto o drama Washington-Pyongyang é apenas uma pequena porção de quadro muito mais amplo: a subjugação pelos EUA de todas as relações internacionais baseadas em o quanto os EUA dependem do que extraiam do resto do mundo sob forma de dívida em dólares.
Washington usa as ferramentas de sempre – sanções e bombas – para impor o comércio global e o comércio de energia denominados em dólares. A China contra-atacou com tudo com o maior projeto "ganha-ganha" de comércio/infraestrutura do século 21 — a Iniciativa Cinturão e Estrada [ing. Belt and Road Initiative (BRI) – para comprar energia em yuan; podem chamar de contragolpe poderosíssimo contra a infernal máquina norte-americana da dívida. A Rússia, por sua vez, reemergiu já plenamente como potência geopolítica/militar de primeira ordem.
A doutrina Brzezinski — para impedir a emergência de qualquer concorrente, para nem mencionar alguma aliança de concorrentes equivalentes como a parceira estratégica Rússia-China – está colapsando por todos os lados. É como se ao votar a favor do mais recente pacote de sanções no Conselho de Segurança da ONU, Rússia-China tivessem deixado andar um duplo desafio (e com certeza sabiam desde sempre que a guerra retórica escalaria).
O efeito cumulativo para que todo mundo veja, é a obsessão de Washington – que corre solta – com mudança de regimes (Irã, Venezuela, etc.) e com sanções comerciais ilegais (Rússia, Irã, Coreia do Norte, etc.), enquanto Rússia-China continuam, sutilmente, a minar seja a cadeia de suprimento de Washington – como na dívida em dólar – seja o suposto poderio militar (atrevam-se a bombardear a Coreia do Norte, e verão o que acontece). Por tudo isso, não é surpresa que Rússia-China, no que tenha a ver com o drama da Coreia do Norte, tendam tão firmemente na direção da diplomacia, enquanto o estado profundo excepcionalista dos EUA anseia por guerra.*****
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