Carone, exclusivo: Com a benevolência de delegado da PF, Aécio Neves vive como se estivesse sob guarida dos plenos poderes do Estado Novo

Viomundo - 23 de agosto de 2017

.Foto histórica: Manifestação de integrantes da Aeronáutica sobre a apuração da morte do Major Vaz, no episódio que ficou como o atentado da rua Rua Tonelero, no Rio de Janeiro.

por Marco Aurélio Carone, especial para o Viomundo
No dia 9 de agosto, toda a mídia de notícia informou: Polícia Federal isenta senador Aécio Neves (PSDB-MG) no caso Furnas.
No relatório enviado ao ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), o delegado Alex Levi Rezende, encarregado da investigação, concluiu:
 “A partir do conteúdo das oitivas realizadas e nas demais provas carreadas para os autos, cumpre dizer que não é possível atestar que Aécio Neves da Cunha realizou as condutas criminosas que lhe são imputadas”.
O resultado das investigações da Polícia Federal deixou muito gente pasma, revoltada.
Li todo o relatório do delegado sobre o inquérito nº 4244/DF. Instauração: 11/05/2016. Conclusão: 08/08/2017.
São 219 páginas (na íntegra, ao final). A parte referente à conclusão propriamente dita contém 41 páginas. Começa na página 164 e vai até a 205.
Ao final, me perguntei: Por que o delegado deixou de intimar o ex-deputado federal Roberto Jefferson para depor? Será que se esqueceu?
Afinal, foi Jefferson que delatou todo o esquema, relativo à entrega da diretoria de Furnas ao então governador Aécio Neves. Portanto, tem muita coisa a contar.
Parêntese. Equivocadamente setores da imprensa tentam relacionar o que é investigado no inquérito policial 4244, presidido pelo delegado Alex Rezende, com a  famosa “Lista de Furnas”.
Um caso nada tem a ver com o outro.
A “Lista de Furnas” é um documento que aponta empresas e beneficiados pelo esquema de arrecadação de propina montado por Dimas Toledo para financiar as eleições de 2002, entre as quais a de Aécio Neves ao governo de Minas. Isso já foi investigado e comprovado por perícia do Instituto de Criminalística da Polícia Federal.
O objeto do IPL 4244 é muito mais amplo: investigar o gigantesco esquema de corrupção montado por Dimas em Furnas, a partir de 2002, após sua indicação por Aécio Neves para diretor da empresa. Fechando parêntese.
Por que também o delegado não intimou personagens importantes, conhecedores em profundidade do esquema criminoso, como José Antônio Csaapo Talavera?
Ele foi contratado pelo presidente da Toshiba, Takashi Wada, para apurar as irregularidades que estavam ocorrendo na empresa em relação a Furnas e Cemig.
Talavera certamente relataria a prática de caixa 2 montado na Toshiba para atender ao esquema de corrupção de Furnas e Cemig.
A propósito. Um pouco antes de assumir o inquérito referente a Furnas, o delegado Alex foi também designado para apurar o “sumiço” na CPI dos Correios (documentos eram compartilhados com a CPI do Mensalão) dos contratos e aditivos assinados pelas agências de publicidade de Marcos Valério com o primeiro governo Aécio Neves. Entre os membros desta CPI, o então deputado federal tucano Ibrahim Abi-Ackel e sobre quem pesa a suspeita de ter feito o serviço.
Considerando esse fato e que perguntar não ofende: a que conclusão a PF chegou sobre essa investigação?
A Polícia Federal é órgão extremamente importante, detentor de excepcional quadro de servidores. Porém, dependendo de quem está no poder, não segue as regras republicanas.
Subordinada ao Ministério da Justiça, órgão do Poder Executivo dirigido por pessoa escolhida pelo presidente da República, acaba por vezes sofrendo ingerências políticas e partidárias, como parece indicar esse caso do Aécio.
Fatos como esse, no entanto, não são novidade na história da instituição.
Ocorrem desde 1944, quando Getúlio Vargas, através do decreto n 6.378, de 28 de março de 1944, transformou a Polícia Civil do Rio de Janeiro em Departamento Federal de Segurança Pública (DFSP).
Depois, em 1964, por ato do golpe militar passou a ter atuação em âmbito nacional, passando em 1967 a se chamar Polícia Federal.
Nascida, portanto, ainda no Estado Novo,  a Polícia Federal serviu principalmente para abrigar de forma institucional a temida “guarda pessoal de Getúlio Vargas”, organizada por seu irmão Benjamim que, de início, recrutou 20 homens de confiança em São Borja, Rio Grande do Sul.
Gregório Fortunato, o anjo negro de Getúlio Vargas, tornou-se o chefe da guarda, após os integralistas tentarem invadir o Palácio Guanabara, na época residência oficial do Presidente da República.
De guarda pretoriana para servir de segurança para Getúlio, ela se transformou em milícia para proteger os malfeitos da família do ditador. Existem relatos de que chegou a ter 100 integrantes.
Em 30 anos, ela se transformou em polícia judiciária, altamente profissional. Porém com normas que a subordinam aos interesses do Poder Executivo até hoje.
Nem mesmo a lei nº 4.878, de 3 de dezembro de 1965, que criou o estatuto dos policiais federais e, ao longo do tempo, sofreu diversas alterações, mudou totalmente isso.
Ainda hoje o estatuto mantém, entre outros aspectos, o modelo disciplinar surgido à época do regime militar, prevendo de forma ampla a punição a policiais que
“se referirem de modo depreciativo às autoridades e atos da administração pública” ou “promoverem manifestação contra atos da administração”.
Talvez por isso o senador Aécio Neves conseguiu o direito de escolher quem iria investigá-lo. Aécio vive como se estivesse sob a guarida dos plenos poderes do Estado Novo.
Sua referência, o avô Tancredo Neves, foi ministro da Justiça do segundo governo Vargas.
A ele cabia a condução do Departamento Federal de Segurança Pública (DFSP), hoje Polícia Federal.
Só que Tancredo impediu que o DFSP aprofundasse a investigação do episódio que ficou conhecido como o atentado da rua Tonelero, no Rio de Janeiro.
Na madrugada de 5 de agosto de 1954, a tentativa frustrada de assassinar o jornalista e político Carlos Lacerda acabou levando à morte do major-aviador Rubens Florentino Vaz.
Inicialmente, as investigações estavam a cargo da DFSP, tendo o acompanhamento do coronel João Adil de Oliveira, designado pela Aeronáutica para a missão.
Porém, o inquérito foi literalmente paralisado  após o depoimento do motorista de táxi Nélson Raimundo de Sousa, que confessou ter transportado dois homens até o local do crime e conhecer um deles, Climério Euribes de Almeida, membro da guarda pessoal de Vargas.
A inoperância policial determinada por Tancredo provocou sérias reações na Aeronáutica, a começar por pressões para que as investigações deixassem a alçada da polícia civil e se transformassem num inquérito policial militar (IPM).
Dava início aí ao que ficou conhecido como a “República do Galeão”, que desaguou em forte crise institucional, culminando com o suicídio de Getúlio Vargas.
Agora, o Brasil encontra-se novamente numa encruzilhada.
Segue o solicitado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e prende Aécio Neves, desmontando o poder que ele adquiriu através das mais diversas práticas criminosas e corruptas.
Ou o senador tucano desmoralizará o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Polícia Federal.
A ação de Aécio Neves e de seu grupo político é incompatível com o regime democrático e o modelo republicano. Para eles não existem limites. Instrumentalizam, ameaçam, corrompem, subornam, chantageiam, prendem e tudo o mais que for necessário para atingirem seus objetivos.
Será que as investigações e punição dos crimes praticados por Aécio e seu grupo só ocorrerão com o rompimento das regras institucionais?
Pelo futuro das novas gerações, espero que não. Principalmente porque o STF e a PGR têm pleno conhecimento de toda a atuação do senador.
A conclusão do delegado Alex Levi Rezende de que ‘não é possível atestar que senador realizou as condutas criminosas que lhe são imputadas’ é indício do quanto o esquema de Aécio Neves é permissivo e desmoralizador.
O nome completo do delegado é Alex Levi Bersan de Rezende. Ele iniciou a sua carreira, em 2005, após ser nomeado defensor público por Antônio Anastásia.
Na época, o hoje senador Anastasia era secretário de Defesa Social do governo Aécio Neves, e a defensoria a ele estava subordinada.
Alex Rezende não foi o único a se beneficiar da prática que ficou conhecida como “captura da defesa do cidadão pelo tucanato jurídico”.
Em todo o estado, filhos, irmãos e correligionários do PSDB foram contratados para ocupar cargos na Defensoria Pública, no governo Aécio Neves.
As irregularidades eram tantas que o STF praticamente anulou todos os atos praticados pelo governo de Minas.
No caso de Alex Levi Rezende, a contratação ocorreu devido à sua amizade com a família de Mauro Durante, ex-ministro de Itamar Franco, e à sua militância política  com o deputado federal Marcos Pestana (PSDB), principal escudeiro de Aécio Neves e linha de frente do esquema tucano na zona da mata mineira.
Em 2007, Alex passou a atuar no Departamento de Polícia Federal em regime de dedicação exclusiva.
Curiosamente, ao contrário do que determina a lei, Alex, até 2015, funcionou como advogado de confiança no inventário da família Durante, braço direito de Itamar Franco, político que elegeu Aécio para sucedê-lo no governo de Minas.
Como disse no começo, eu li as 219 páginas do relatório do delegado Alex sobre o caso Aécio Neves.
Imagino que até dentro da própria Polícia Federal tenha sido alvo de deboche.
No relatório do delegado Alex, não consta qualquer solicitação oficial e formal como determina a lei. Ele contém um relatório do Ministério Publico do Estado do Rio de Janeiro, assinado pelo ex-deputado federal Antônio Carlos Biscaia, hoje assessor-chefe da assessoria criminal do MPRJ, acrescido de diversas reportagens de veículos sabidamente favoráveis a Aécio Neves e meia dúzia de depoimentos. E só.
Por que o delegado não juntou o relatório da procuradora federal, Andrea Baião e a denúncia apresentada por ela 2012?
Curiosamente, o delegado Alex escolheu para depor apenas personagens políticas que, em público, mostram-se de partidos adversários mas que nos bastidores já estiveram juntos.
É o caso de Aécio e Lula, nas eleições de 2002 e 2006. Aécio, candidato a governador, pedia voto para Lula e Lula, candidato a presidente da República, em Minas Gerais pedia voto para Aécio. O famoso “Lulécio.
Por que não promoveu acareação do ex-presidente Lula e Roberto Jefferson?
Tudo bem, não quis. Não precisava tanto então. Bastava o delegado ler as 1.240 páginas do inquérito policial 1835/2005, da PF. Lá, além de todas investigações, perícias, quebra de sigilos e 30 depoimentos, está o que motivou a apresentação de denúncia pelo Ministério Público Federal do Rio de Janeiro.
Por via das dúvidas, ele poderá encontrá-lo no final desta matéria.
Pesquisando a ficha funcional do delegado Alex, uma surpresa. Não se obtém o local onde encontra-se locado.
Estaria ele solto dentro da estrutura funcional da Polícia Federal, sem vínculo a qualquer superintendência, delegacia, departamento ou setor?
O fato de do delegado Alex ter atuado em dois casos envolvendo Aécio leva à pergunta óbvia: A atual função dele seria acompanhar e dirigir as investigações relativas a Aécio Neves?
Para facilitar o trabalho do delegado e para que os leitores possam formar sua opinião, seguem vários documentos, entre os quais o inquérito completo sobre Furnas, a íntegra do depoimento de Roberto Jefferson e a denúncia apresentada pelo MPF do Rio de Janeiro.
Recomendo ainda ao delegado Alex procurar a delegada Ana Paula Costa, da Delegacia de Prevenção e Repressão a Crimes Fazendários da Polícia Civil do Rio de Janeiro, que preside o inquérito das investigações sobre Furnas.

FURNAS VOLUME 3


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