Amianto,urgente: Trabalhadores da Precon de Pedro Leopoldo estão morrendo sem diagnóstico

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No Brasil, dois grupos empresariais resistem à substituição do cancerígeno amianto por fibras alternativas não prejudiciais à saúde.
Um é a Eternit, líder do mercado e dona da única mina de amianto crisotila em exploração no País. A de Cana Brava, em Minaçu, no norte de Goiás.
O outro é a Precon, em Pedro Lepoldo (MG), que fabrica telhas de amianto há 45 anos e atualmente tem cerca de 500 funcionários.
Curiosamente, numa busca em seu site, só encontramos dois resultados para “amianto”.  São notícias da própria empresa.
Na mais recente, publicada em março de 2015, informa que está aberta à visitação pública e oferece um giro por suas dependências a quem tiver interesse em conhecer a empresa (o negrito é nosso):
 Na Precon Material de Construção, o Programa Portas Abertas tem como objetivo receber visitantes e mostrar de perto o processo de fabricação desses produtos, além de tratar do uso controlado e responsável do amianto crisotila
Na notícia mais antiga, de novembro de 2004, a Precon repete o surrado mantra da indústria do amianto:
Presente na vida dos brasileiros desde 1930, o amianto crisotila tem seu uso altamente regulamentado no Brasil. O mineral participa com cerca de 20% da composição do ‘fibrocimento’ e fica encapsulado em 90% de cimento, resultando num produto seguro, leve, resistente e altamente durável, usado largamente na construção civil.
Estudos científicos nacionais e internacionais comprovam que as telhas produzidas com o amianto crisotila não provocam nenhum dano à saúde, muito menos o uso da água depositada em caixas feitas com o material. 
Na empresa, que há 32 anos utiliza o mineral na confecção de caixas d’água e telhas, não existe registro de doença entre os funcionários e ex-funcionários que trabalharam com o material. 
O sindicato dos trabalhadores, o Sinticomex, faz coro com a empresa, como mostra o panfleto que distribuiu recentemente (o grifo em laranja é nosso).
O Sindicato afirma, portanto, que:
1) Não há nenhum caso de doença provocada pelo amianto na Precon, desde a década de 1990.
2) Isso é graças a um acordo envolvendo a empresa de “não expor seus trabalhadores a qualquer risco”.
“Só que nenhuma das afirmações é verdadeira”, alerta a engenheira Fernanda Giannasi, fundadora da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea).
Basta um tour pelo circuito não oficial, para desmascarar, de cara, a afirmação 2.
Em plena área de produção, há desde sacos da matéria prima em embalagens danificadas, sem a devida vedação, como mostram estas fotos feitas pelos próprios trabalhadores.
Essas imagens são o retrato do descaso da empresa e do sindicato. A mesma coisa acontece com os resíduos da empresa.
“A Precon não armazena adequadamente a matéria-prima nem os resíduos e o sindicato, por sua vez,  não fiscaliza”, acusa Fernanda. “Expõem, assim, a saúde dos trabalhadores aos riscos da fibra assassina.”
Explico. As fibras do amianto se soltam desses materiais e se espalham pelo vento, ficando por muito tempo no ar. Uma única fibra pode causar doença.
“De cara, portanto, a Precon deveria ser multada, com base na lei trabalhista e na resolução 348/2004, do Conama”, avisa Fernanda, que durante 30 anos foi auditora fiscal do Ministério do Trabalho em São Paulo. O próximo passo seria a interdição da empresa, caso ela persista em descumprir ambas as legislações, a trabalhista e a ambiental.
Conama é o Conselho Nacional do Meio Ambiente. A resolução 348/2008 classifica os resíduos de amianto como “perigosos”, que exigem local adequado para sua disposição em aterro licenciado pelo órgão ambiental e cadastrado junto ao Ministério do Trabalho.
O item 17 da NR 15 (Norma Regulamentadora 15) é taxativo  (o negrito é nosso):
17.O empregador deverá eliminar os resíduos que contêm asbesto, de maneira que não se produza nenhum risco à saúde dos trabalhadores e da população em geral, de conformidade com as disposições legais previstas pelos órgãos competentes do meio ambiente e outros que porventura venham a regulamentar a matéria.
“A Precon também deveria ser multada por não comunicar ao INSS os casos dos doentes, mesmo que não estejam trabalhando mais na fábrica”, frisa Fernanda.
A legislação prevê que a empresa acompanhe os empregados por, pelo menos, 30 anos após o seu desligamento ou findo o contrato de trabalho.  E a Precon, tudo indica, não o faz.
“Se seguisse a lei, ela saberia de dois casos recentes de mesotelioma e um de câncer do pulmão, entre seus ex-empregados”, observa Fernanda.
Mesotelioma é um tumor maligno raro causado pelo amianto.É incurável e leva ao óbito a maioria de suas vítimas em menos de 1 ano após o diagnóstico.
Na verdade, o silêncio epidemiológico em Pedro Leopoldo é escandaloso.  Revoltante. Lá, não se faz registro de doenças relacionadas ao amianto nem ao INSS, nem ao Sistema Nacional de Agravos de Notificação (Sinan) do Ministério da Saúde.
Há cerca 2 meses, Fernanda Giannasi teve um entrevero sério com a Vigilância Epidemiológica de Pedro Leopoldo.
Precisou ameaçar uma enfermeira de nome Rose, terceirizada da prefeitura, de processo e denúncia ao Coren (Conselho Regional de Enfermagem), para que ela cumprisse a lei: o registros dos casos de doenças relacionadas ao amianto da Precon no Sinan.
“Os trabalhadores e ex-empregados da Precon estão completamente abandonados. Estão morrendo em emergências sem diagnóstico”, denuncia Fernanda. “Quantos já morreram nessa situação e quantos ainda morrerão?”
Mas há uma luz surgindo no final desse túnel muito escuro.
Uma parceria entre a Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea) e o Hospital de Câncer de Barretos poderá finalmente tirar da invisibilidade essa grave situação de subnotificação de Pedro Leopoldo.
Atendendo a um pedido do Ministério Público do Trabalho (MPT), pesquisadores do Hospital de Câncer de Barretos irão investigar todas as pessoas que estão ou estiveram expostas ao amianto ao longo desses anos em Pedro Leopoldo.
“Numa primeira etapa, elas vão ser submetidas à tomografia de baixa dosagem e depois acompanhadas”, explica o biomédico Henrique César Silveira, pesquisador do hospital.
“Numa segunda fase, aquelas que aceitarem participar da pesquisa de marcadores biológicos, terão sangue coletado”, prossegue.  O objetivo é saber se algum deles tem  aumentado o risco para mesotelioma e câncer de pulmão.
“Claro que antes tudo isso vai passar por um comitê de ética em pesquisa do hospital”, diz Henrique, animado.
“A intenção é oferecer o melhor tratamento possível pelo SUS a pessoas sem recursos”, diz, Henrique, esperançoso.
É a prevenção do câncer em estadio precoce. Isso significa possibilidade de aumentar o tempo de vida e melhorar a qualidade da sobrevida desses pacientes.

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