Garotinho: Prisão do Rei do Ônibus vai desmontar esquema de Picciani e Paes e revelar caixinha de dezenas de deputados estaduais
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O protesto no casamento, Guiomar com o sobrinho noivo, os herdeiros da monarquia do bumba no Rio e em Fortaleza, o hotel da família em Lisboa, o cearense agora presidente do PSDB no casamento e a reação da PM carioca ao protesto no Copacabana Palace
A prisão de Jacob Barata Filho, herdeiro do “Rei do Ônibus”, terá mais implicações do que se avalia até agora, na opinião do ex-governador do Rio, Anthony Garotinho.
Conhecedor dos bastidores da política carioca, ele acredita que a investigação levará diretamente ao presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, Jorge Picciani.
O poder de Picciani vai muito além do PMDB e do Rio.
Em 2014, ele articulou a campanha de Aécio Neves no Rio de Janeiro, o “Aezão”, contra Dilma Rousseff.
Apoiou o impeachment, fez do filho líder do PMDB na Câmara e emplacou Leonardo no Ministério do Esporte do governo Temer.
A bancada do PMDB na Alerj tem 14 deputados (20% do total) e é liderada por Rafael Picciani, o outro filho de Jorge que faz carreira política.
O terceiro, Felipe, cuida dos negócios da família, dentre os quais uma empresa que forneceu brita para as gigantescas obras realizadas no Rio antes da Copa e dos Jogos Olímpicos.
O pai Jorge, presidente da Alerj, maneja a maioria que permite ao governador Luiz Fernando Pezão impor um tremendo arrocho à sociedade carioca.
Pezão destacou-se particularmente nos últimos meses pela violentíssima repressão da PM local aos movimentos sociais.
Seria uma tentativa de conter no ninho uma repetição das Jornadas de Junho de 2013, desta feita contra o governo Temer.
GAROTINHO PRESO: FOI VINGANÇA?
Garotinho foi preso em novembro do ano passado, acusado de inflar um programa social — o Cheque Cidadão — para ‘comprar votos’ para o candidato de seu grupo político, derrotado em 2016 na disputa pela Prefeitura de Campos dos Goytacazes.
O ex-governador era secretário no governo de sua esposa, Rosinha, que administrou Campos por dois mandatos.
A prisão de Garotinho foi determinada pelo juiz Glaucenir Silva de Oliveira, da 100ª Zona Eleitoral de Campos.
No dia seguinte, o mesmo juiz determinou que Garotinho fosse retirado à força do Hospital Souza Aguiar, no Rio, onde recebia atendimento, e levado para o presídio de Bangu.
Ele teve a prisão relaxada pelo TSE sob condições: não pode, por exemplo, ficar mais de três dias fora de seu domicílio.
Garotinho entrou com queixa-crime contra Glaucenir. O juiz denunciou que teria sido alvo de duas tentativas de compra pela família Garotinho: R$ 1,5 milhões e R$ 5 milhões, através de intermediários do ex-governador e do filho dele, Wladimir Matheus.
“Por que então o noticiado não prendeu os agentes do suposto crime em flagrante?”, perguntou o advogado de Garotinho na queixa contra o juiz, que deu entrada no Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
No mesmo documento, o médico particular de Garotinho disse que seu cliente poderia ter sofrido um infarto por conta da ação do juiz. Depois de deixar Bangu, por decisão de instância superior, Garotinho foi submetido a uma angioplastia.
A defesa do ex-governador lembrou dois episódios embaraçosos envolvendo o juiz anteriormente: em 21/12/2009, Glaucenir sacou uma arma dentro de uma boate em Guarapari, no Espírito Santo. O empresário Alex Pimentel, que teria ficado sob a mira do juiz, disse que o magistrado teria importunado a namorada dele. Em 26/05/2011, em Campos, o juiz foi acusado de agredir uma guarda municipal que tentou multá-lo por não usar cinto de segurança.
O patriarca com os noivos, Garotinho sendo arrastado, Sveiter o homem forte da Justiça, Picciani e Cabral com o aliado Aécio Neves |
O FATOR SVEITER
Em dezembro do ano passado, foi a vez de Garotinho se envolver em outra polêmica: o deputado federal Sergio Sveiter (PMDB-RJ) discutiu no Congresso com Clarrisa Garotinho (PR-RJ), acusando o pai dela de organizar manifestação contra o irmão do parlamentar, o presidente do TJ do Rio, Luiz Sveiter.
Ao negar que estivesse por trás da manifestação, Garotinho alfinetou:
“Sinceramente não sei a quem pedir proteção já que o novo presidente do Tribunal de Justiça do Rio diz que vai me processar e o irmão dele diz que sou inimigo da família.
O deputado Sérgio Zveiter participou da base política de sustentação do governo Sérgio Cabral, denunciado por mim, como todos sabem, há muitos anos. Ele quando faz tal afirmação não fala só por ele, mas por um grupo cujo chefe está na cadeia.
A Lei Orgânica da Magistratura impede que juiz tenha atividade político-partidária.
O desembargador Zveiter quase perdeu o cargo uma vez por ter colocado no site do tribunal um vídeo de apoio à candidatura de seu irmão, escapou por um voto.
Foi durante o governo Cabral que ocorreu a aprovação da Lei dos Fatos Funcionais. Em meio ao recesso parlamentar de 2009, a ALERJ aprovou a lei e logo em seguida Sérgio Cabral sancionou.
A lei permite que um magistrado do Rio ganhe acima do teto constitucional de R$ 33.763. Um recente levantamento mostrou que 98,5% dos magistrados do TJ-RJ recebem acima do teto.
Conhecida como lei Zveiter, os juízes passam a ter direito a receber auxílio-saúde, auxílio-moradia, auxílio-educação, auxílio-alimentação, adicionais por acúmulo de função e por dar aulas, além de outras vantagens.
Os valores dos benefícios variam de R$ 850 a R$ 5 mil. Não há nada que traga mais felicidade a qualquer ser humano, não apenas juízes e desembargadores, do que dinheiro no contracheque.
No mês de maio um desembargador que prefiro preservar o nome para não criar mais polêmica recebeu R$ 150 mil, tudo dentro da legalidade pela Lei dos Fatos Funcionais. Há dentro do Tribunal de Justiça do Rio em relação ao desembargador Zveiter dois sentimentos, um é de gratidão e o outro é de temor reverencial pelo seu poder.
Reafirmo que embora tenha muitos motivos para ser contra o desembargador Luiz Zveiter pelas perseguições que faz à minha família há muito tempo, direta ou indiretamente, no caso da manifestação de Niterói não tenho nada com isso”.
ÔNIBUS: UMA HISTÓRIA DE PROPINAS
A prisão do filho de Jacob Barata, o Rei do Ônibus, coloca o ex-governador Garotinho de novo na ofensiva. Segundo a acusação, Jacob Barata Filho teria pago R$ 260 milhões em propinas a agentes públicos do Rio, R$ 120 milhões destinados ao ex-todo poderoso do PMDB, Sérgio Cabral.
De acordo com o Ministério Público Federal, o doleiro Álvaro Novis, “operador financeiro da Orcrim (organização criminosa) de Sérgio Cabral detalhou a dinâmica de arrecadação e pagamento de propina por empresários do setor de transporte no Estado do Rio de Janeiro a agentes públicos, incluindo o ex-governador, um ex-presidente do Detro [Departamento de Transportes Rodoviários do Rio de Janeiro, Rogério Onofre] e políticos não incluídos nesta medida cautelar por gozarem de foro por prerrogativa de função nos tribunais, mas que tinham direta ou indiretamente influência sobre a política de transporte no Estado”.
“A operação de hoje é fruto das delações do ex-presidente do TCE [Jonas Lopes] e do doleiro Álvaro Novis. O foco é o esquema nas linhas de ônibus intermunicipais. Conforme já alertei aqui no blog e nos meus programas, na Rádio Tupi e no Facebook, em breve a PF e o MPF irão em cima de algumas dezenas de deputados estaduais, que recebem da caixinha da Fetranspor (Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro), e que segundo a delação do ex-presidente do TCE, é o presidente da ALERJ, Jorge Picciani quem comanda o esquema de distribuição da propina aos parlamentares”.
“A investigação que deu origem à operação de hoje mira o esquema intermunicipal, mas certamente vai chegar à cidade do Rio de Janeiro e ao grupo de Eduardo Paes”, acrescentou.
Isso significa: possível implosão da base parlamentar do governador Pezão, um passo para levar o chefão Jorge Picciani à cadeia e luz vermelha para Eduardo Paes.
Também é um alerta à Justiça corrupta do Rio de Janeiro, profundamente interligada aos grandes interesses econômicos da cidade.
Em março deste ano, na Operação Quinto de Ouro, cinco dos sete conselheiros do Tribunal de Contas do Rio foram presos. Jonas Lopes, o ex-presidente do TCE, em depoimento denunciou ao menos um desembargador do TJ por receber propina.
O suborno teria sido pago pelo conselheiro do TCE José Gomes Graciosa, para impedir que a CPI do TCE, que funcionou na Alerj, o investigasse. A liminar que bloqueou a investigação foi dada pelo desembargador Luiz Leite Araújo.
Uma eventual delação de Jacob Barata Filho tem potencial de ser tão demolidora, em escala regional, quanto a de Eduardo Cunha seria em escala nacional.
A família Barata fatura cerca de R$ 2 bi anuais. A maior parte vem de 28 empresas de ônibus que exploram concessões no Sudeste e no Nordeste. Numa tentativa de replicar o sucesso da família Constantino, que saltou da rodoviária Breda (e outras) para a aérea Gol, os Barata investiram na Web Jet. São donos de sete hotéis da cadeia Fênix em Portugal, onde também investiram no setor de transportes.
Em 2013, numa cerimônia no Copacabana Palace, no Rio, ao custo de R$ 2 milhões, Jacob Barata casou a neta Beatriz com Francisco Feitosa Filho, herdeiro de Chiquinho Feitosa, ex-deputado federal cearense, do DEM, que é o magnata dos ônibus em Fortaleza.
Guiomar Feitosa, esposa do ministro do STF Gilmar Mendes, compareceu ao casamento na condição de tia do noivo. A família Feitosa opera concessões em oito estados brasileiros. Comprou a Viação Motta em São Paulo e uma empresa de ônibus em Lisboa.
Como se vê, foi um casamento que solidificou uma poderosa aliança num ramo conhecido por financiar campanhas políticas — agora sob investigação.
A promiscuidade entre mandatos eletivos, grupos econômicos poderosos e juizes do alto escalão, como se vê acima, é particularmente acentuada no Rio de Janeiro.
A pergunta que não quer calar, a essa altura, é a seguinte: quando será feita em São Paulo a devassa que os desdobramentos da Lava Jato fazem agora no Rio?
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