Exclusivo: 100 juristas escreverão livro sobre os erros da sentença de Moro. Por Joaquim de Carvalho
Fama com prazo de validade: o limite é a História. |
Quando condenou Lula sem provas, o juiz Sérgio Moro fez uma escolha: ele preferiu ficar bem com seus fãs e a imprensa corporativa a observar a lei.
Toda escolha tem seu preço e o de Sérgio Moro será a execração nos meios jurídicos mais sérios.
Os primeiros passos nessa direção já foram dados com artigos publicados aqui e ali que mostram a farsa da sentença.
Os repórteres da Globo repetem um texto padrão ao falar sobre os fundamentos da sentença. Repare que todos dizem:
O juiz Sérgio Moro baseou a decisão em provas documentais, periciais e testemunhais.
A pergunta que todo jornalista deveria fazer é: Quais?
As reportagens não esclarecem, mas o professor de direito penal Fernando Hideo Lacerda procurou na sentença e o que encontrou foi:
“Um monte de documentos sobre tratativas para compra de um apartamento no condomínio do Guarujá (nenhum registro de propriedade, nada que indique que o casal tenha obtido sequer a posse do tal triplex) e uma matéria do jornal O Globo (sim, acreditem se quiser: há NOVE passagens na sentença que fazem remissão a uma matéria do jornal O Globo como se prova documental fosse).”
A professora de direito Elo Machado, da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo, reparou que Moro não tratou propriamente da acusação em sua sentença. E fez troça:
“A sentença gasta 218 páginas para dizer muito pouco. Moro se defende na maior parte, lançando sua candidatura ao Nobel da Paz cumulado com Santo Padroeiro dos Patos Amarelos (mas, cá entre nós, tá mais pra prêmio Jabuti).”
São tiros desconcertantes para quem vive no meio acadêmico, mas os petardos mortais estão reservados para um livro que será lançado já em agosto, com artigos de 100 advogados e juristas sobre a farsa do julgamento de Sérgio Moro.
A ideia do livro surgiu na quarta-feira à noite, logo depois que os advogados e juristas leram a sentença do juiz e começaram a trocar suas impressões.
Se entre eles ainda havia alguma dúvida sobre a parcialidade de Sérgio Moro, ela caiu por terra.
Os professores Juarez Tavares, da UERJ, e Carol Proner, da UFRJ, assumiram a organização e contataram outros juristas. A aceitação foi imediata.
O livro terá artigo de Marcelo Nobre, Marco Aurélio de Carvalho, Eugênio Aragão, Pedro Serrano e Lênio Streck, entre outros.
O advogado Anderson Lopes, que fez parte da defesa de Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula, absolvido por Sérgio Moro, escreverá sobre uma ilegalidade que cimentou o alicerce de toda a operação: a falta de competência de Moro para atuar no processo.
Moro plantou a semente do que viria a ser a Lava Jato em 2006, quando foi informado pela Polícia Federal da investigação do crime de lavagem de dinheiro.
Era um caso relacionado a recursos do mensalão e o personagem central era José Janene, então deputado federal.
“O inquérito teria que ser remetido para o Supremo Tribunal Federal, mas Moro, por razão nunca esclarecida, vinculou-se ao inquérito”, observa Anderson.
No despacho em que se assume como juiz do inquérito, Moro faz referência ao processo em que homologou a colaboração do doleiro Alberto Yousseff, no processo do Banestado, a megalavanderia de dinheiro sujo que funcionou principalmente nos anos em que Fernando Henrique Cardoso foi presidente.
Segundo a PF informou Moro, Yousseff estava de volta ao mundo do crime.
O procedimento correto teria sido Moro anular o acordo que fez com Yousseff e mandá-lo de volta para a cadeia.
Mas Moro o manteve solto, como uma isca para buscar outros alvos. Mas que alvo? Não está claro.
Em 2009, a Polícia Federal mostra que Yousseff está mais ativo do que nunca, só que, como em 2006, longe do Paraná, na cidade de São Paulo.
Moro prossegue na investigação, quando deveria ter encaminhado tudo para a Justiça federal da capital paulista.
Justiça não é um instrumento de ação pessoal.
A lei está acima de todos e, pela lei, se o crime estava sendo cometido em São Paulo, era para lá que Moro deveria ter enviado o inquérito.
Como se tivesse interesse pessoal na investigação, Moro retém o inquérito e esconde essa decisão do Ministério Público Federal, à época representado por uma procuradora – Dallagnol ainda não estava lá.
Moro continuou num trabalho que parecia firmado em parceria com a Polícia Federal, e mantém o processo aberto, sem julgar ninguém, investigando tudo e todos, até chegar a Petrobras.
Na democracia, a lei define limite para a atuação do juiz, o que garante o exercício da cidadania.
Só na ditadura é que o Estado mantém-se permanente vasculhando a vida das pessoas.
A análise da investigação mostra que Moro e a Polícia Federal permitiram que Yousseff prosseguisse no crime de lavagem de dinheiro durante quase oito anos, de 2006 a 2014, quando ele voltou a ser preso.
Por quê?
Mais escandaloso ainda é que, depois de todo esse tempo, o que restou em relação ao ex-presidente Lula, que parece ser um alvo definido, é um power point que mostra o ex-presidente no centro do que seria uma quadrilha.
Um power point e nenhuma prova.
Nenhuma prova.
No livro que os juristas lançarão em agosto, Moro deve sair como uma figura da estatura do médico-legista Harry Shibata, que teve um papel vergonhoso durante a ditadura militar.
Ele foi acusado de assinar laudos necroscópicos falsos de presos políticos assassinados pela ditadura.
Seu nome aparece diversas vezes no “Dossiê dos mortos e desaparecidos políticos a partir de 1964”, da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos.
Entre os laudos assinados por ele, estão o de Carlos Marighella, dado como morto em tiroteio, mas, na verdade, executado com diversos tiros; Vladimir Herzog, que, segundo o regime teria cometido suicídio, versão já desmentida oficialmente pelo Estado brasileiro; e Sônia Maria Angel Jones, cuja tortura e estupro teria sido transformada por Shibata em morte por tiroteio.
No ambiente do golpe de 2016, Moro foi promovido a herói pela imprensa corporativa – os efeitos dessa ação ainda devem durar algum tempo, pouco tempo –, mas ele tem, certamente, um encontro marcado com a história, e vai pagar o preço de quem escolheu ser parte num processo em que teria que ser juiz.
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