Doria apunhala Alckmin ao lado de Ricardo Amaral, Paulo Henrique Cardoso e Maitê Proença
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Doria (des)embarca ao ritmo de ‘Take Five’
Temer quer que os brasileiros acreditem que ele não sabe como Deus o colocou na Presidência da República.
Mas, na falta de intervenção divina ou parlamentar, João Doria faz de tudo para chegar lá pelo caminho natural das urnas.
Alckmin que se cuide. O prefeito de São Paulo, criatura política do governador, se espraia por plateias para além dos territórios bandeirantes.
Encorpa a pré-candidatura em viagens que mal escondem o propósito. Doria está em campanha.
Em nove dias, veio duas vezes ao Rio de Janeiro para convescotes nos quais foi incensado como saída eleitoral para a crise.
O tucano insiste que o PSDB não deve desembarcar do governo Temer. Mas Doria embarca e desembarca de aviões que alçam seu voo para o Planalto.
Já esteve em Belo Horizonte, Porto Alegre e Florianópolis. Nesta quarta-feira, em Brasília, cumpriu agenda frenética, digna de líder nacional do partido ao se encontrar com os presidentes da Câmara e do Senado, com a bancada de deputados federais do PSDB, com o líder da legenda no Senado, jantaria com parlamentares e fez palestra na Fecomercio.
Doria movimenta-se à vontade. Ocupa espaços e forja alianças estaduais, embora desperte um tipo de entusiasmo comedido — muito diferente do fanatismo que o concorrente da ultradireita, Jair Bolsonaro, consegue inocular.
O prefeito tem uma entonação tão forte de apresentador de telejornal, de quem pronuncia cada sílaba precisamente, que o discurso soa um tanto frio, artificial, muito medido, pouco espontâneo.
Na noite carioca de terça-feira, o tucano foi o homenageado de Boni, Paulo Marinho e Ricardo Amaral em um “cocktail/supper” que atraiu cerca de 150 interessados a ouvi-lo, num evento típico de pré-campanha. Mas de pré-campanha tucana, diga-se: audiência selecionada, garçons servindo Veuve Clicquot e banda de jazz tocando a insidiosa “Take Five”, consagrada por Dave Brubeck — num clima de cilada.
Fomentada pelo PSDB fluminense e sugerida pelo próprio prefeito a Ricardo Amaral, a reunião no Gávea Golf Club teve como objetivo “estreitar os laços [de Doria] com a elite do empresariado do Rio”.
Pontuavam dois ex-presidentes do Banco Central, Arminio Fraga e Carlos Langoni; Paulo Henrique Cardoso, filho do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso; o ex-presidente da Agência Nacional de Petróleo (ANP) David Zylbersztajn; os irmãos Rubem e Roberto Medina; o presidente da Associação Comercial do Rio, Paulo Protásio; o neurocirurgião Paulo Niemeyer; Oskar Metsavaht (Osklen); entre outros.
Políticos, não muitos. O prefeito Marcelo Crivella não foi, mas compareceram seu secretário de Urbanismo, Indio da Costa (PSD) — cotado para a eleição a governador — e os deputados estaduais tucanos Carlos Osorio e Luiz Paulo Corrêa da Rocha.
A atriz Maitê Proença, aos 59 anos, estava entre os destaques da ala feminina. Boa parte dela permanecia sentada nos sofás enquanto os demais ouviam Doria, de pé.
O discurso do prefeito, de 30 minutos, seguiu o mesmo roteiro padronizado do almoço que fizera, na semana passada, no Copacabana Palace.
Apresenta a trajetória de vida com toque popular — do “self-made man” que estudou em escola pública e teria começado a trabalhar aos 13 anos — e com acenos à esquerda e ao Nordeste, pelo pai baiano, deputado federal cassado pela ditadura.
Fala da gestão na prefeitura e, por fim, passa à exaltação programada e raivosa contra a “sem-vergonhice” de Lula e do PT. Mais racional e articulado que Bolsonaro, o tucano arranca aplausos esparsos, puxados por simpatizante próximo.
É certo que são plateias majoritariamente elegantes de empresários, advogados, integrantes do Judiciário. Mas a recepção ao discurso é menos efusiva que a provocada pelo ex-militar, também em pré-campanha pelo país.
Bolsonaro tem lotado aeroportos onde invariavelmente é carregado nos braços por uma turba de fanáticos seguidores do radicalismo de direita. Mesmo para públicos supostamente mais cultos, intelectualizados, educados, suas ideias empolgam e são capazes de provocar uma adesão fervorosa, quase religiosa.
Estamos no plano dos dogmas. Talvez isso explique o clima de euforia que o deputado despertou em abril no clube Hebraica. Ali, parte da comunidade judaica se hipnotizou com o discurso, a despeito do preconceito e do extermínio de que os judeus foram vítimas na Alemanha nazista.
Em vídeo que circula pelas redes sociais, Bolsonaro propaga que as minorias terão que se render à maioria ou simplesmente desaparecer. É o pensamento nu e cru do jurista Carl Schmitt para quem a democracia deveria ser expressão da força da maioria, sem as salvaguardas dos direitos individuais previstos pelo liberalismo.
Fora da Hebraica, a ala progressista da comunidade protestava na rua contra a palestra, na qual Bolsonaro atacava índios, mulheres, homossexuais e descendentes de quilombolas.
“Eu fui num quilombo. O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada. Eu acho que nem para procriador ele serve mais. Mais de R$ 1 bilhão por ano é gasto com eles”, disse, em declaração pela qual foi processado pelo Ministério Público Federal.
Na mesma ocasião, Bolsonaro disse ter cinco filhos, dos quais quatro homens, mas que deu “uma fraquejada e depois veio uma mulher”.
Doria gosta de falar de Bia, mãe de seus três filhos, que apesar de catarinense, conheceu no Rio. A cidade, conta, lhe rendeu “três dos melhores anos de sua vida”, quando presidiu a Embratur. O paulista afaga os cariocas.
Doria faz “speechs” sob medida para gerar identidade e busca agradar os interlocutores de plantão. Bolsonaro quer neles incitar seus instintos mais primitivos.
O ponto em comum entre os dois é a minoria ideológica a ser atacada, aqueles que o prefeito chama de “istas”: petistas, psolistas, esquerdistas em geral, e os profissionais com potencial de questionar suas ideias, os especialistas e os jornalistas.
Na disputa interna do PSDB, cada vez menos velada, Doria acrescenta mais um grupo à sua lista: os alckmistas.
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