Chris Hedges: Trump-Têmeres e os cristãos fascistas
24/7/2017, Chris Hedges, CommonDreams (excertos, com intervenções)
Link acrescentado pelos tradutores.
O vácuo ideológico de Temer-Trump, quanto mais são isolados e atacados, vai sendo preenchido pela direita cristã. Esse fascismo cristianizado, com sua rede de megaigrejas, escolas, universidades e faculdades de Direito e imenso império de rádio e TV, é aliado potente de uma Casa Branca/Palácio do Planalto capada(o). A direita cristã prepara-se e organiza-se há décadas para tomar o poder. Se a nação sofrer outro colapso econômico, o que é provavelmente inevitável, outra onda de ataques terroristas ou inventar alguma nova guerra, o poder de Trump-Temer para impor a agenda da direita cristã e fazer calar qualquer oposição ou dissidência estará dramaticamente aumentado. Na eleição presidencial nos EUA, 81% dos evangélicos brancos apoiaram Trump [essa 'pesquisa' as empresas de mídia ainda não fizeram no Brasil: preferências eleitorais aferidas por religião declarada (NTs)].
Trump-Temer (...) elevou ao poder vários figurões da direita cristã – Mike Pence à vice-presidência, Jeff Sessions ao Departamento de Justiça, Neil Gorsuch para a Suprema Corte, Betsy DeVos ao Departamento de Educação, Tom Price para Saúde e Serviços Humanos e Ben Carson para Moradia e Desenvolvimento Urbano. Trump-Temer abraça o suprematismo branco, a intolerância branca, o chauvinismo norte-americano, a ganância, a intolerância religiosa, o ódio e o racismo que definem a direita cristã.
Mais importante, o desdém de Trump-Temer pelos fatos e a tendência ao pensamento mágico, as teorias de conspiração combinam bem com a visão de mundo da direita cristã, que se vê, ela mesma, sempre como se estivesse sob ataque direto de forças satânicas do humanismo secular encarnado na academia, na imprensa que não seja fundamentalista religiosa, noestablishment liberal, em Hollywood e no Partido Democrata Partido dos Trabalhadores (PT). (...)
Os seguidores da direita cristã, Trump-Temer e seus 'assessores' pensantes, inclusive Stephen Bannon, são Maniqueístas. Veem o mundo em branco e preto, bem e mal, eles e nós. A fala de Trump-Temer no discurso na Polônia, em que clamou por uma cruzada contra as hordas de muçulmanos sem deus – os mesmos que tentam salvar-se das guerras e caos que os EUA criamos – replica a visão da direita cristã.
Líderes da direita cristã, em sinal de apoio, visitaram a Casa Branca dia 10 de julho, para rezar por Trump ["Líderes evangélicos rezam por Temer", em O Globo, 15/4/2016]. Dois dias depois, Pat Robertson já lá estava para entrevistar o presidente para sua Rede Cristã de Comunicação [ing. Christian Broadcasting Network].
Se essa aliança entre esses zelotes e o governo for efetivamente criada, acabará com os últimos vestígios da democracia norte-americana/brasileira [no Brasil, já acabou].
Na superfície pareceria incongruente que a direita cristã se pusesse a seguir um especulador nova-iorquino ativo no ramo imobiliário, conhecido publicamente como mulherengo e adúltero, sem qualquer consideração pela verdade, consumido pela ganância, que não dá qualquer sinal de algum dia ter lido ou ouvido falar da Bíblia, que rotineiramente assalta seus investidores e fornecedores, que expressa a mais crua misoginia e narcisismo ainda mais cru e mostra propensão para o despotismo. Pareceria incongruente, mas, na verdade, essas são as características que definem a maioria dos líderes da direita cristã. Temer-Trump saqueou gente em desespero nas milhares de máquinas caça-níqueis em seus cassinos, em sua universidade de impostura e em seus negócios imobiliários bem reais [Temer & equipe, no Brasil, fizeram praticamente o mesmo, servindo-se da máquina de extorsão de propinas que organizaram na Câmara e operante, de fato, há décadas].
Pastores de megaigrejas são como aves de rapina na predação dos infelizes que os seguem, para extrair "sementes ofertadas", "dádivas de amor", dízimos e doações, vendendo curas milagrosas e "roupas de orar" [no Brasil, "moda evangélica"], livros de autoajuda, gravações de áudio e vídeo e até shakes de proteína. Os pastores estabeleceram-se dentro de suas megaigrejas, como Temer-Trump estabeleceram-se em seus 'direitos', negócios e feudos despóticos. Não podem ser desafiados nem questionados, assim como aquele Trump onipotente não podia ser desafiado no programa "O aprendiz" (e Temer não pode ser desafiado porjornalistas completamente acanalhados). E os bispos tentam agora replicar em escala nacional as suas pequenas tiranias – sempre com homens brancos no comando.
A piedade pessoal da maioria dos bispos e ministros que lideram a direita cristã não passa de fachada. A vida privada dele é quase sempre marcada pelo mais ostentatório hedonismo, que inclui mansões, aviões particulares, limusines, esquadrões de guarda-costas, assistentes e serviçais pessoais, viagens para compras, férias de ostentação e escapadas sexuais que rivalizam com as de Trump. E uma vez que comandam "igrejas", em muitos casos os fundos da igreja pagam por aqueles impérios livres de impostos. E praticam o mesmo nepotismo que se vê nas empresas Trump [e no governo Temer], elevando amigos, sócios e familiares às posições de mais prestígio ou de mais altos salários, e passam 'o serviço' para os filhos [no Brasil, não apenas os filhos de 'bispos' herdam igrejas e 'fiéis': os filhos de deputados e senadores também herdam os quintais de votos dos país, avôs, tios...]. (...)
A rede de mídia Trinity Broadcasting Network (TBN) é lar dos piores charlatães na direita cristã nos EUA, incluindo o curandeiro Benny Hinn, que diz que Adão foi um super-herói que podia voar até a Lua, e que um dia os mortos serão ressuscitados, se assistirem às transmissões da rede Trinity dentro dos próprios esquifes. (...)
Esses grandes mentirosos de massa são alguns dos charlatães mais bem-sucedidos nos EUA, traço que partilham com vários dos moradores da Casa Branca ao longo da história.
Em 2007 publiquei um livro intitulado "American Fascists: The Christian Right and the War on America" [Fascistas norte-americanos: A Direita Cristã e a Guerra contra os EUA]. Não usei a palavra "fascistas" levianamente. Consumi várias horas ao final de dois anos de pesquisas, com dois dos maiores especialistas norte-americanos em fascismo – Fritz Stern e Robert O. Paxton. Será que essa ideologia dita "evangélica" satisfaz os parâmetros do fascismo clássico? Será virulenta e organizada que chegue para tomar o poder? [No Brasil, já tomou, por golpe] Irá aos extremos mais cruéis dos movimentos fascistas prévios, de perseguir e silenciar qualquer dissidência? Terá nossa sociedade desindustrializada replicado o desespero que alucina, a alienação e o ódio que sempre alimentaram os movimentos fascistas?
O evangelismo promovido pela direita cristã é muito diferente hoje do evangelismo e do fundamentalismo de há um século. A ênfase na piedade pessoal que definia o movimento antigo, a lição de evitar a contaminação da política do capitalismo, foi substituída pelo Christian Reconstructionism [Reconstrucionismo Cristão], que muitos chamam de Dominionism [aprox. Dominionismo]. Essa nova ideologia tem a ver com assumir o controle de todas as instituições, inclusive no governo, para construir uma nação "Cristã".
Rousas John Rushdoony em seu livro de 1973, "The Institutes of Biblical Law" [Os Institutos da Lei Bíblica] foi o primeiro a articular a nova ideologia. Rushdoony argumentou que Deus dá ao eleito, assim como deu a Adão e Noé, o domínio sobre a Terra, para construir uma sociedade Cristã. O estado virá com a erradicação física das forças de Satã. É dever da igreja e do eleito 'resgatar' o mundo, para que Cristo possa voltar [a doença de 'combater a corrupção', sem contudo jamais combater qualquer corrupção que não seja a corrupção dos inimigos deles, tem muito a ver com essa perversão de 'limpar' o mundo e preparar a volta de Cristo (que só voltará para os dellagnóis, não para os mais de 50 milhões de brasileiros que elegemos Lula e Dilma)].
Essa é uma ideologia da morte. Promete que a sociedade secular, humanista será fisicamente destruída. Os Dez Mandamentos serão a base do sistema legal. Criacionismo ou "Desígnio Inteligente" será ensinado nas escolas públicas. Pessoas consideradas 'desviantes, incluindo homossexuais, imigrantes, humanistas seculares, feministas, judeus, muçulmanos, criminosos e os descartados como "cristãos nominais" – quer dizer, cristãos que não abraçam a interpretação 'deles' da Bíblia (q para eles seria a única versão certa do livro sagrado) – serão silenciados, aprisionados ou mortos.
Nesse mundo, o papel do governo federal será reduzido a proteger direitos de propriedade, a segurança "da pátria-mãe" e a fazer guerras, muitas guerras. Organizações religiosas receberão fundos do Estado e os correspondentes direitos, para organizar e dirigir agências de bem-estar.
Aos pobres, condenados por indolência e por viverem 'em pecado', não receberão qualquer assistência do estado. A pena de morte será expandida para incluir "crimes morais", dentre os quais apostasia, blasfêmia, sodomia e bruxaria, além de aborto, que será tratado como assassinato. As mulheres serão subordinadas aos homens.
Crentes de outras fés serão tratados na melhor das hipóteses como cidadãos de segunda classe, na pior, serão expulsos da sociedade, convertidos em párias. As guerras no Oriente Médio serão definidas como cruzadas religiosas contra muçulmanos. Não haverá separação entre igreja e estado. As únicas vozes legítimas serão 'cristãs'. Os EUA serão convertidos em agentes de Deus. Os que se opuserem às autoridades cristãs serão declarados agentes de Satã.
Dezenas de milhões de norte-americanos [e outros tantos brasileiros!] já estão hermeticamente fechados dentro dessa visão de mundo bizarra.
São alimentados por dieta rigorosa de teorias conspiracionais e mentiras, nos jornais, na televisão, na internet, nas igrejas, nos colégios e universidades religiosos. Elizabeth Dilling, que escreveu "The Red Network" [A Rede Vermelha] será livro obrigatório (a autora era simpatizante do nazismo). Thomas Jefferson, que pregava a separação entre igreja e estado, já é ignorado.
Essa propaganda cristã promove as "significativas contribuições da Confederação. O senador Joseph McCarthy, que comandou a caça às bruxas do anticomunismo nos anos 1950s, já está reabilitado como herói dos EIA. O conflito Israel-Palestina, e as guerras no Iraque, Afeganistão, Iêmen, Somália e Líbia são definidas como parte da batalha planetária contra o terror islâmico-satânico. Atualmente, quase 40% dos norte-americanos creem no criacionismo ou no "Desígnio Inteligente". E quase um terço da população, 94 milhões de pessoas, consideram-se 'evangélicas'.
Os que se mantêm num universo conectado à realidade frequentemente descartam esses desgraçados, como palhaços. Não levam a sério o enorme segmento do público, a maioria constituída de trabalhadores e brancos, os quais, por causa das dificuldades econômicas têm ânsias primais de vingança, de nova glória e de renovação moral, e são facilmente enganados e seduzidos pelo pensamento mágico. Essas ânsias e emoções primais foram exploradas politicamente por Trump Temer e respectivos 'bispos'.
Os que abraçam esse movimento têm de sentir, mesmo que não o sejam, que são vítimas cercadas por grupos obscuros e sinistros dedicados a destruí-los [perfeita descrição de figuras como o juiz Moro e o procurador Dallagnol]. Eles precisam autoelevar-se ao papel de guerreiros santificados, imbuídos de um objetivo nobre e que receberam chamamento divino. No poder, têm de santificar o ódio e o machismo que estão no cerne do fascismo. A rigidez e o infantilismo dessa crença, que inclui ser escolhido por Deus para um específico objetivo na vida, são armas potentes na luta contra os demônios que eles mesmos criam e contra a ânsia, jamais respondida, por significado.
"O mal, quando estamos presos em suas garras, nós não o sentimos como mal, mas como necessidade, até mesmo como dever" – escreveu Simone Weil.
Esses crentes, como todos os fascistas, detestam o mundo construído de realidades. Condenam esse mundo real como contaminado, decaído e imoral. Esse mundo acabou com os empregos, destruiu o futuro, arruinou cidades e comunidades. Desgraçou seus filhos. Afogou a vida dos próprios crentes – antes de verem a luz, claro – no álcool, nos narcóticos, na pornografia, no abuso sexual, em longas sentenças de prisão, na violência doméstica, na privação e no desespero. E então, das profundezas do desespero suicidário, os hoje crentes repentinamente descobriram que Deus sempre tivera um plano para eles. Deus os salvará. Deus é fiel. Deus intervirá na vida deles e protegerá os crentes. Deus os convocou para levar adiante essa missão no mundo e para serem ricos, poderosos e felizes.
As forças racionais, seculares, aquelas que falam a linguagem do fato e da prova lógica e material, são odiadas e temidas, porque sempre tentam puxar os neocrentes outra vez para "a cultura da morte" que quase os destruíram antes de terem visto a luz. O sistema da crença mágica, como foi para os trabalhadores alemães empobrecidos que acorreram aos milhares para o Partido Nazista, é uma boia salva-vidas emocional. É a única coisa que os mantêm à tona.
A única via para desmascarar e esvaziar esse movimento mágico é reintegrar aquelas massas à economia, dar-lhes estabilidade no mundo real mediante bons salários e benefícios, para lhes restaurar a autoestima. Precisam viver numa sociedade não predatória, mas, isso sim, que provê escolas públicas com financiamento abundante, educação universitária gratuita e atenção universal à saúde, uma sociedade na qual eles e suas famílias possam prosperar.
Não podemos nos deixar ficar junto aos portões escancarados da cidade, passivamente à espera de que cheguem os bárbaros. Eles estão chegando. Correm furiosos em direção a Belém. Temos de nos livrar de toda nossa complacência e nosso cinismo.
Temos de desafiar abertamente o establishment liberal, que não nos salvará; exigir e lutar por reparação econômica para os pobres e a classe trabalhadora. Temos de dar a todos os brasileiros e norte-americanos uma esperança objetivamente baseada na realidade, que os faça encontrar algum futuro viável. O tempo está acabando.
Se não agirmos, os fascistas cristãos – brasileiros ou norte-americanos ou outros, agarrados a cruzes e estandartes e aventaizinhos maçônicos, agarrados a bandeiras nacionais e a patos amarelos, e orquestrando 'cultos' em massa, que ocupam as cidades, e nos quais todos recitam o juramento de compromisso, todos unidos por trás da figura patética de Donald Temer Michel Trump usurpadores –, levarão todo o ódio que os une, até o centro do poder.*****
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