Palestra de Dallagnol em prol da APAE parece mais um caso de lavagem de biografia. Por Joaquim de Carvalho
. |
A divulgação de que Deltan Dallagnol e sua equipe farão palestra na Federação das Indústrias do Paraná (Fiep) obedece a uma lógica que se aplica a atos no processo da Operação Lava Jato.
Na ação conduzida pelo juiz Sérgio Moro, em Curitiba, sempre que algum ato da Procuradoria da República ou do próprio magistrado têm repercussão negativa, há uma medida para enquadrar os fatos a uma narrativa favorável.
No caso, pegou muito mal a revelação de que Dallagnol é oferecido como uma das estrelas de uma empresa que agenda palestras.
Um evento desse tipo, para celebridades do calibre do procurador, rende cachê de, no mínimo, R$ 30 mil.
É o preço de mercado.
A agência dele anunciava cachê de R$ 40 mil.
Deltan diz que só prestará informação detalhada à Receita Federal.
A repórter Anna Virginia Balloussier, da Folha de S. Paulo, acompanhou uma dessas palestras, realizada no Hotel Grand Hyatt, na capital paulista, a convite da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica.
O tema era ética – o que parece cinismo, num segmento da sociedade conhecido por sonegar recibos de procedimentos, fazer cobranças por fora e não cumprir jornadas de trabalho contratadas pelo serviço público, entre outros desvios.
Os médicos tinham outro interesse.
Segundo Anna Virgínia contou em sua reportagem, logo que o procurador abriu para perguntas, um médico quis saber quando ele prenderá Lula.
Dallagnol invocou o direito constitucional ao silêncio para não responder. Houve risos e manifestações de apoio na plateia.
Os presentes entenderam a mensagem: se dependesse dele, Lula já estava na cadeia.
A Corregedoria do Ministério Público abriu um procedimento para investigar as palestras comercializadas por Deltan Dallagnol, mas ele já está se defendendo.
Na nota divulgada pela assessoria de imprensa da Procuradoria da República em Curitiba, informa-se que Deltan Dallagnol não teria violado regras do Ministério Público:
As resoluções 34/2007 do CNJ e 73/2011 do CNMP, nos termos da Constituição Federal, reconhecem que membros do PJ e do MP podem realizar atividade docente, gratuita ou remunerada. A resolução 34/2007 expressamente reconhece que a realização de palestras é atividade docente.
Manifestações anti-Lula devem agora ter algum valor para o currículo acadêmico. Será que é isso o que diz a nota?
Ou a Sociedade Médica de Cirurgia Plástica teria outro objetivo ao contratar Dallagnol para ouvi-lo falar hora a fio?
Como pegou mal, como lavar o procedimento?
Anunciado que o doutor Dallagnol fará uma exposição na Federação das Indústrias, num evento com renda revertida em prol das crianças assistidas pela APAE.
A APAE de Curitiba tem em Rosângela Moro, a mulher do juiz, uma de suas figuras públicas mais expressivas.
A relação dela com a entidade não é superficial.
Em junho de 2013, Rosângela participou de uma audiência pública na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados.
Ele iniciou sua participação com o aviso de que está na Câmara como “representante do vice-governador do Estado do Paraná, o sr. Flávio Arns, que está no exercício do governo e, por essa razão, não pode estar presente.”
Arns era o presidente da Federação das APAEs do Estado.
Rosângela estava ali para defender a imunidade tributária das APAES.
Para quem quiser conferir, o vídeo está no youtube.
Arns era, na época, do PSDB, partido a que ainda está filiado.
Flávio é também tio de Marlus Arns, um dos advogados que mais representam os delatores da Operação Lava Jato.
A palestra da equipe da Lava Jato, anunciada para 4 de julho, serve como uma luva no discurso de defesa de Dallagnol, de que faz filantropia com suas exposições.
Os organizadores vão cobrar R$ 80 reais dos participantes (R$ 40 meia entrada).
No banner do evento, a assinatura é da APAE – Curitiba-PR –, com o logo de duas mãos protegendo uma flor.
“A Lava Jato na Visão de quem está no olho do furacão” (sic) é o título do evento, que informa: “A renda será revertida para APAE-Curitiba”.
No processo da Lava Jato, há paralelos com as situações e circunstâncias que cercam as palestras de Dallagnol.
Um desses paralelos é o caso de Marísia Letícia, a mulher de Lula.
Quando Moro divulgou para a TV Globo o conteúdo das interceptações telefônicas relacionadas a Lula, no auge das manifestações pró impeachment, ele incluiu no pacote uma conversa de Marisa com o filho.
Aquela conversa em que a mulher de Lula, num diálogo absolutamente privado, diz o que considera o local mais adequado para os manifestantes guardarem suas panelas.
A reação no meio jurídico foi grande: além de ser uma conversa privada, Moro deu publicidade a um grampo de uma pessoa que não era, formalmente, investigada.
Duas semanas depois, Morou assinou um mandado que quebrava o sigilo telefônico de Marisa e a tornava, assim, formalmente investigada.
“Foi a lavagem de um abuso”, define um advogado que defende réus da Lava Jato.
No caso das palestras de Dallagnol, não é descabido suspeitar que o procurador e os amigos estejam agora empenhados para lavar o que foi, no mínimo, imprudência, talvez fruto do excesso de confiança.
Afinal, na relação que construiu com a grande (ou velha) imprensa, ele não imaginaria ser protagonista de uma notícia negativa.
Mas foi. E sujou. A APAE pode agora limpar a barra dele.
O banner da palestra na APAE já está circulando intensamente pelas redes sociais.
Comentários