NO LESTE: Para diplomata, Temer quer mostrar normalidade, mas Putin sabe que ele pode cair
Na opinião de Samuel Pinheiro Guimarães, russos sabem da fragilidade do governo brasileiro, mas, como manda a diplomacia, procuram não interferir. Exatamente o que o Brasil não faz em relação à Venezuela
por Eduardo Maretti, da RBA publicado 21/06/2017 19h51, última modificação 21/06/2017 22h15
BETO BARATA/PR
Presidente russo recebe brasileiro em Moscou pensando na importância comercial do Brasil
São Paulo – A visita do presidente brasileiro Michel Temer à Rússia, para o diplomata Samuel Pinheiro Guimarães, deve ser encarada sob dois pontos de vista. O primeiro é a tentativa de o governante brasileiro mostrar “normalidade ao público interno”, onde menos de 5% da população aprova sua gestão. Por outro lado, a recepção a Temer pelo presidente russo, Vladimir Putin, é uma clara demonstração de que o Brasil tem aceitação significativa da Rússia, um dos países mais importantes da geopolítica mundial, apesar da crise brasileira.
Após reunião no Kremlin, os presidentes russo e brasileiro assinaram uma declaração conjunta de cooperação no combate ao terrorismo e deram declarações vagas de amizade e boas relações.
Para Guimarães, não se podia esperar de Putin uma postura diferente. “Eles sabem da possibilidade de o governo mudar em breve. Todavia, os países procuram não interferir na situação de outros países para manter uma certa normalidade nas relações. O Brasil em si é um país importante, inclusive para a Rússia, como parceiro comercial”, diz.
O diplomata, ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos no fim do segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva e alto-representante-geral do Mercosul entre 2011 e 2012, ressalta que a cautela de Putin tem menos a ver com o atual mandatário brasileiro do que com o próprio Brasil.
Em oposição à postura diplomática de Putin em relação a Temer, Guimarães critica severamente a posição do próprio Brasil contra a Venezuela, como exemplo contrário aos mais básicos princípios da diplomacia internacional. “Temos uma posição, no caso da Venezuela, muito equivocada”, afirma. “Tudo para procurar se alinhar com a política exterior americana. Procura-se derrubar o governo da Venezuela. Não temos nada a ver com isso. Estamos manchando a imagem do Brasil com um país que respeita os outros.”
O Brasil e outros países, atuais aliados ideológicos, entre os quais México, Colômbia e Argentina, sob a influência dos Estados Unidos, tentam encontrar um meio de condenar o país de Nicolás Maduro no âmbito da 47ª Assembleia da Organização dos Estados Americanos (OEA), esta semana, em Cancún. Esses países vêm defendendo a suspensão da convocação de uma Assembleia Constituinte na Venezuela.
A iniciativa do México, que propôs declaração de condenação da Venezuela, foi derrotada na sessão de terça-feira (20) na OEA. Precisava de 23 votos, mas teve apenas 20.
"Os jovens estão muito preocupados com a situação geral do país. E com a desmoralização do Estado brasileiro em nível internacional"
Qual o significado da visita e do encontro de Temer com Putin, no contexto da atual política externa brasileira?
Essa visita tem dois aspectos. Um é interno, a tentativa de mostrar que há uma certa normalidade na política, na ação do governo. Aparentemente, pelo que ouvi, essa visita foi programada muito em cima da hora. E mostra que o Brasil tem aceitação de um país importante, membro dos Brics, do Conselho de Segurança das Nações Unidas, um dos países mais importantes da cena internacional, junto com Estados Unidos e China.
Então tem o aspecto de mostrar isso ao público interno brasileiro e gerar uma notícia alternativa. Ao mesmo tempo ele levou ministros com ele. Houve até reclamações que vi nos jornais sobre isso, num momento tão grave, fazer uma visita ao exterior. Do ponto de vista de política externa, todos os países que têm embaixadas no Brasil estão acompanhando a situação, e a fragilidade do governo atual, e o fato de que ele tem, talvez, 5% de aprovação popular. Sabem da possibilidade de o governo mudar em breve. Todavia, os países procuram não interferir na situação de outros países para manter uma certa normalidade nas relações. O Brasil em si é um país importante, inclusive para a Rússia, como parceiro comercial – e poderia ser muito mais, mas obviamente não é. Até porque somos exportadores para a Rússia, principalmente de alimentos. Agora, não vai se alterar de forma maior a percepção dos outros países sobre o que está acontecendo no Brasil. É óbvio. Por outro lado, eles procuram também aparentar certa normalidade para não parecer que estão interferindo.
Havia certa expectativa de alguns setores aqui no Brasil de que Putin nem recebesse Temer. Não era uma expectativa um pouco romântica?
Acho que sim, no sentido que (os russos) estão lidando com o Brasil, e não há interesse em fazer uma ofensa. Em primeiro lugar porque há interesses maiores. Em segundo, porque querem manter boas relações com o Brasil.
Mais do que com Temer...
Mais do que com Temer. Nós é que temos uma política equivocada em relação à Venezuela, por exemplo. Muito equivocada, procurando interferir na situação interna da Venezuela, quando não é do nosso interesse e é contra a nossa Constituição. Não podemos interferir nas questões internas dos países. Nem julgá-los.
Da mesma maneira que a Rússia de Putin não pode fazer isso conosco ou nosso governo...
É, não tem interesse nisso, porque amanhã, vamos supor que ele (Temer) sobreviva a essa crise. É uma hipótese. A outra hipótese é que ele caia. Mas fica ruim para as relações entre os países. Os países precisam se respeitar. Temos uma posição, no caso da Venezuela, muito equivocada, muito equivocada, e acabamos de perder na OEA. Tudo para, digamos, procurar se alinhar com a política exterior americana. Procura-se derrubar o governo da Venezuela. Não temos nada a ver com isso. Estamos manchando a imagem do Brasil como um país que respeita os outros e cada sociedade. Quem somos nós para julgar a situação da Venezuela? Por que não condenamos outros países onde há ditaduras reconhecidas? É um grande equívoco.
Quais ditaduras o senhor mencionaria?
Eu não vou citar. Ou pelo menos são acusados de serem ditaduras, não é?
Donald Trump agora resolveu dar uma lição, tentando romper acordos com Cuba...
Pois é, tudo isso é um equívoco, mas ele está fazendo isso para o público interno, porque ele não rompeu relações. Ele endureceu certas medidas, que têm grande repercussão na comunidade cubana, cumpriu um compromisso de campanha e aumentou o apoio a ele dentro de certos setores da sociedade.
O que o senhor tem a dizer sobre os dois ministros das Relações Exteriores do governo Temer, José Serra, que já saiu, e Aloysio Nunes, o atual titular?
Qual a vantagem disso? (risos). Eu dei uma entrevista alguns meses atrás, quando disse que a gestão do ministro Serra no Itamaraty tinha sido desastrosa. Quanto ao ministro Aloysio, acredito que – é a sensação que tenho –, fora as questões relativas à Venezuela, onde tem uma posição na minha opinião equivocada, ele está tendo uma compreensão melhor da política externa, na questão dos Brics. Uma posição um pouco melhor. Um pouco melhor.
Porém, a política externa hoje em dia é feita pelo governo como um todo, não só pelo Itamaraty. O governo, como um todo, alinha-se com os Estados Unidos em tudo. Aliás, eles não esperam o pedido americano, eles fazem antes. Todo o governo está voltado a fazer uma política de agradar os Estados Unidos, para agradar as empresas estrangeiras no Brasil, para desregulamentar. Enfim, todas essas medidas que vêm sendo tomadas nos mais diferentes setores, abrir a mineração, permitir a compra de terras, o que fizeram com o pré-sal e continuam fazendo, a destruição da indústria nacional. Porque a indústria estrangeira não depende do BNDES. Tem outras fontes de financiamento. Então isso é o que ocorre. Na realidade, o Itamaraty cuida de alguns temas específicos, mas a política em geral, o tom da política, é do governo como um todo: é agradar o capital, principalmente o capital estrangeiro. Porque estão destruindo o capital nacional.
Mas pelo que temos visto o meio diplomático está bastante contrariado com o governo, como se viu pelo manifesto contra a violência ...
É uma coisa rara, muito rara de acontecer. Os jovens estão muito preocupados com a situação geral do país. E um pouco com a desmoralização do Estado brasileiro em nível internacional. E, como são profissionais,fizeram aliás um manifesto muito cuidadoso, na linguagem, mas a favor da democracia, do Estado de direito etc.
Diplomático.
Bem diplomático.
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