Joesley e a revista dos irmãos Marinho: porque faltaram as perguntas às quais o empresário quadrilheiro deveria responder

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por Luiz Carlos Azenha - no VIOMUNDO - 17/06/2017

Durante minhas quase duas décadas trabalhando como correspondente nos Estados Unidos, em Nova York e Washington, li várias reportagens nos diários locais — New York Times e Wall Street Journal, especialmente — que poderiam ser entendidas como lobby de corporações norte-americanas para abrir mercados no Exterior.
Eram textos que pareciam destinados à leitura de embaixadores e das elites de potências estrangeiras. Japão, China e, mais recentemente, a Índia foram os principais alvos. Grandes mercados.

No caso da China os jornalistas americanos se especializaram em denunciar violação aos direitos humanos e sindicais dos trabalhadores chineses.
Quando o Wall Street Journal publica algo em defesa de direitos trabalhistas, é preciso desconfiar. Objetivo encoberto: arrancar concessões de autoridades chinesas.
Só no Brasil a atuação de um governo em defesa de empresas nacionais é criminalizada.
Em Washington o governo serve de correia de transmissão para os interesses das megacorporações, como se viu recentemente com a venda de caças norte-americanos para dois Estados que se enfrentam no Oriente Médio, Arábia Saudita e Qatar. Às favas com a diplomacia, o que interessa é vender.
Isso vale para republicanos e democratas. Quando Bill Clinton indicou Ron Brown para secretário de Comércio, foi com a tarefa pública de usar a diplomacia dos Estados Unidos para abrir mercados, mais ou menos o que fez o ex-chanceler Celso Amorim nos governos Lula.
No caso da China os americanos aprenderam com Nixon. É muito mais eficaz trabalhar nos bastidores. Além disso, é preciso equilibrar o interesse das corporações que pretendem vender na China com os interesses do imenso capital norte-americano investido em parcerias com empresas locais.
No caso de aliados como o Japão, as denúncias midiáticas são bem mais eficazes. Eu me lembro especificamente de uma: quando as grandes lojas de varejo dos Estados Unidos pretendiam se estabelecer no mercado japonês — uma delas a maior empresa de varejo do mundo, o Walmart — a mídia norte-americana denunciou vantagens concedidas pelo governo japonês, em todas as esferas, aos mini-mercados que existem às centenas de milhares, espalhados pelas cidades japonesas, pequenas empresas familiares que são a base do comércio.
Todo este preâmbulo é para dizer que mercados contam e que o mercado brasileiro vale muito, especialmente se usado por empresas brasileiras para um salto latino-americano e, em seguida, mundial. Como diria qualquer capitalista, num mundo globalizado a vantagem geográfica e de escala conta muito.
Essa dimensão estratégica é completamente desconhecida pela Operação Lava Jato nas investigações de setores-chave da economia brasileira: da Petrobras às empreiteiras, do BNDES à JBS.
Foi o que abriu espaço para especulações em torno da íntima relação entre os meritocratas da PGR, do MPF, da PF e da Justiça e autoridades dos Estados Unidos, que podem influir no rumo das investigações pelo fornecimento ou supressão de dados na troca de informações prevista em acordos internacionais.
Seria demais esperar que, em sua entrevista à revista Época, dos irmãos Marinho, Joesley Batista fizesse uma reflexão aprofundada sobre o fato de que a corrupção é inerente ao capitalismo: o Estado existe para garantir que alguns se darão melhor que outros, justamente aqueles que podem comprar o poder.
Não é assim nos tão amados Estados Unidos do juiz Sérgio Moro?
Sim, tanto que a Suprema Corte norte-americana, para efeito de doações eleitorais, decidiu dar o equivalente a status de pessoa física às corporações, permitindo que elas interfiram praticamente sem limites no processo eleitoral e moldem a legislação em todas as esferas de governo — sempre à base de dinheiro.
Se malas de dólares não circulam entre empresários e políticos dos Estados Unidos com a frequência que vemos no Brasil, isso não significa que as empresas americanas não comprem legislação. Elas o fazem da mesma forma que a JBS, através de lobistas devidamente registrados em Washington que atuam junto aos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.
Legiões de advogados e associações empresariais escrevem legislação e a submetem através daqueles que financiam. Isso é corriqueiro e frequentemente se torna público.
Um dos casos mais recentes foi revelado pelo documentário Emenda 13, da Netflix, que demonstrou como o complexo industrial-penitenciário comprou legislação para expandir a rede de prisões privadas que explora a mão-de-obra escrava dos dias de hoje, 60% dela negra.
Trata-se de uma ação muito menos descarada que a do gângster Eduardo Cunha, mas não menos perversa.
Na entrevista à Época, o pilantra Joesley Batista se diz surpreso com a dimensão das organizações criminosas que tomaram conta da política brasileira, sem ser forçado a reconhecer que, como subornador, ele também fez crescer seus negócios nos moldes de uma clássica organização criminosa.
Faltou perguntar a Joesley, por exemplo, como se deu a expansão da JBS e da J&F fora do Brasil.
Ele subornou alguém? Ofereceu alguma vantagem? Contratou algum lobista? Tentou interferir de alguma maneira no processo legislativo? Ele não considera que sua expansão internacional, feita com capital acumulado no Brasil, a juros subsidiados, está contaminada pelos vícios de origem?
Joesley teve a oportunidade de expor seu “altruísmo”, afirmando que buscava criar empregos e, assim, beneficiar as comunidades nas quais trabalha. Sendo assim, os políticos que atenderam suas demandas não poderiam usar o mesmo argumento e ter direito à mesma leniência?
Santa hipocrisia!
Mas, por que Joesley não foi encostado contra a parede durante a entrevista?
Podemos testar a hipótese: é um grande anunciante das Organizações Globo, além de aliado de ocasião.
Diego Escosteguy, autor da entrevista, é conhecido pelo antipetismo e se esmera em agradar ao patrão.
A entrevista de Joesley se encaixa no plano dos irmãos Marinho de derrubar Temer para promover um eleição indireta no Congresso.
O empresário, assim, é mero instrumento da disputa institucional entre PGR-Globo e o acordão antecipado por Romero Jucá, “com STF, com tudo”.
Paulo Nogueira, que trabalhou tanto na Abril quanto na Globo — agora está no Diário do Centro do Mundo — conhece Escosteguy bem, e escreveu sobre ele depois de ler manifestações do jornalista no twitter:
Escosteguy parece não ter ideia, ou finge, de que a Globo foi inteiramente construída com dinheiro público, em troca de conhecidos favores sobretudo aos generais que mataram, torturaram e perseguiram tantos brasileiros.
Escosteguy não sabe que sua empresa ainda hoje se beneficia de uma inacreditável reserva de mercado, coisa de quem quer capitalismo e concorrência só para os outros.
Saberá da sonegação da Copa de 2002? Do detalhe da trapaça fiscal feita pela Globo: alegou que ia fazer um investimento no exterior para não pagar o imposto devido pela compra dos direitos? Da tentativa de dar fim, por uma ex-funcionária da Receita, ao documento que comprovava a fraude dos Marinhos?
A Época mesma em que ele é vice-chefe com ares napoleônicos agora.
Quando eu cheguei à Editora Globo, o pobre contribuinte do Amazonas era instado a melhorar as contas da editora mediante compras milionárias de livros da Globo.
Dinheiro público, sempre dinheiro público.
Em troca, o governador recebia matérias louvatórias da Época.
Meu primeiro choque na Globo, e na Época, se deu exatamente aí. Briguei com o “operador” que fazia a ponte entre a editora e o governo do Amazonas.
O governador do Amazonas foi a São Paulo me intimidar. Tivemos um encontro patético, ao fim do qual ele me ameaçou: “Vou falar com o João Roberto Marinho.”
Escosteguy terá noção de como foi feito o Projac? Com dinheiro do Banerj, sempre público, e pago depois, pausa para gargalhadas, com anúncios.
E vem posar de Catão, este Kim Kataguiri do jornalismo, como se trabalhasse na Santa Casa de Misericórdia? Tem coragem de falar em “sites financiados pelo PT” — sem prova nenhuma, aliás — quando a empresa em que trabalha leva só das estatais federais 500 milhões de reais por ano com audiências despencando?
Vivemos no Brasil uma guerra intestina entre facções que ativamente promoveram ou se omitiram diante de um golpe de Estado que afastou a presidente legítima sem crime de responsabilidade, usando pedaladas fiscais de forma obscena. Um golpe que, conforme antecipamos, se tornaria uma verdadeira Galeria dos Hipócritas.
Um golpe contra a Constituição de 1988, contra os direitos trabalhistas, contra a soberania nacional e pela completa submissão do Brasil à globalização financeirizada.
A única saída é o STF anular o impeachment, Dilma Rousseff reassumir o Planalto e organizar eleições gerais antecipadas que restaurem a soberania popular.

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