Damous: O Direito brasileiro esculhambou-se tamanho o estrago causado pela promiscuidade com a política
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O Brasil se desmancha
Há poucos anos, o Brasil era o centro das atenções mundiais. Ao longo dos dois mandatos de Lula, e do primeiro de Dilma, a mídia internacional abria espaços generosos para o extraordinário avanço social, econômico e político do país, alçado à condição de ator de primeira grandeza da diplomacia global.
Um ano depois que um golpe de estado rasgou a Constituição da República, a voracidade com que as forças conservadoras se lançaram à destruição do legado da era dos governos petistas não encontra paralelo não só na história do Brasil como também de nenhuma outra nação.
Sem qualquer legitimidade, impõem um programa radical de restauração conservadora que jamais seria aprovado nas urnas. Já entregaram o pré-sal, degradaram a empresa pública de comunicação, congelaram os gastos sociais por 20 anos, feriram gravemente a CLT com a terceirização irrestrita e estão prestes a desferir-lhe o tiro de misericórdia através da reforma trabalhista. Também o direito à aposentadoria está por um triz com o avanço da reforma da previdência no Senado.
Imerso em uma espécie de atoleiro jurídico, político e moral, o direito brasileiro virou uma esculhambação. Lamento sinceramente a utilização dessa expressão, mas não encontro outra no vernáculo capaz de refletir com tamanha precisão o estrago causado pela promiscuidade entre o direito e a política.
Hoje, não importa mais a instrução e as nuances de um processo penal, e sim sua utilização para se atingir objetivos políticos. Confesso o meu estarrecimento ao ler recentemente a declaração de um juiz dando conta de que votara em sintonia com o que é melhor para o país. Juiz que se preza e honra a magistratura vota de acordo com os autos do processo, com a lei e a Constituição. Ponto.
Na realidade, o votar segundo os interesses do país serve de biombo para esconder o óbvio: o melhor para o Brasil é o que sai publicado nas cartas dos eleitores, nos editoriais dos jornalões e na linha editorial das redes de televisão.
Moro e os procuradores da República de Curitiba rezam exatamente por essa cartilha. Para eles, fazer justiça é se submeter aos ditames do monopólio midiático e ao clamor do agronegócio, das grandes corporações empresariais e dos banqueiros, apoiadores de primeira hora e financiadores do golpe.
Não resta dúvida de que o governo Temer é o mais calamitoso da história. Se não bastasse estar ocupando a presidência mercê de um golpe de estado, adota o banditismo como método de ação política, o que lhe renderá inclusive nos próximos dias uma denúncia da PGR por corrupção, organização criminosa e obstrução de justiça.
Contudo, a aversão e o sentimento de repulsa por essa quadrilha não me turvam a visão jurídica. Por isso, reputo como tecnicamente correto o julgamento do TSE que absolveu a chapa Dilma/Temer. Os fundamentos do estado de direito são claros : juiz só julga com base na prova dos autos e o direito à ampla defesa é o pilar da democracia.
Todas as tentativas de impugnar o resultado eleitoral de 2014 levadas a cabo por Aécio Neves (que depois seria flagrado confessando que o fizera sem base legal, apenas para “encher o saco do PT”) foram rejeitadas, com trânsito em julgado no TSE. No entanto, Gilmar, sempre agindo como coronel da política, violou a coisa julgada e determinou que o Ministério Público Eleitoral investigasse as contas já aprovadas.
A mídia, por sua vez, exerceu forte pressão também para inserir no processo de forma ilegal elementos extemporâneos aos autos, como as delações dos executivos da Odebrecht e dos marqueteiros, que não integravam a causa de pedir. A não aceitação desse contrabando por parte do TSE foi uma decisão acertada do ponto de vista jurídico.
Voltando ao desmanche do país, o ministro Gilmar Mendes, que fala e faz o que bem entende, agora ataca a justiça eleitoral. Só no Rio de Janeiro, 113 zonas eleitorais estão em vias de ser extintas pelo presidente do TSE. No momento em que se discute a necessidade de uma ampla reforma no sistema político-eleitoral, é uma irresponsabilidade propor o enfraquecimento da própria espinha dorsal do processo eleitoral.
Wadih Damous é deputado federal (PT-RJ) e ex-presidente da OAB-RJ
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